CONSTRUÇÃO

Gerenciamento Diário na Construção

Renato Mariz, Eduardo Lavocat, Flávio Augusto Picchi, Reymard S. S. Melo e Marcela C.B.
Estabilizando a produção em um projeto de alteamento de barragem de rejeito

O gerenciamento diário (GD) é o processo contínuo para garantir que o trabalho esteja sendo feito do modo certo e no tempo certo para que se possa alcançar o sucesso do negócio conforme definido pela estratégia da empresa. É o acompanhamento cotidiano das ações para verificar se os resultados esperados estão sendo atingidos e, caso negativo, sejam tomadas as ações corretivas a tempo. Os elementos do gerenciamento diário são:

  • Gestão visual: de modo visual e simples, a informação necessária deve ser passada para todos os envolvidos e deve permitir que todos entendam. Um quadro simples contendo as principais informações normalmente é usado para expor metas, problemas e ações tomadas.
  • Trabalho em equipe para solução de problemas: É necessário criar um ambiente no qual a ocultação de problemas não seja aceitável nem possível. A forma certa de trabalhar, a qual o pensamento lean defende, é expondo problemas, resolvendo-os de maneira eficaz e pedindo ajuda. Apenas expor os números não é suficiente: o gerenciamento diário incentiva (e, na verdade, exige) trabalho em equipe e cooperação. A equipe deve sempre se envolver em discussões abertas para entender a situação, fazer algumas análises na hora e decidir quais ações são necessárias no caso de um gap entre o desempenho atual e o esperado.
  • Cadeia de ajuda: Em sua essência, a cadeia de ajuda vira de cabeça para baixo a pirâmide organizacional tradicional, o que permite que a organização se afaste de uma atitude de comando e controle e dê suporte a uma cultura na qual todo o apoio necessário seja dado aos processos de criação de valor e solução de problemas, ou seja, tem que ficar claro para todos os envolvidos como se deve escalar os problemas e como as ações para resolução desses problemas são feitas.
  • Liderança: Participar apenas das reuniões em pé não é suficiente. A liderança deve estar envolvida a cada passo do caminho. Eles devem ser capazes de manter as reuniões focadas e todos os membros da equipe envolvidos. As rotinas da reunião geram grandes oportunidades para desenvolver as capacidades de seus colaboradores e mudar a forma como as pessoas lidam com problemas e trabalham em equipe.

 

A construtora e a obra

A construtora Ápia tem quase 60 anos de experiência no mercado e trabalha predominantemente com projetos de infraestrutura: pavimentação, barragens, drenagem, ferrovia, pontes e túneis.

O projeto piloto escolhido pela empresa foi o alteamento de uma barragem de rejeito da cota  229,60m para 245,00m. Esse projeto era dividido basicamente em duas frentes de trabalho:

  1. Processamento de materiais: parte do material (xisto grosso, xisto fino e quartzito) utilizado na barragem era peneirado e transportado para a barragem.
  2. Barragem: a outra frente de serviço se concentrava na praça de lançamento do material processado e não processado (argila e filtro).

Figura 1: Barragem sendo alteada

 

Ressalta-se que a execução dessa obra envolvia o uso de muitos equipamentos, porém o recurso mais utilizado era caminhões, ou seja, dentre aluguel, combustível, mão de obra e manutenção, os custos com caminhões representavam aproximadamente 70% do custo da obra.


Implantação do gerenciamento diário

O primeiro passo foi ir ao campo (gemba) para identificar os principais problemas. A equipe foi nas 2 frentes de trabalho (processamento e barragem). Com base no que foi visto no campo e nos dados que a empresa já tinha coletado, verificou-se, então, que o processo estava muito instável, ou seja, havia uma variação significativa de produção diária nas duas frentes.

Como uma prática para estabilizar o processo produtivo, resolveu-se implementar o GD. A implantação do GD no projeto piloto da Construtora Ápia seguiu os principais elementos do gerenciamento diário.


Gestão visual

O primeiro passo foi a elaboração de um quadro de gestão visual (primeira versão) para a tarefa de processamento de materiais.

Com base no que já era usual e também alinhado com a linguagem de campo, a equipe decidiu usar a unidade de medição da produção como “viagens” e medir a produtividade de “viagens/caminhões”. Por fim, eles realizaram uma reunião com os encarregados da tarefa de processamento de materiais para explicar a nova prática, definir horários e decidir quem seriam os participantes da reunião.

Figura 2: Reunião de apresentação da primeira versão do quadro de gerenciamento diário

 

Após duas semanas, a equipe implementou e consolidou as reuniões diárias na frente de peneiramento. Os supervisores mostraram resistência à mudança no começo. No entanto, uma vez que a rotina da reunião foi estabelecida, eles perceberam seus benefícios. O gerenciamento diário também foi incorporado na tarefa da barragem com algumas adaptações no quadro.

Figura 3: Reunião diária na frente da barragem

 

A gestão visual ajudou a expor problemas e, principalmente, na compreensão prática do conceito de produção e produtividade. Antes do gerenciamento diário, apenas a produção era controlada, ou seja, independentemente da quantidade de caminhões, o objetivo era sempre alcançar a quantidade diária de viagens.

Depois que o quadro de gestão visual e a rotina de reuniões foram implementadas, os membros da equipe começaram a otimizar o uso de caminhões, incluindo algumas vezes por dia para impedir que os caminhões entrassem em fila no ciclo quando houvesse uma mudança no cronograma.

É importante notar que os caminhões eram alugados e pagos por hora; portanto, quando as filas ocorriam em determinado ciclo, isso implicava em custo de aluguel e diesel.


Trabalho em equipe para a solução de problemas

O envolvimento da equipe foi um fator-chave na implantação do gerenciamento diário. Muitos problemas foram relatados quando a rotina diária de reuniões foi implementada. Problemas simples eram resolvidos com ações imediatas da equipe, enquanto problemas maiores precisavam de análises adicionais com a equipe de engenharia.

Durante o primeiro mês, a equipe identificou alguns problemas recorrentes. O problema mais recorrente para o processo de peneiramento de materiais eram as instabilidades nos ciclos de caminhões. Para a tarefa da barragem, era o número de caminhões acima do planejado. A mudança constante no local de onde o material processado seria retirado e transportado para a barragem causava problemas na produção em relação à quantidade de caminhões e máquinas que seriam usados para realizar essa tarefa.

Algumas filas de caminhões podiam ser vistas ao caminhar pelo campo. Todos os dias o cliente dava informações pouco antes de iniciar o dia de trabalho ou logo após o início, a partir de qual determinado estoque deveria ser liberado para a retirada de material a ser transportado para a barragem. A mudança devia-se ao fato de que um estoque de material beneficiado só poderia ser liberado para ser transportado uma vez que estava totalmente estocado, e a equipe de topografia aumentava seu volume.

A equipe, então, propôs como contramedida, após analisar cautelosamente os dados, a criação de uma planilha que mapeasse todos os cenários possíveis e que pudesse absorver as mudanças diárias feitas pelo cliente. Portanto, todos os estoques e DMTs (distância média de transporte) foram definidos com dados cronometrados no gemba.

A planilha foi distribuída para todos os membros da equipe, o que lhes deu mais autonomia no campo e também melhor controle da quantidade correta de caminhões. Um quadro visual também foi criado como maneira de identificar diariamente onde os materiais estavam sendo removidos.

Figura 4: Controle visual de estoque, caminhões e máquinas

 


A cadeia de ajuda

A cadeia de ajuda funcionava informalmente, isto é, ações eram tomadas em alguns problemas que vinham do campo, mas não havia prioridade, controle ou acompanhamento dessas ações. O gerente de contrato e o próprio engenheiro de planejamento sentiam falta de algumas das informações de campo com maior frequência.

Portanto, quando as reuniões de campo diárias já estavam ocorrendo conforme o planejado, a equipe de engenharia decidiu realizar uma reunião rápida (15 a 30 minutos) às 11h30, para que pudessem alinhar as informações de campo diariamente, discutindo, gerando ações e monitorando-as.

Alguns problemas que foram escalonados da reunião de campo para a reunião de engenharia  e passaram a ser resolvidos por ações imediatas, enquanto outras ações exigiam gestão visual para acompanhamento, então a equipe implantou um quadro kanban. Dessa forma, uma cadeia de ajuda estruturada com participação de campo e engenharia foi estabelecida:

Figura 5: Gerenciamento diário na engenharia utilizando o kanban

Figura 6: Cadeia de ajuda


A liderança

O papel da liderança foi fundamental na implementação do gerenciamento diário. A mudança de mentalidade da equipe de engenharia foi sentida pela equipe do projeto. O engenheiro de planejamento e o gerente de projetos, que não costumavam frequentar o gemba, passaram a frequentar com maior assiduidade, já que uma rotatividade de participação nas reuniões (gerente de projetos, gerente lean e engenheiro de planejamento) foi estabelecida. Portanto, pelo menos 3 vezes por semana, eles participavam da reunião diária no campo, além de participar da reunião de engenharia todos os dias.

Com o passar do tempo, os membros da equipe passaram a trazer mais problemas e a participar mais ativamente das reuniões. Eles relataram a importância da presença dos engenheiros e especialmente das ações que eram tomadas nas reuniões com a ajuda deles.


Os resultados gerais e próximos passos

Após o término do projeto, alguns dados foram coletados, e a redução de custos tornou-se evidente:

  • Tarefa de processamento de materiais – 4% de redução nos custos (R$ 486.000,00).
  • Tarefa da barragem – 7% de redução nos custos (R$ 535.500,00).

Esse resultado veio principalmente da redução da quantidade planejada de caminhões (representando 70% do custo do projeto) e do melhor uso dos caminhões que estavam disponíveis.

A transparência através do gerenciamento visual também foi positiva para a equipe. Isso tornou os dados simples e fáceis de serem controlados pelos membros da equipe.

Além disso, o projeto foi concluído dentro do cronograma planejado, e percebeu-se a mudança de comportamento dos gerentes e engenheiros, que passaram a se concentrar não apenas na produção, mas também na produtividade. Tal conceito ajudou a estar sempre consciente do desperdício e dos problemas diários.

A sustentação diária dessas práticas auxiliou a obra a estabilizar seus processos e promover também melhorias. O GD foi considerado uma prática fundamental para a construtora, que irá aproveitar o aprendizado desse projeto piloto para expandir essa prática para outras obras da empresa.

Publicado em 01/10/2019

Autores

Renato Mariz
Gerente de Projetos do Lean Institute Brasil
Eduardo Lavocat
Especialista Lean
Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil
Reymard S. S. Melo
Pesquisador lean.
Marcela C.B.
Engenheira de Planejamento e Controle da Construtora Ápia.

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