GERAL

Keep calm e gerencie com estabilidade: Akio Toyoda sobre crises

Jeffrey K. Liker e John Shook
A Conferência de Imprensa de Akio Toyoda em 12 de maio para apresentação dos resultados financeiros da Toyota nos trouxe valiosos insights sobre como a empresa está reagindo à pandemia, é o que diz Jeff Liker e John Shook.

Quando lemos o artigo Lockdown Leads Toyota Chief to Question Core Tenet for Carmaker (publicado em inglês no Bloomberg em 13 de maio), nós ficamos surpresos e até um pouco preocupado. Questionar as “práticas enraizadas” é uma coisa boa, mas isso pode levar facilmente a uma interpretação equivocada — e esse certamente foi o caso. O princípio central em questão era o genchi genbutsu, um dos cinco princípios fundamentais do Modelo Toyota (Toyota Way). Então, lemos as palavras de Akio Toyoda e não demoramos para perceber que ele estava falando sobre algo muito mais profundo do que foi reportado nos artigos que vimos. Na verdade, a forma como o presidente da Toyota respondeu as perguntas dos jornalistas e dos analistas de mercado refletia os princípios centrais do Modelo Toyota e do pensamento lean. 

O STP normalmente é mal compreendido. Por exemplo, o just in time normalmente leva a culpa pelas quebras nas cadeias de suprimento, mas o fato é que as longas cadeias de suprimento de reação lenta que temos atualmente ao redor do mundo são o oposto do JIT. De forma similar, vemos iniciativas de corte de custos lideradas por consultores sendo chamadas de “programas lean” repetidas vezes. Parece que existe um apelo a jogar fora os princípios, os métodos ou as pessoas antigas e trazer os novos. É por isso que decidimos compartilhar a nossa interpretação. 

Não ficamos surpresos pelo desafio com o desafio de Akio Toyoda de repensar as práticas, mas pela paixão e pela franqueza demonstrada em público, trazendo à tona o clássico pensamento da Toyota em meio à atual pandemia. 

A ocasião era a conferência de imprensa de 12 de maio em Tóquio, onde a Toyota estava apresentando seus resultados financeiros para o ano que se encerrava no dia 31 de março de 2020. Essas apresentações anuais são assuntos extremamente entediantes (um fato que John pode atestar a partir de sua dolorosa experiência). As apresentações deste ano foram bem interessante — e revelaram um pior desempenho financeiro ano a ano. A apresentação formal foi seguida por uma sessão de perguntas na qual os jornalistas fizeram algumas perguntas interessantes para as quais Akio deu algumas respostas notavelmente honestas e reflexivas. 

Revisitando o genchi genbutsu  e o gemba

Genchi genbutsu significa “o local real”, “a coisa real”. A ideia de ir ao gemba é comum na linguagem lean, mas o significado mais profundo é estudar em primeira mão o que está acontecendo para entender completamente a situação e por que as coisas estão como estão e as causas de quaisquer problemas ou necessidades de melhorias ou inovações contínuas. Por exemplo, se um defeito é criado em uma máquina, vá até a máquina e estude sua condição e investigue a peça real que falhou. O pessoal da Toyota e os praticantes lean em todo lugar certamente têm uma forte tendência a estar fisicamente presente, como no círculo de Ohno, mas o processo de como você consegue os fatos e entende a situação é secundário. O princípio é confirmar o que está realmente acontecendo. O significado nunca foi que o CEO da empresa deve literalmente ir a cada gemba toda vez que algo der errado ou para confirmar os resultados de cada tentativa de melhoria. O mesmo pode ser dito sobre os cinco porquês. O ponto não é literalmente perguntar o porquê cinco vezes; o importante é perseguir o entendimento da causalidade e, em relação a entender a causalidade, use os meios mais simples possíveis, começando com os cinco porquês. Quando você precisar de mais do que simplesmente perguntar por que algumas vezes, essa é a hora de buscar ferramentas analíticas mais sofisticadas em sua caixa de ferramentas (CEP ou seis sigma, por exemplo). 

Como está acontecendo com todos nós, com a Covid-19, Akio Toyoda foi forçado a se comunicar e “ir ver” muito mais por meios virtuais, levando a uma aprendizagem pessoal que ele compartilhou durante a sessão de perguntas. Tradicionalmente, no Japão, a comunicação face a face é considerada respeitosa, e todos nós sabemos que, falando de forma prática, ela fornece um melhor acesso a sinais não verbais. Mas Akio compartilhou que ele descobriu alguns benefícios das reuniões virtuais: ao ficar em Toyota City, “reduzi em 80% meu tempo de viagem, em 85% o número de pessoas com quem me reúno, em 30% o tempo gasto em reuniões e em 50% os documentos que são preparados para as reuniões”. 

Esses comentários são pouco surpreendentes: Akio Toyoda vem colocando a Toyota na nova era do CASE — em que os carros são Conectados, Autônomos, Compartilhados (do inglês, Shared) e Elétricos — e utilizando de forma mais robusta as ferramentas digitais. Mas ele ainda foi além, reconhecendo que ainda existe um valor indispensável em ir ao local real — um princípio central de todo o trabalho na Toyota. Quando foi perguntado sobre o que ele queria proteger nestes tempos de transformações que acontecem raramente na indústria de mobilidade, onde há uma mudança radical, ele respondeu: 

“Nós temos um ‘genba’ ou linha de frente onde o trabalho é feito. Esse genba é real, e o que fomos capazes de cultivar em nosso genba nesses muitos anos é algo que nenhuma transformação digital ou sistema de teletrabalho, independente de quão avançados eles forem poderão substituir no mundo real. É no mundo real que as pessoas têm trabalho a fazer, fazendo o trabalho que só as pessoas conseguem, e é onde o pessoal da Toyota, que é capazes de fazer kaizens ou melhorias, é treinado. Com essa habilidade para melhorar, gostaria de tornar a Toyota uma empresa na qual todas as pessoas possam ter altas expectativas para o futuro”. 

Mas a pergunta fica — quando podemos usar os meios virtuais e quando ainda é necessário e vale o esforço ir literalmente ao gemba? Aqui, Akio estava cauteloso, indicando que ele queria fazer com que a cultura fosse mais aberta a outras abordagens para entender as condições atuais e esclarecer o que genchi genbutsu significa nestas novas condições perguntando por quê. Ele disse: 

“Para filosofia da Toyota de ‘genchi genbutsu’, indo ao local real e olhando para os bens reais, acredito que temos que fazer uma definição clara dele mais uma vez. Até agora, colocamos importância em, acima de tudo, ir ao local real, ir ao ‘genchi’, e isso era feito rotineiramente. Mesmo se olharmos para os produtos, sempre teremos que olhar para o produto real e colocá-lo na frente de nossos próprios olhos. Ninguém questionava esta filosofia até agora. Mas neste último mês, estivemos olhando para os produtos através de imagens em monitores. Acredito que, em certas etapas, não tem problema ver o produto no monitor, mas sempre haverá momentos em que você terá que ver o produto real. Algumas coisas só podem ser sentidas quando você está no ‘genba’. Então, para quando você precisa sentir os produtos reais, as pessoas reais, você deve fazer isso no local real. Acredito que não devemos simplesmente fazer ‘genchi genbutsu’ em todo lugar, mas precisamos esclarecer sob quais condições é necessário realmente ir ver”. 

Longe de negar o valor do genchi genbutsu, Akio estava afirmando seu valor mesmo nas condições de hoje, enquanto questionava os meios pelos quais ele é mais efetivamente realizado. Tal questionamento representa um pensamento clássico quanto à inovação na Toyota — comece pela necessidade. 

Pensamento no longo prazo, investimento no longo prazo

Os dados financeiros apresentados revelaram uma previsão de redução em 80% nos lucros. Muitas empresas estão passando por quedas semelhantes com muitas entrando em crise, demitindo as partes culpadas, fazendo demissões em massa e não fazendo os investimentos planejados. Akio e sua equipe apresentaram essa informação sem nenhuma paixão — os fatos são fatos. Considerando a pandemia, é compreensível que os lucros sejam reduzidos, mas há um motivo mais profundo para isso não ser uma crise tão grande na situação da Toyota. Tem a ver com a forma como a companhia enxerga o dinheiro. A ideia básica é: economize para um dia de chuva e não dependa de grandes empréstimos de outras instituições que possam tentar controlar as decisões.

No final de 2019, a Toyota tinha mais de 50 bilhões de dólares em dinheiro ou equivalentes, o maior número em sua história. A empresa tinha feito lucros recorde para a indústria automotiva como um todo de quase ou acima de 20 bilhões de dólares por ano por cinco anos consecutivos. De forma cumulativa, desde que Jeff publicou “O Modelo Toyota”, a Toyota teve uma receita de aproximadamente 180 bilhões de dólares, mais do que a GM, a Ford, a Volkswagen e a Honda juntas. Ela sofreu perdas financeiras anuais apenas duas vezes em toda sua história de 80 anos. Um “ano ruim” em termos de receita — digamos, apenas 5 bilhões de dólares — tem danos mínimos para sua saúde financeira. É uma situação a ser levado a sério e enfrentada com honestidade, mas não há motivo para pânico, infligindo ondas desnecessárias de turbulência em toda a empresa. 

Em segundo lugar, o pensamento no longo prazo sempre moldou o propósito da Toyota, que começa com o compromisso de contribuir positivamente para a sociedade, beneficiar os clientes, os colaboradores e as empresas associadas. Fazer tudo isso requer desenvolver a capacidade de criar valor suficiente a um custo suficientemente baixo para gerar retorno suficiente para se tornar rentável, mas o lucro não é o propósito. Um jornalista observou que, apesar dos lucros mais baixos, o orçamento do setor de pesquisa e desenvolvimento não sofreu cortes, para o qual Akio e sua equipe responderam: 

“Estamos agora transformando a Toyota em uma nova Toyota. Começamos a plantar as sementes que colheremos com a nova Toyota. Para esses tipos de novos projetos, continuaremos com o pé no acelerador”. 

O diretor de gerenciamento de riscos da Toyota, Koji Kobayashi, adicionou: 

“Não podemos parar nossos investimentos para o futuro. Essa é uma das coisas que você tem que continuar fazendo sempre, e ela tem que ser apoiada com um financiamento adequado. Na Grande Recessão, tínhamos três trilhões de ienes japoneses em mãos. Hoje, temos oito trilhões de ienes em mãos. Isso ainda né menor do que gostaríamos; a Apple, por exemplo, tem 20 trilhões de ienes. Todas as empresas enfrentam altos e baixos, claro, mas os gastos investindo no futuro serão necessários para financiar o crescimento contínuo e, ao mesmo tempo, garantir que continuaremos contribuindo para a sociedade. Você mencionou o projeto de Woven City e o investimento em pesquisa e desenvolvimento; o compromisso com esses tipos de investimento nunca mudará. Entretanto, fico de olho nos gastos. Se eu vejo qualquer gasto que seja desperdício, corto”. 

Tenha calma e reflita durante uma crise, não entre em pânico — gerencie com estabilidade

Quando perguntado sobre como seus aprendizados de crises anteriores estão contribuindo para lidar com a crise da Covid-19, Akio foi introspectivo: 

“A primeira coisa que aprendi e que estou priorizando em meus aprendizados é a não entrar em pânico. Estou gerenciando a empresa com eficiência e estabilidade. Ao gerenciar a empresa durante esses últimos dez anos, nenhum ano foi pacífico. Todo ano, ano após ano, testemunhamos e experimentamos uma grande e drástica mudança na escala de um evento secular. Então, acredito que, quanto mais calmo eu ficar, mais calmas as coisas serão dentro da empresa”. 

Sempre haverá uma “próxima crise” — apenas não sabemos o que ele será e quando ela aparecerá. É reconhecendo isso que Akio enfatiza a importância de gerenciar com estabilidade, sem entrar em pânico, mesmo quando novas abordagens são necessárias e a inovação é mais exigida do que nunca. Essa conexão entre o yin e o yang da estabilidade e da inovação é uma fonte vital da força duradoura da Toyota. 

Akio continuou, compartilhando seu sentimento de que ele não foi bem aceito quando se tornou presidente — “quase ninguém de dentro ou de fora da empresa parecia estar muito feliz com o fato de que eu tinha me tornado presidente”. Mas, ao longo de dez anos liderando o percurso por estas crises, ele foi aceito. Ele se recordou de ter se tornado presidente em meio à Grande Recessão, quando a Toyota estava experimentando uma perda financeira anual pela primeira vez em 50 anos. Na sequência, veio a crise de recall, o terremoto no Japão, o desastre da usina nuclear de Fukushima e a pior enchente na história da Tailândia (que atrapalhou não apenas a produção de veículos na Tailândia, mas também o fornecimento de muitas peças e materiais para o Japão). Frente a cada uma dessas ameaças, a Toyota ainda era rentável. Em vez de expressar desolação sobre o ceticismo inicial quando foi nomeado presidente, Akio mostrou gratidão aos indivíduos que deram a ele uma chance e ajudaram a levar a empresa de volta a uma boa posição: 

“Especialmente agora, quando encontro esses colaboradores, sinto que estou tendo uma oportunidade de dizer ‘obrigado’ a eles. Acho que a empresa está bem estável agora, sem pânico. Estamos lutando e podemos fazer investimentos para o futuro. Podemos continuar investindo em pesquisa e desenvolvimento avançado. Temos uma boa comunicação interna que nos permite dizer obrigado uns aos outros dentro da empresa. Então, mostrar apreciação ao outro dentro da empresa significa que as pessoas estão trabalhando não só para elas mesmas, mas principalmente para os outros. Isso não deve mudar de jeito nenhum”. 

Quando perguntado sobre as atuais prioridades da empresa, Akio conectou a crise da Covid-19 com a transformação secular da indústria automotiva, invocando os valores centrais que a empresa defende há muito tempo: 

“Quanto à crise imediata, as prioridades são as mesmas que sempre tivemos na Toyota: segurança em primeiro lugar, qualidade em segundo lugar, volume em terceiro lugar e lucros em quarto lugar. Conforme os tempos mudam, essas prioridade podem precisar ser revistas. Mas, em meio a esta crise, nossa priorização tradicional continua sendo muito importante. E, com base nessas prioridades, tentaremos desenvolver o pessoal da Toyota, e isso é muito importante”. 

Quando perguntado diretamente sobre qual é o maior desafio da Toyota hoje, Akio encerrou a sessão retornando a seu desejo de simplesmente dizer “obrigado” mais vezes: 

“Ano passado, disse que a ameaça para a Toyota era pensar que a Toyota estava bem. Quanto a esta nova ameaça (Covid-19), eu diria que é… bem, talvez mais temer a ameaça; falando de mim mesmo, estou me mantendo muito calmo. Vejo muitas pessoas na empresa dando seu máximo. Isso me dá muitas gratas oportunidades de dizer obrigado às pessoas ao meu redor. [...] Quando a oportunidade para dizer obrigado começar a desaparecer e quando eu começar a reclamar para mim mesmo mais do que faço agora, passarei a enxergar mais ameaças. Então, incluindo a forma como trabalho, quero construir relacionamento mais fortes dentro da empresa e fortalecer os relacionamentos com nossos fornecedores e nossas concessionárias. Ainda, quero continuar construindo os relacionamentos que temos com nossas comunidades, para que eu possa dizer obrigado a todos esses amigos e parceiros. [...] Então, em vez de temer a ameaça, quero reforçar as expectativas positivas que tenho”. 

Então, reconhecendo que agradecer inspira a humildade para quem agradece e a motivação para quem é agradecido, como principal prioridade ao navegar pela crise da Covid-19, Akio cita “a frequência de dizer obrigado”! Quantos painéis executivos você acha que poderiam mostrar isso como um indicador da função e da saúde da empresa? 

Nossas considerações 

Nos comentários de Akio, é fácil enxergar a evidência do pensamento, dos princípios e das práticas que têm guiado a Toyota pelas décadas de sucesso: pratique genchi genbutsu com flexibilidade; não entre em pânico, mantenha a calma, gerencie com estabilidade (poderíamos fazer uma camiseta — “keep calm e gerencie com estabilidade”) e continue investindo no longo prazo; seja grato, seja humilde, mostre sua apreciação — continue a desenvolver e depender das pessoas. 

É incomum que comentários da sessão de reportagem dos resultados financeiros em Tóquio sejam tão interessantes a pessoas além dos analistas e investidores. É extraordinário ouvir uma troca de conversa tão reflexiva, cheia de franqueza e que revele um líder falando com confiança enquanto expõe a vulnerabilidade humana ao mesmo tempo. 

Será interessante, de fato, observar as interpretações dos comentários de Akio conforme eles continuam se disseminando pelo mundo. Também será instrutivo ver como eles impactam dentro da Toyota. Os pensadores lean sempre olharam para a Toyota como um modelo de referência. Nenhuma empresa pode ser a Toyota — tentar simplesmente incorporar os métodos técnicos da Toyota fora de contexto continua atrapalhando as tentativas de transformação organizacional em todo setor. Mas as lições aprendidas ao estudar a empresa continuam se aplicando hoje. Para nós, os comentários de Akio Toyoda reafirmaram a natureza notável da empresa, deixando-nos confiantes de que a Toyota continuará servindo como inspiração, mesmo que o mundo continue mudando de formas imprevisíveis. 

Observação: A foto foi tirada da redação da Toyota e foi aprovada para uso editorial. 

Publicado em 29/05/2020

Autores

Jeffrey K. Liker
Professor de Engenharia Industrial e de Operações na Universidade de Michigan, proprietário da Liker Lean Advisors, LLC, associado da Toyota Way Academy e do Lean Leadership Institute.
John Shook
Senior Advisor do Lean Enterprise Institute

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