CONSTRUÇÃO

Garantindo prazos com o planejamento e controle lean: Caso Alphaville

Gualter Afonso Jr., Walter Antônio Nogueira Jr. e Renato Mariz

Em um cenário de obras de loteamento, os requisitos prazo e orçamento são sempre um grande desafio, ainda mais quando combinado com qualidade final do produto e o cumprimento de itens de segurança nos processos executivos. Neste caso, você verá como o planejamento e controle lean podem garantir entregas dentro do prazo cumprindo todos os requisitos pré-determinados para uma obra de loteamento no Ceará.

1. Desafio

Você já se imaginou em um grande desafio no qual tivesse que executar 57% do cronograma físico da obra em 34% do prazo restante (6 meses) dentro do orçamento planejado? Agora imagine que, além dessa grande provocação, você ainda tenha que lidar com um problema de alto volume de chuva não previsto em seu plano inicial.

Esse era o cenário da obra Alpha 3 Ceará (Eusébio-CE), que possuía 581 lotes residenciais em uma área de 552.621,01 m2, realizada pela Alphaville Urbanismo — uma empresa que possui mais de 40 anos de experiência com atuação em quase todos os estados do Brasil e é considerada líder de mercado no setor de loteamentos.

Nesse contexto, a Alphaville resolveu investir em algo que pudesse auxiliar a resolver esse desafio. Então surgiu o projeto piloto de aplicação do lean thinking na obra da Alpha 3.

Obra Alpha 3 em julho de 2019

2. Capacitação e Fluxo Contínuo no Planejamento Macro1

A capacitação foi o primeiro passo para início do projeto e foram envolvidos empreiteiros, gestores de quatro obras, coordenadores, superintendentes e diretoria, além de colaboradores de áreas auxiliares, como planejamento, projetos e qualidade. Um treinamento de dois dias foi realizado com conceitos lean básicos e simulações práticas com intuito de qualificar a equipe para o projeto lean.

Capacitação com a equipe da Alphaville

A partir de uma análise no cronograma da obra, identificou-se um conceito de planejamento macro em Gantt sem foco no fluxo contínuo das atividades. Esse fato refletia um pouco do que foi visto no campo, com uma grande quantidade de drenagem feita, enquanto outros serviços subsequentes ainda não tinham sido iniciados. Além disso, os serviços avançavam conforme algumas frentes eram liberadas em diversos locais espalhados ao longo da obra, o que algumas vezes causava quebra de fluxo e falta de terminalidade.

Com base nessa reflexão, elaborou-se um planejamento macro com base nos conceitos lean utilizando o seguinte framework.

Framework para planejamento macro adotado pela Alphaville

 

Os principais conceitos aplicados no planejamento macro com auxílio da técnica de linha de balanço2 foram:

  • Divisão do ataque da obra em lotes menores (setores).

  • Fluxo contínuo entre os lotes.

  • Definição de sequenciamento.

  • Mudança no processo construtivo (os postes precisariam ser instalados antes das guias devido ao prazo de aprovação da vistoria da concessionária de energia local).

  • Detalhamento e balanceamento das equipes.

  • Gestão visual para auxiliar no planejamento e controle.

Nesta etapa, a equipe percebeu que essa nova definição auxiliaria tanto a gerência da obra quanto os empreiteiros a entenderem melhor o plano de ataque e o dimensionamento das equipes.

3. Solução de problemas por meio das rotinas de gestão (restrições3, planejamento semanal e gerenciamento diário)

        a) Restrições

A obra possuía a rotina de uma reunião semanal com os empreiteiros para controle dos prazos. Os problemas eram solucionados durante o dia, porém a preparação para o início dos serviços não era sistematizada, e, por isso, adotou-se a rotina de identificação e remoção de restrições. A equipe da obra montou um quadro visual adotando os Post-its por cores (empreiteiros) em um cronograma.

Incorporou-se na rotina a checagem e a remoção das restrições, além do planejamento para as próximas etapas.

Gestão visual das restrições

        b) Planejamento semanal

Aperfeiçoou-se a rotina semanal com a introdução da gestão visual e o detalhamento das entregas diárias de serviços por empreiteiros e dos locais que iriam ocorrer. Nesta etapa, foi fundamental a identificação dos problemas e as tomadas de ações com intuito de solucioná-los rapidamente.

Inicialmente, a rotina estabelecida era composta por uma reunião semanal, que acontecia toda sexta à tarde, com intuito de identificar problemas recorrentes da semana anterior e elaborar contramedidas. Nessa reunião, eram repassadas também as restrições com intuito de verificar se teria algum impedimento para iniciar ou concluir algum serviço.

        c) Gerenciamento diário

Planejamento semanal

A resolução de problemas diários na obra não era sistematizada, e os controles eram semanais e mensais, de tal modo que a programação para o dia seguinte era feita no campo sem base em uma visão mais abrangente.

Implantou-se, então, o gerenciamento diário, que é rotina diária focada em resolução problemas. O gerenciamento diário foi iniciado na sala de engenharia, acontecendo todo dia às 18 horas com a participação do gestor da obra, da engenheira de campo e do supervisor da obra. Os problemas eram registrados e discutidos; também eram tomadas as ações para o dia seguinte.

Gerenciamento diário na engenharia

 

Após a verificação do benefício do estabelecimento de uma reunião diária na engenharia, o gerenciamento diário foi expandido para o campo, especificamente em serviços em que a responsabilidade executiva era da Alphaville (por exemplo, no serviço de terraplenagem).

Durante esse serviço, todo dia às sete horas era feita uma reunião de 15 minutos com a equipe produtiva, na qual se discutiam problemas ocorridos no dia anterior e também se alinhavam as frentes de serviços para iniciar as atividades do dia.

Os funcionários do campo passaram a auxiliar na resolução de problemas e dar algumas sugestões nas reuniões, além de saberem onde todas as frentes iriam atuar naquele dia.

Gerenciamento diário com a frente de terraplenagem

 

4. Estabilizando a produção e implementado melhorias no campo

Os problemas no campo antes da implementação lean eram resolvidos apagando incêndios. A equipe conseguia identificar alguns problemas e tomar algumas ações pontuais, porém sem uma análise mais detalhada, alguns desses problemas voltavam a aparecer. Era exatamente isso que estava acontecendo no serviço de execução das guias, que estava com dificuldades para alcançar a meta planejada (de 50 m³/dia). Portanto, elaborou-se um MFV (Mapa de Fluxo de Valor4) do estado atual para esse serviço com base em uma ida ao gemba (neste caso, o campo) com a equipe de planejamento, engenharia e o supervisor da obra.

 

Apresentação do MFV atual do serviço de guia e discussões de possíveis ações

 

A equipe discutiu sobre o mapeamento realizado, identificou alguns problemas e suas causas e propôs algumas ações:

 

A equipe implementou as ações no prazo de 10 dias, e a produtividade aumentou 25% como resultados das ações que foram efetivamente implantadas: a equipe conseguiu desenvolver mais dois galocheiros e foi dividida, sendo uma equipe responsável pela execução de  guia alta (quatro funcionários) e outra pela guia baixa (oito funcionários).

Nova equipe reduzida (forma de guia alta)

Comparativo da produtividade antes e depois das ações do MFV

5. Resultados gerais e reflexões

Ao final do projeto, a equipe do Alpha 3 Ceará ressaltou a importância da gestão visual proporcionada pelo planejamento macro e das rotinas de gestão. Tais práticas facilitaram a visualização e o entendimento de todos.

Uma reflexão importante foi que o lean ajudou a trazer soluções mais rápidas em alguns serviços, como guia, paisagismo e dreno.

Abaixo estão alguns dados dos resultados obtidos nesta obra:

  • Obra concluída no prazo previsto.
  • Economia de 5% em relação ao orçamento.
  • Maior andamento físico-financeiro mensal da história da companhia para esse porte de empreendimento.
  • Estabelecimento de parcerias ganha-ganha com alguns empreiteiros.

Como pontos de aprendizados, a equipe refletiu que a participação do empreiteiro é fundamental e que poderia ter mais envolvimento no processo. Outro ponto de reflexão foi a necessidade de aproximação da equipe da Alphaville nas melhorias no gemba.

Obra Alpha 3 — entregue em dezembro de 2019

 

Algumas outras obras já estão implementando ferramentas isoladas e já relataram benefícios. Seguem abaixo algumas das ferramentas que estão utilizando:

Linha de balanço - Obra de Rio Branco

Rotina de gestão – Obra de Uberlândia

O planejamento e controle lean pode ser um grande diferencial a qualquer empresa do setor de construção para otimização de tempo e custos. A construtora Alphaville Urbanismo pôde se beneficiar desses conceitos em sua obra Alpha 3. Agora pretende dar um novo passo: expandir o lean para todas as obras de modo estruturado e elaborar o seu próprio método em busca da excelência.

Garantindo prazos com o lean - Caso Alphaville


Mariana Anicio (coordenadora de obras), Guilherme Beraldo (gestor de obras) e Mauro Bersi (supervisor de obras) da Alphaville, falam sobre a importância do lean na construção civil para o planejamento macro, gestão visual, melhoria da produtividade, estruturação da rotina e solução problemas.

Notas de Rodapé

1 O planejamento macro define as principais metas do cronograma da obra e tem horizonte do período total da obra, do início da primeira atividade até o fim da última.
2 A linha de balanço é uma ferramenta de planejamento usada quando se tem unidades repetitivas de construção com fácil visualização e rapidamente se consegue identificar o fluxo e o ritmo de trabalho.
3 Um item ou requisito que impedirá uma atividade de iniciar, avançar ou concluir conforme o planejado.
4 Diagrama simples de todas as etapas envolvidas nos fluxos de material e informação.
5 Profissional que faz o acabamento com nata de cimento nas guias.

Publicado em 17/04/2020

Autores

Gualter Afonso Jr.
Superintendente de Construção na Alphaville Urbanismo
Walter Antônio Nogueira Jr.
Superintendente de Construção na Alphaville Urbanismo
Renato Mariz
Gerente de Projetos do Lean Institute Brasil

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