GERAL

O que eu aprendi fazendo coaching no gemba virtual

Mark Reich

Minha vida de trabalho habitual com o LEI sempre me coloca na estrada para visitar o gemba de várias organizações. Entretanto, a pandemia me faz ficar em casa, como muitos de vocês provavelmente estão também. Essa distanciamento do gemba me deu a chance de refletir sobre como exercer meu papel de coach virtualmente e, em um nível mais profundo, o verdadeiro valor e propósito do genchi gembutsu. Reflito sobre muitas das coisas que Akio Toyoda, CEO da Toyota Motor Corporation, compartilhou numa recente reunião com os acionistas da Toyota (John Shook e Jeff Liker escreveram um excelente artigo sobre isso). 

Como parte das minhas responsabilidades atuais no LEI, dou apoio a uma empresa de software que quer construir suas centrais de dados mais rapidamente, e isso significa eliminar muitos desperdícios do processo. Passamos um tempo em San Antonio, Chicago e Phoenix estudando o posicionamento de terminações elétricas, a instalação de hardwares para os servidores atuais e outras áreas. Meu papel de coach tem sido desenvolvê-los para observar e melhorar esse trabalho. 

Então a Covid-19 interrompeu esse processo, e eu tive que repensar como ensinar alguém com quem não posso mais estar no campo. 

Nos últimos dois meses, continuamos nosso coaching no gemba de forma virtual. Muitos membros da equipe ainda estão trabalhando presencialmente — pessoas corajosas que trabalham na linha de frente e agregam valor todos os dias (vemos outros colaboradores essenciais agora em nossos mercados, nossas instituições de saúde ou parando para recolher nosso lixo). 

Entretanto, não sendo capaz de estar presencialmente no local, projetamos um currículo e materiais relacionados que podem ajudá-los sem que eu tenha que estar presencialmente no local com eles. Aqui está um exemplo da estrutura que estamos usando para ensinar sobre observações de trabalho e trabalho padronizado: 

Observações de trabalho:

1. Características e conteúdo de trabalho. 

  • 3Ms e valor, desperdícios e trabalho incidental.

2. Construindo o trabalho de rotina e o estudo do tempo. 

  • Trabalho anormal, periódico e cíclico. 
  • Sequenciamento do trabalho. 

3. Divisão do trabalho. 

4. Instruções de trabalho. 

Trabalho padronizado: 

  1. Introdução ao trabalho padronizado.
  2. Aplicação do trabalho padronizado na construção. 

Para cada um desses ciclos, repetimos um processo básico em cinco etapas, como segue: 

  1. Introduzir o conceito e seu propósito. Nesse caso, como e por que observamos o trabalho dessa forma? 
  2. Mostrar um vídeo de alguém trabalhando. Usamos um exemplo da manufatura mesmo com nosso público sendo da construção porque a indústria não é importante em um primeiro momento — estamos ensinando conceitos. 
  3. Pedir aos participantes que forneçam feedback estruturado sobre o vídeo. O que eles enxergaram? 
  4. Pedir que eles vão e observem sua área/local de trabalho, filmem e escrevam os pontos de observação fundamentais que ele viram. 
  5. Trazer suas observações de volta para uma revisão conosco, seus coaches. 

É uma estrutura direta que incorpora o ensino, a autoaprendizagem e o coaching estruturado. 

Compartilhando o que aprendi

Ao ser forçado a redesenhar a forma como faço coaching, percebi que não apenas POSSO fazer o trabalho virtualmente, mas que fazer isso pode, às vezes, ser mais efetivo. Quando faço coaching presencialmente, as pessoas mentoradas normalmente se tornam dependentes de que eu chegue à sua porta antes que a aprendizagem comece. Essa dependência inibe sua aprendizagem. 

Além disso, minha experiência me faz pensar que os comentários do Toyoda na reunião com acionistas tinha o objetivo de explicar o que ele aprendeu ao repensar a prática do genchi gembutsu — que ele tem a ver tanto com o desenvolvimento humano quanto com encontrar os desperdícios no processo observado. Se você está familiarizado com a Toyota, você sabe que o desenvolvimento de pessoas é central para sua filosofia de liderança. 

Genchi gembutsu não é um termo fácil de traduzir do japonês para o inglês (ou português), mas ele significa fundamentalmente “no local com as coisas reais”. Na Toyota, trabalhei para Teruyuki Minoura, um antigo CEO da Toyota North America e um aluno de Taiichi Ohno, o fundador do Sistema Toyota de Produção (STP). Minoura me disse em certo ponto que conceito de genchi genbutsu representa a verdadeira singularidade da Toyota enquanto empresa e a contribuição do STP para o mundo. Uma afirmação ambiciosa. 

Perguntei “por quê?”. Ele disse com franqueza que muitas empresas aderem a outros aspectos do Modelo Toyota, como “respeito” e “trabalho em equipe”, então a Toyota não pode assumir esses aspectos como elementos culturais singulares. Entetanto, a Toyota faz o respeito e o trabalho em equipe ganhar vida através da ideia de “chão de fábrica em primeiro lugar” — que a pessoa na linha de frente é a que agrega valor, então devemos usar genchi genbutsu para entender esse valor. 

Claro, Minoura aprendeu isso com Ohno, que ficou famoso por seu Círculo de Ohno, de muitas formas, a incorporação original do genchi genbutsu

Que gênio Ohno era! É uma coisa tão simples — desenhar um círculo no chão de fábrica e dizer para alguém ficar dentro dele e observar o trabalho. Por que Ohno fez isso (seu propósito) e por que era efetivo? Tive essa experiência muitas vezes durante minha carreira, principalmente quando trabalhei no Centro de Apoio ao Sistema Toyota de Produção (TSSC — do inglês, Toyota Production System Support Center), onde introduzíamos a prática e ajudávamos a mudar o gemba de muitas empresas. 

O círculo de Ohno é uma ferramenta para desenvolver pessoas — pura e simplesmente. A ideia básica é observar o operador e entender os desafios do trabalho. Mas é muito mais que isso. Meus chefes (com base no que aprenderam com Ohno) apenas me pediam para “ficar aqui e observar a operação”. Eu não recebia “instruções” sobre como observar, quanto tempo observar ou o que eu deveria tentar descobrir. 

Quando meu mentor voltava após algumas horas em que eu tinha ficado sozinho observando, ele me perguntava o que eu tinha visto. Eu compartilhava com ele, e ele dizia: “continue assistindo”. Era isso. Então, ficar no Círculo de Ohno se tornou um método para não apenas completar uma tarefa, mas, na verdade, para abrir minha mente ao valor do trabalho e aos muitos desafios que os membros da equipe enfrentavam toda hora. A ideia central é que esse aprendizado vem através de uma observação paciente, focada e reflexiva. Muito zen de várias formas. 

Então esse parece ser o ponto do Toyoda: se você está dentro da Toyota ou aprendendo lean em outro lugar, todos nós caímos nos padrões de simplesmente fazer os movimentos — praticamos o genchi gembutsu porque o lean nos diz para fazer isso. Mas, para aprendermos com uma prática lean, precisamos entender claramente o propósito do que estamos fazendo. Na reunião, Toyoda estava lembrando a todos da necessidade de esclarecer esse propósito. Ele não estava dizendo que iria parar — ou que nós devemos parar — de ir ao gemba

Agora, vamos voltar à minha nova forma de fazer coahcing na empresa de softwares. Ao causar distanciamento forçado, a pandemia me lembrou do propósito do genchi genbutsu e, de muitas formas, ajudou-me a elevar minha abordagem ao coaching. Mais importante, aprendi que não tem problema — talvez seja até melhor — que as pessoas a quem estou mentorando tenham que ficar num círculo sozinhas para estudar o trabalho. A partir disso, como Toyoda e outros líderes lean nos ensinaram e continuam nos lembrando, elas aprenderam muito. 

Existe um famoso provérbio chinês: “das profundezas do infortúnio surge a felicidade”. Espero que a crise atual possa fazer com que todos nós enxerguemos o trabalho de criação de valor mais claramente e apreciemos sua importância. 

Publicado em 26/06/2020

Autor

Mark Reich
Lean Enterprise Institute, EUA

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