Temos enfatizado a importância do “vá ver diretamente no local onde as coisas acontecem (gemba)” como um dos elementos centrais do estilo liderança lean em leanmails anteriores ("Cuidados com a gestão por indicadores", abril de 2009, "O que gera bons resultados?", janeiro de 2010, "O que a história nos ensina", julho de 2010, Manter a ‘chama acesa’”, agosto de 2010). Neles, mostramos a importância da liderança conhecer de perto a realidade através de seus próprios olhos, como uma maneira de entender melhor o que está acontecendo para, assim, poder ajudar melhor as pessoas a realizarem o seu trabalho sempre de forma mais eficaz. E, com isso, possibilita uma melhor gestão frente aos métodos tradicionais de administração à distância baseada em números.
Quanto mais longe você está dos locais onde as coisas realmente acontecem, mais facilmente enganado você será ou estará, pois, inevitavelmente, as coisas sempre parecerão melhor do que realmente são. Principalmente em empresas cuja cultura estimula o “dar boas noticias sempre” pereferivelmente ao “ trazer problemas”.
Mas há um outro elemento presente no “vá ver” que é pouco enfatizado e percebido. Só o fato de um dirigente da empresa estar presente no gemba traz um efeito muito sutil, pouco visível e perceptivel que é o de estimular a melhoria das relações humanas, na medida em que as pessoas se sentem mais importantes e valorizadas, o que, por sua vez, tem um impacto benéfico importante sobre o desempenho.
Vamos recordar um dos mais impactantes e excitantes experimentos realizados em administração e psicologia do trabalho há quase um século, muito conhecido e popularizado em manuais básicos de administração, que traz lições importantes para nós sobre a relevância e o sentido do “vá ver”.
A experiência de Hawthorne, realizada em uma fábrica de redes de telefone da Western Eletric Company em Chicago, foi concebida para determinar a relação entre a intensidade da iluminação e a eficiência dos operadores, medida através do volume de produção. A experiência foi coordenada pelo psicólogo australiano Elton Mayo, e estendeu-se à fadiga, acidentes no trabalho, rotatividade e ao efeito das condições de trabalho sobre a produtividade do pessoal.
A experiência inicial supunha que aumentando a luminosidade em um local de montagem, a produtividade também aumentaria. Foram escolhidos dois grupos que faziam o mesmo trabalho e em condições idênticas: um grupo de observação trabalhava sobre intensidade variável de luz - ora mais claro, ora mais escuro -, enquanto o grupo de controle tinha uma intensidade constante de iluminação. Imaginava-se que o segundo grupo teria desempenho melhor, o que paradoxalmente, não aconteceu. A partir daí, conclui-se que a eficiência dos operadores fôra afetada por condições psicológicas, no caso, o fato deles serem motivo de atenção e preocupação por parte da direção da empresa e dos pesquisadores. Foi isso e não o fator fisiológico (no caso, a iluminação) que incrementou a produtividade.
Esse experimento inicial foi seguido de outros em que novos fatores foram sendo adicionados, como o tipo e a duração da jornada de trabalho e de pausas para descanso, assim como o sistema de pagamento. E mais um vez, paradoxalmente, a produtividade e a eficiência seguiam aumentando, independetemente da piora ou melhora das condições oferecidas.
Os pesquisadores constataram, então, que os operadores gostaram de trabalhar em um ambiente menos rígido e mais cordial, onde não havia temor ao supervisor, pois este funcionava como orientador. As pessoas tornaram-se uma equipe que desenvolveu objetivos comuns, como o de aumentar o ritmo de produção.
Outros experimentos foram se seguindo por anos e os resultados eram sempre muito semelhantes. O que efetivamente parecia importar é que as pessoas parecem ser motivadas pela necessidade de reconhecimento e participação nas atividades dos grupos sociais nos quais convivem. A importância do grupo é central pois cada pessoa possui uma personalidade única que influi no comportamento e atitudes das outras com quem mantém contato. A compreensão desse fatores humanos e motivacionais permite ao líderes e gestores conquistarem melhores resultados e a criação de um ambiente estimulante, no qual cada pessoa é encorajada a exprimir-se e a contribuir.
O que esse experimento traz de lições para a gestão lean, em particular para o “vá ver”? O “vá ver” pemite um contato direto entre as pessoas de distintos níveis hierárquicos, mas não apenas com o intuito que algumas empresas o usaram desde os anos 80, que era o de “portas abertas”, usadas primordialmente para canalisar reclamações não resolvidas nos níveis em que deveriam ser.
Ou ainda, o conselho dado no clássico best seller dos anos 80 “In search of excellence”, de Tom Peters e Robert Waterman, que falavam no “managing by walking around” (“administrar dando uma volta”) em que enfatizavam a importância de sair dos escritórios e se comunicar diretamente com as pessoas de modo a estimular os relacionamentos informais e facilitar e intensificar a comunicação.
O “vá ver” sugerido na filosofia lean é muito mais amplo e profundo do que isso. Significa saber quem está fazendo o que e como, de modo a entender claramente como a atividade ou processo está funcionando naquele momento e como deveria funcionar, qual o padrão esperado e onde queremos estar em determinado ponto do futuro.
O que fazer então na ida ao gemba, o local onde as coisas que importam acontecem? Primeiro, é necessario definir qual é o seu gemba. O gemba de um diretor financeiro pode estar na fábrica ou nos fornecedores. O de um engenheiro de produtos pode estar na casa de potenciais clientes. O de um comprador pode estar nos fornecedores mas também nos escritórios dos compradores.
A verificação da aderência aos padrões existentes ou o reconhecimento de sua inexistência, apoiados por uma sólida gestão visual, é um dos objetivos principais do “vá ver”. Fazer perguntas objetivas e instigantes que estimulem a busca de dados e fatos relevantes, tais como: quantas vezes e quando o problema ocorreu, quais são as condições em que o problema ocorre etc.
A partir daí, a liderança deve ser capaz de ajudar a identificar e a resolver problemas com o método científico, em conjunto com as pessoas envolvidas. E, com esse método, realizar uma de suas tarefas mais importantes que é a de estimular e desenvolver pessoas com iniciativa e que usem o método cientifico no dia-a-dia para resolver os problemas que constantemente aparecem.
Assim, o “vá ver” tem um componente essencial de respeito às pessoas e de valorização do ser humano de forma concreta e objetiva, focalizando na maneira como a pessoa executa o seu trabalho e ajudando-a a fazer cada vez melhor, sempre.
PS1. Nosso próximo Workshop de Mapeamento do Fluxo de Valor na Saúde será realizado no Instituto Oncológico do Vale (IOV), em São Jose dos Campos –SP, nos dias 24 e 25 de março. Embora dando os passos iniciais na jornada lean, esse caso já foi relatado no livro “Applying Lean in Healthcare” da Editora CRC Press, 2010, no capítulo 9 ("Improving Wait Times at a Medical Oncology Unit") de autoria do Dr. Carlos F. Pinto.
PS2. Criamos uma turma adicional para a visita às instalações da Bosch no dia seguinte ao Seminário de Logística Lean. O grupo de visita é pequeno para facilitar o aprendizado e as observações no gemba. E a todos os participantes do Seminário será oferecido um exemplar do mais novo manual do LIB, “Construindo o Fluxo de Atendimento Lean”, de Robert Martichenko e Kevin von Grabe, com prefácio à edição em português de Alvair Torres, nosso próximo lançamento.
PS3. O artigo de Jeff Liker e Mike Rother sobre as razões do fracasso de programas lean enfatizam como as pessoas aprendem e a importância de padrões, inclusive para a melhoria, detalha alguns dos elementos aqui mencionados.