Tradução: Diogo Kosaka
O relatório A3 é uma ferramenta que a Toyota Motor Corporation utiliza para propor soluções para os problemas, fornecer relatórios da situação de projetos em andamento e relatar a atividade de coleta de informações.
No Lean Summit 2023, dias
20 e 21 de junho, no World Trade Center (WTC), em São Paulo,
uma série de empresas vão mostrar e explicar seus A3, permitindo que se tenha uma visão mais prática desse método que é uma das bases do sistema lean.
1. Introdução
Poucas empresas no mundo destacam-se pela melhoria contínua como a Toyota Motor Corporation. A empresa é mais conhecida pelo seu eficiente sistema de produção, chamado de “lean manufacturing”. Mas, o método de produção mais eficiente da historia não nasceu da inspiração de um individuo genial (embora a Toyota tenha tido diversos deles ao longo dos anos). Pelo contrário, foi evoluindo para o estado presente através de décadas de sustentação e um alto nível de atividades de melhoria continua. A eficiência da Toyota não se limita somente ao chão de fábrica, mas também envolve o desenvolvimento de produto, protótipo, teste e todas as outras operações do negócio. Fabricantes de todo o mundo têm buscado implementar as práticas da Toyota e tiveram até algum sucesso. No entanto, diferente da Toyota, a maioria do sucesso está confinado no chão de fábrica e pouco no restante da empresa.
Muitas das ferramentas da Toyota foram estudadas, escritas e copiadas, mas uma ferramenta recebeu pouca atenção. Em prévios trabalhos de pesquisas para o sistema de desenvolvimento de produto na Toyota, o primeiro autor achou que essa ferramenta poderia ser usada livremente e com um incrível poder e eficácia. A Toyota usa a ferramenta como um guia sistematizado de solução de problemas através de um processo rigoroso, documentando os problemas principais daquele processo e propostas de melhorias. A ferramenta é usada tão livremente que é uma peça chave para o famoso programa de melhorias contínuas da Toyota. A Toyota chama essa ferramenta de relatório A3.
2. O Relatório A3 de Solução de Problemas
O relatório A3 é assim chamado porque é escrito em um papel de tamanho A3. A Toyota desenvolveu vários tipos de relatório A3 para diferentes aplicações. O relatório é escrito de cima para baixo e da esquerda para a direita. Três furos no lado esquerdo combinado com uma dobra dupla permitem que os relatórios sejam armazenados em pastas padrão com três presilhas. Embora o nome nas caixas possa mudar, a organização do relatório permanece a mesma, como será explicado em seguida.
2.1. Tema & Contexto
Todo relatório começa com um “tema” ou título. O tema indica o problema a ser abordado e é bastante descritivo. O tema deve ser focado no problema e não defender uma solução particular.
Depois, o autor do relatório A3 descreve qualquer informação do contexto que é essencial para o entendimento da extensão e da importância do problema. Itens que devem ser incluídos nesta seção são como foi descoberto o problema, por que o problema é importante para os objetivos da empresa, as partes envolvidas, o sintoma do problema, experiências anteriores, estrutura da empresa, e assim por diante.
2.2. Condição atual
Esta seção é talvez a mais importante em um relatório A3. O autor desenha um diagrama que mostra como o sistema que produziu o problema funciona atualmente. Os problemas são evidenciados no diagrama com clareza. O autor deve também quantificar a extensão do problema (ex; porcentagem de defeitos, horas de “downtime” etc.) e mostrar essas informações em gráficos ou numericamente em algum lugar na condição atual. Os diagramas devem ser desenhados com capricho e fácil de entender por qualquer pessoa com algum conhecimento. É útil possuir alguns ícones padrão para diferentes atividades.
As informações para desenvolver o diagrama da condição atual são coletadas através de observações diretas. Aprofundar e entender detalhadamente o processo real e a maneira que ele é realizado, ao invés de pensar como deveria ser feito ou como alguém diz que é realizado, é absolutamente crítico. Os trabalhadores e supervisores podem descobrir com freqüência como o processo funciona geralmente, ou como ele deveria funcionar, mas desvios gerais como esse ou conceitos hipotéticos quase sempre prejudicam a definição do problema. Então, observações diretas são necessárias. A informação para descrever a extensão do problema também deve ser uma informação real, talvez possa ser coletado em um caderno de registro se necessário, e não de estimativas ou “chutes”.
São vários os propósitos de se colocar os problemas em um diagrama e quantificá-los. Primeiro, a ação de desenhar o diagrama proporciona um entendimento mais profundo ajudando a organizar o conhecimento e aprender através da observação. Segundo, o diagrama comunica rapidamente e eficazmente as necessidades para os demais. O gráfico pode conter muita informação, e os leitores podem entendê-la rapidamente por causa da representação visual. Terceiro, ao fazer o diagrama do sistema, os esforços para a solução de problemas estão focalizados no sistema ao invés das pessoas. Isso resulta em uma maior objetividade e uma postura menos defensiva ou de busca de culpados para as causas dos problemas. Nossa experiência é de que os esforços para a solução de problemas na implementação têm fracassado, pois os autores do A3 não entenderam suficientemente as condições atuais. Raramente há fracassos devidos à incompetência ou falta de criatividade.
2.3. Análise da causa raiz
Na medida em que o autor entende a condição atual e seu significado profundamente, está claro que ele começa a entender a causa raiz dos sintomas dos problemas, mostrados através de “ícones específicos (nuvem)” no diagrama da condição inicial. Falhar em identificar a causa raiz dos problemas significa que ele irá retornar. Uma técnica comum para analisar a causa raiz dos problemas é método dos “5 porquês”. Basta perguntar cinco vezes seguido porquê para um problema. Experiências mostram que parar no segundo ou terceiro porquê normalmente significa que o questionamento não foi fundo o suficiente. Um guia possível é se o questionamento tocou pelo menos um dos três princípios do projeto de sistemas organizacionais. 1) O trabalho foi especificado de acordo com conteúdo, seqüência, tempo e resultado? 2) As conexões entre as áreas são claras, diretas e imediatamente compreendidas? 3) As rotas realizadas pelos produtos/serviços são simples, diretos e ininterruptos e todas as etapas agregam valor? Spear e Bowen em seus extensos estudos identificaram esses princípios como sendo o DNA do Sistema Toyota de Produção. Não encontramos ainda um sistema falho que não viola ao menos um desses princípios. Então, para guiar o questionamento dos “5 porquês”, o solucionador dos problemas deve considerar se as atividades, conexões ou rotas estão na raiz do problema.
2.4. Condição alvo
Agora que o solucionador de problemas têm um entendimento de como o trabalho é feito e tem um bom entendimento da causa raiz dos problemas do sistema, ele está pronto para considerar como o sistema deveria ser melhorado. A Toyota chama as melhorias de contramedidas (ao invés da ambígua “solução”) porque isso implica que: a) estamos enfrentando um problema específico e b) é o que nós iremos utilizar agora até encontrarmos uma contramedida ainda melhor. As contramedidas vão até a causa raiz e se ajustam aos três princípios. A idéia é levar a organização a um estado ideal que só faz exatamente o que o cliente necessita, com segurança, quando necessário, na quantidade necessária e sem desperdício.
Com as contramedidas em mente, o autor desenha um diagrama da condição alvo, o diagrama de como o sistema irá funcionar com as contramedidas colocadas. As contramedidas podem ser anotadas no diagrama com “nuvens” (para destacar) ou separadamente. Assim como o estado atual, o diagrama da condição alvo ou futura deve ser bem claro para todos que leiam o A3.
2.5. Plano de implementação
O plano de implementação esboça os passos que devem ser completados para se atingir o estado futuro. O autor lista os passos, quando devem ser feitos e quem será o responsável. Desde de que a implementação é uma atividade, ela deve estar de acordo com o principio da atividade (i.e., especificar o conteúdo, seqüência, tempo e resultado).
2.6. Indicadores
Como a organização saberá que o novo sistema é melhor que o anterior? Os indicadores mostram como e quando o autor irá medir as melhorias do sistema ou os resultados de um teste específico. Deve incluir uma previsão realista e quantificada de como será a performance do novo sistema (e.g., X% decréscimo nos defeitos, tempo de giro reduzido em Y minutos). A previsão deve ser a mais precisa possível, baseada no profundo entendimento do autor no trabalho e nas contramedidas planejadas. Não pode ser um tiro no escuro ou um irreal caso ideal. Por exemplo, enquanto idealmente gostaríamos de ver zero defeitos, as contramedidas irão alcançar realmente zero defeitos? Se não, quantos defeitos podem esperar com o novo sistema?
2.7. Relatório dos resultados
Essa sessão é uma adaptação do relatório A3 da Toyota. Os solucionadores de problema da Toyota esboçaram um A3 especial de acompanhamento dos resultados. É um pouco extenso, incluindo uma lista de defeitos e planos para identificá-los. Decidimos incorporar o relatório de resultados em A3 original para simplificar o sistema Relatório A3 e melhorar a sua aceitabilidade. Então nós deixamos espaço no final do A3 para colocar os resultados atuais em comparação as previsões. Se o novo sistema ainda tem problemas, então um novo relatório A3 pode ser gerado.
A etapa de demonstrar os resultados é absolutamente critica para maximizar a aprendizagem através da organização. A Toyota doutrina suas pessoas com a sua própria versão do método – cada melhoria é designada como um experimento. O processo A3 de solução de problemas é a estrutura para a implementação do método científico. A condição inicial e a causa raiz constituem o conhecimento anterior necessário, a condição alvo e o plano de implementação são o design experimental, e o plano de implementação as hipóteses. Por fim, a seção de relatório de resultados é criticamente importante para a avaliação do suporte dado às hipóteses. Se sim, confirmamos o nosso entendimento e continuamos para o próximo problema. Se não, sabemos que o nosso entendimento atual do trabalho é incorreto ou insuficiente e uma experiência adicional do trabalho é necessária. Se falharmos em estabelecer as hipóteses, ou se falharmos para medir os resultados, não teremos testado realmente o nosso entendimento, como Lord Kevin disse, nosso conhecimento será escasso e classificado como insatisfatório.
3. Benefícios/ Por que funciona
Aplicamos a ferramenta A3 com sucesso em milhares de problemas. Estamos aptos a solucionar problemas que não foram resolvidos com outros métodos de solução de problemas. Acreditamos que o sucesso vindo do uso do relatório A3 se deve por diversos fatores. Primeiro, diferente dos outros enfoques, o método A3 demanda a documentação de como o trabalho realmente acontece. A melhor (e provavelmente com maior credibilidade) maneira para se documentar o trabalho atual é observá-lo em primeira mão. Recriar o processo da memória em uma sala de reuniões distante de onde o trabalho acontece irá resultar em informações incorretas e generalizações excessivas. Quase sempre, são as aberrações e os pequenos detalhes negligenciados no local de trabalho que causam as ineficiências ou questões de qualidade.
Segundo, o relatório A3 permite que as pessoas nos locais de trabalho possam contribuir para a solução de problemas ao invés de apenas trabalhar ao redor dele. O relatório A3 não requer horas de treinamento especializado. Eles podem ser rascunhados com lápis e papel, logo os solucionadores de problemas não precisam acessar um computador. Isso permite que o solucionador de problemas fique o mais próximo possível do local de trabalho para que o reparo seja imediato. A Toyota não faz distinção das pessoas que fazem o trabalho e das pessoas que resolvem os problemas. O trabalho de todos é resolver problemas e melhorar.
Terceiro, a natureza visual dos ícones e diagramas criam uma representação mais próxima dos sistemas reais comparados com outras representações tais como fluxogramas. Dessa maneira, os autores estão aptos a verem seus problemas com maior clareza e os leitores enxergam o sistema com maior facilidade. Além disso, esses diagramas servem como um limite objetivo entre indivíduos e as unidades da empresa. Tendo um artefato físico que ambos os lados podem literalmente apontar e discutir facilita a comunicação e o compartilhamento do conhecimento.
Finalmente, o relatório A3 representa uma forma de solução de problemas, desde a análise até a geração de soluções, e chegando ao planejamento da implementação e acompanhamento. E ainda é sucinto – duas folhas de tamanho A4. A combinação é poderosa. Mais, a documentação da melhoria do processo e acompanhamento de resultados permitem o aprendizado da empresa ao mesmo tempo em que os objetivos de melhoria são atingidos. Em outras palavras, a documentação é uma parte necessária do processo, não uma responsabilidade adicional para ser completada apressadamente depois do acontecimento (geralmente muito depois!).
4. Conclusões
O relatório A3 de solução de problemas, adaptado da Toyota, é uma ferramenta com muito potencial de utilidade para organização. Ele simultaneamente documenta os resultados chave dos esforços de soluções de problemas de maneira concisa e incorpora uma completa metodologia de solução de problemas que começa com um profundo entendimento de como o trabalho realmente é feito. Quando implementado apropriadamente, esta abordagem pressiona a organização em direção a uma visão sistêmica ao invés de uma otimização pontual na medida em que o autor/solucionador de problemas busca informações e, em última instância, o consenso de todas as partes afetadas pela mudança proposta. Considerando os vários tipos de sistemas possíveis, o solucionador de problemas tenta propor contramedidas que ajudam a empresa a caminhar cada vez mais perto do seu ideal.
Enquanto o relatório A3 pode ser uma ferramenta importante para promoção de rápida e eficaz melhoria do processo, não é uma varinha de condão. Implementar a ferramenta requer esforços conscientes e numerosos obstáculos precisam ser ultrapassados. Talvez a questão mais comum que temos encontrado é encontrar tempo para se fazer a solução de problemas. Uma possível contramedida para esse problema é promover suporte extra temporário para realizar o processo A3. Na medida em que os problemas são encontrados e resolvidos e os processos organizados, o tempo antes gasto com atividades desnecessárias (desperdícios) são liberados para a solução de problemas. Depois, o apoio extra pode ser desviado para outras unidades da organização.
* Resumido do original publicado no site do LEI (www.lean.org)