Em nossas visitas a empresas, recebemos perguntas tais como ”meu sistema de produção é sob encomenda (“make to order”) e estou tendo dificuldades em implementar o kanban. Você teria alguma sugestão?”, ou ainda, ”estamos implementando lean nos escritórios, e agora controlamos os materiais básicos do escritório com o kanban. Tem sido muito bom. Ajudou a reduzir os estoques e a eliminar as faltas. Você teria alguma idéia de onde mais posso aplicar o kanban no escritório?”.
O que se nota é a boa vontade e disposição das pessoas em implementar uma ferramenta que serve para melhorar a gestão e o resultado da empresa. Mas seriam essas as perguntas certas? Será que o objetivo fundamental de uma transformação lean é usar o kanban ou alguma outra ferramenta? Notamos que frequentemente há uma preocupação em utilizar uma ferramenta, quer seja o kanban, quer sejaqualquer outra, sem saber exatamente para que ou com que propósito.
Apenas relembrando, o kanban, palavra japonesa cujo significado é sinal ou quadro de sinais, “é um dispositivo sinalizador que autoriza e dá instruções para a produção ou retirada de materiais em um sistema puxado” (Léxico Lean, Lean Institute Brasil, p. 41). Como outras ferramentas lean, ele é visual; de baixo custo; poderoso para evitar as faltas de materiais e impossibilitar a superprodução (produzir mais que o necessário, antes ou depois da hora); serve para expor problemas; define diretamente o que deve ser feito, sem necessitar da ajuda, ou definição de “chefes”, ou do planejamento e controle da produção (PCP); requer estabilidade, disciplina e padronização; precisa ser auditado com frequência etc.
É por isso que, ao longo dos anos, temos visto quadros kanban empoeirados, servindo de decoração ou sendo mostrados a visitantes ou mesmo diretores pouco informados. As pessoas não entendem a necessidade ou o problema a ser resolvido. Ou não entendem os requisitos necessários. Após algum tempo, a ferramenta cai no vazio.
Vamos reproduzir um diálogo entre Michikazu Tanaka, um executivo de uma empresa subsidiaria da Toyota, e Taiichi Ohno, então aposentado e trabalhando com consultor para essa empresa. Após alguns anos implementando alguns conceitos, técnicas e ferramentas sob a supervisão de Ohno, o Sr Tanaka formula a seguinte pergunta:
“Ohno - san. Eu estava errado sobre o kanban. Eu achava que o kanban tinha como propósitos a redução de material em processo, aumento de produtividade e exposição de problemas. É muito bom para isso, mas seu objetivo principal é algo mais, não é?”
Após esperar uma eventual resposta de Ohno (o que não ocorreu, já que faz parte do método dos sensei não oferecerem respostas e estimularem as pessoas a pensar) e ficar ansioso com o silêncio, Tanaka continuou:
“Você usa o kanban para criar uma tensão positiva no local de trabalho através da redução do material em processo, e isso motiva as pessoas a fazerem melhor do que elas jamais pensaram que seriam capazes. Não é isso que você está realmente objetivando?”(Citado em Shimokawa, K. e Fujimoto, T. “The birth of lean”. Cambridge-MA, Lean Enterprise Institute, 2009, p.41. Versão em Português prevista para Julho).
E mais uma vez, a espera de resposta de Ohno fez com que ele continuasse a refletir sobre o papel e o grande poder de um simples cartão.
Ou seja, a aplicação dessa ferramenta ajuda e apóia um novo sistema de gestão que pressupõe uma mentalidade desafiadora de melhoria permanente, e que requer o envolvimento e colaboração das pessoas.
O exemplo do kanban é apenas uma ilustração da visão de que “como tenho um martelo, minha vida se resume a procurar pregos e paredes”. Outras ferramentas lean, por muitas vezes, tem tido o mesmo uso inadequado, vistas como um fim em si mesmas.
Vemos diversas empresas às vezes demorando semanas, se esmerando em detalhar minuciosamente mapas complexos do estado atual do fluxo de informações e de materiais porta-a-porta que não resistem a algumas perguntas simples: “Mas qual é o problema com o fluxo atual? Quais indicadores de desempenho precisam melhorar para a empresa ser mais competitiva? Por que estamos focando este fluxo e não outros? Quais são as prioridades?”. O objetivo do mapa atual é fornecer um entendimento do fluxo real de agregação de valor, identificar seus principais problemas, definir um estado futuro a ser alcançado, um plano de ação e, o fundamental, implementar, de forma a atingir os objetivos do negócio!!! Quais outras ferramentas serão usadas, onde, como e quando, são decorrências do estado futuro e do plano desenhados, com uma visão sistêmica.
Ou ainda, temos a febre e proliferação de documentos em formatos A3 usados para tudo e por todos, sem muito critério, em que não são seguidas as etapas do raciocínio PDCA, não há uma análise consistente na busca das origens, não há uma consistência em termos de dados e fatos, e não se assegura o consenso necessário para viabilizar sua implementação.
O Mapeamento de Fluxo de Valor, o relatório A3, assim como o kanban e outros são ferramentas de gestão extraordinárias que estimulo a todos a conhecer melhor e a verificar a sua utilidade e relevância para a sua empresa e situação.
Mas devemos evitar que as ferramentas lean ganhem vida própria e se tornem autônomas dos propósitos da empresa e das necessidades do negócio. A aplicação das ferramentas lean pode passar a ser, erroneamente, o objetivo em si da transformação lean.
Precisamos transitar rapidamente da era das ferramentas lean para a era do Lean Management, o sistema de gestão que vai levar as empresas a melhores resultados. Em outros artigos e oportunidades continuaremos discutindo sobre o Lean Management mas a reflexão acima feita pelo Sr. Tanaka sobre o kanban pode ser generalizada e serve como um bom ponto de partida: como gerenciar de forma a criar uma tensão positiva que motive as pessoas a resolverem problemas de uma forma ordenada, melhorando sempre o sistema?
PS1. A caracterização e os desafios para a implementação do Lean Management é um dos temas centrais do próximo Lean Summit, nos dias 3 e 4 de Agosto, em São Paulo-SP. E você verá também inúmeras ferramentas lean.
PS2. O Encontro da Alta Administração: liderando a transformação lean a ser realizado em Poços de Caldas, nos dias 15 e 16 de abril, em parceira com a Alcoa, mostrará na prática como o Lean Management é o sistema de gestão que vai apoiar a busca de resultados e a melhoria dos resultados nas empresas.
PS3. Continuamos a oferecer os nossos workshops públicos em várias regiões do país. Os próximos serão Sistema Puxado e Nivelamento da Produção, nos dias 8 e 9 de abril, na MMaia, Eusébio-CE; Logística Lean para o Abastecimento Interno, nos dias 26 e 27 de abril, na Whirpool, Joinville-SC; Fazendo Acontecer a Coisa Certa (Hoshin Kanri), no dia 6 de maio, nos Correios, Rio de Janeiro-RJ; e Trabalho Padronizado, nos dias 14 e 15 de junho, na Jost, Porto Alegre-RS.
PS4. Estamos organizando um grupo para participar do Lean HealthCare Transformation Summit promovido pelo Lean Enterprise Institute (www.lean.org), a ser realizado em Orlando- Florida nos dias 9 e 10 de junho. Interessados, por favor, procurar Roberta ([email protected] ou tel 11-55710804).