SAÚDE

Fatores essenciais para o sucesso do lean na área da saúde

Frederico Tarrago
A área da saúde, como bem sabido, necessita de mudanças contínuas e urgentes, já que o produto final neste caso é a vida de alguém. As pessoas até admitem enganos quando se trata de produtos ou outros serviços, mas quanto ao cuidado da saúde de um ser humano, espera-se eficiência, rapidez e perfeição. Algumas organizações de saúde já iniciaram sua jornada lean na busca por melhorar sempre e muito. Mas muitas ainda não sabem como iniciar a jornada ou desistem logo nos primeiros passos. Na maior parte das vezes, isso ocorre por falta de engajamento dos colaboradores e, principalmente, da alta administração. Trazer os envolvidos na jornada a bordo é condição básica para seu sucesso, mas algumas ensinamentos podem nos auxiliar a mover moinhos durante essa tarefa.

Inaugurado em outubro de 1927, o Hospital Moinhos de Vento (HMV) tem muita tradição com o atendimento de pacientes em Porto Alegre. Ele conta com 500 leitos distribuídos entre internação, terapia intensiva e maternidade e teve um crescimento de quase 100% em sua demanda entre 2004 e 2014. Esse acentuado aumento na demanda fez com que a taxa de ocupação nas Unidades de Internação se tornasse um problema, ficando constantemente acima do nível crítico de 85%.

Face a esse desafio, o hospital decidiu investir em uma filosofia que já lhe havia servido dois anos atrás, a mentalidade enxuta. E, com isso, o hospital obteve resultados inesperados:

  • O tempo que um paciente precisa esperar após receber a alta médica para receber a alta hospitalar foi reduzido em 30%. Isso foi extremamente importante para aumentar a satisfação dos pacientes e reduzir a taxa de ocupação dos leitos.
  • O tempo de reocupação do leito foi reduzido em 33%, o que gerou uma excelente fonte de receita incremental ao hospital.

No dia 14 de fevereiro, Frederico Tarrago, engenheiro de produção do HMV e um dos grandes motivadores da transformação lean no Hospital Moinhos de Vento, foi entrevistado no Planet Lean sobre sua jornada no hospital. Nós, do Lean Institute Brasil, complementamos sua entrevista, abordando especificamente fatores que ele considera ser essenciais para resultados de sucesso.

Lean Institute Brasil: Qual você considera ser seu maior aprendizado na jornada lean?

Frederico Tarrago: Muitas pessoas me perguntam se o lean pode ser usado apenas como um projeto para melhorar algum setor que está enfrentando dificuldades na empresa, sem ter que realmente ter todo o trabalho de criar uma nova cultura organizacional. A resposta para essa pergunta envolve muito mais do que um simples sim ou não.

Em 2012, quando eu ainda não estava no hospital e quando foi introduzido à mentalidade enxuta, resultados excelentes foram alcançados no centro cirúrgico. É extremamente provável que você também obtenha resultados muito sólidos caso resolva aplicar o lean dessa forma. Existem, entretanto, dois problemas muito graves com essa abordagem: 1) não há nenhuma garantia de que os resultados conquistados serão sustentados no longo prazo e 2) os benefícios do lean que deixam de ser aproveitados superam os ganhos.

Muitas vezes, a perda não é sinônimo de passar a ter menos do que antes, mas sim de deixar de ter tanto quanto era possível. Ter o pensamento lean em suas mãos e utilizá-lo apenas em projetos pontuais é o mesmo que viajar a Paris e passar trinta dias em frente à Torre Eiffel: é fascinante no primeiro dia, mas logo se torna tedioso e desinteressante. Além disso, existem diversos outros lugares incríveis da cidade que você deixa de conhecer.

Lean Institute Brasil: Quais são os elementos essenciais para o sucesso da jornada?

Frederico Tarrago: Por muito tempo as empresas trabalharam em silos departamentais, com cada gerente ou supervisor cuidando apenas de seu território sem se preocupar com os outros setores da companhia. O problema dessa abordagem é que uma boa administração depende de uma visão interdisciplinar do todo. Uma solução para esse problema é encontrar uma pessoa que domine todos os elementos presente em certa organização, mas infelizmente (ou felizmente) essa pessoa não existe; ninguém domina todas as áreas. Portanto, o sucesso de qualquer transformação está intrinsecamente ligado à comunicação e colaboração entre os setores.

No nosso caso, tínhamos um especialista no pensamento lean que pouco entendia sobre hospitais (eu). Em contrapartida, havia médicos e outros colaboradores do hospital que pouco entendiam sobre o lean. O que fez com que o hospital alcançasse resultados positivos foi realmente o espírito de equipe ali presente. Os médicos compartilhavam e ensinavam de forma clara os termos específicos sobre cuidados com o paciente, medicamentos e outros relacionados puramente ao ambiente hospitalar, enquanto eu compartilhava e ensinava de forma clara os termos específicos relacionados ao estilo de gestão pregado pela filosofia lean.

Lean Institute Brasil:  Como envolver e engajar a equipe?

Frederico Tarrago: Aqueles que pertencem à comunidade lean sabem que essa filosofia não visa aos ganhos no curto prazo, mas a uma transformação completa, a uma mudança cultural que leva algum tempo para se enraizar na empresa. Muitas vezes, entretanto, quando iniciamos os trabalhos lean em uma nova organização, temos que ter a consciência de que os envolvidos nessa jornada podem não estar familiarizados com a mentalidade e perder o entusiasmo se não perceber ganhos rápidos provenientes da aplicação do lean.

As pessoas que fazem o trabalho diariamente são aquelas que fazem a verdadeira transformação acontecer, portanto elas precisam acreditar na mudança. Além disso, a alta administração também precisa crer na mentalidade, pois é ela que habilita o trabalho e serve de exemplo a todos na empresa.

Com isso em mente, escolhi áreas de apoio para começar a jornada como forma de obter alguns resultados mensuráveis em um curto período de tempo e mostrar a todos os envolvidos do hospital que a mentalidade lean realmente funciona e traz diversos benefícios. O tempo takt da linha de produção da central de produção de alimentos, uma das áreas selecionados para iniciarmos, foi reduzido em 40% em apenas 15 dias, e todas as ouvidorias foram eliminadas no prazo de apenas um mês.

Foram esses resultados rápidos que engajaram e envolveram toda a equipe, desde os níveis mais baixos até a alta administração, e desenvolveram nela a paciência necessária para que a jornada contínua e infindável que é o lean pudesse acontecer. Se as pessoas que participarão do processo, por menor que seja sua participação, não estiverem convencidas quanto ao lean, a primeira coisa que você deve fazer é trazê-las a bordo, e resultados rápidos é uma excelente forma de fazer exatamente isso.

Lean Institute Brasil: Falamos sobre o engajamento do pessoal. E quanto à capacitação dessas pessoas? Qual importante isso é para o sucesso da jornada?

Frederico Tarrago: Muito importante. Diria fundamental.

Após as primeiras conquistas abrirem caminho para que a jornada continuasse pelos processos mais importantes do hospital, o fluxo do paciente, ainda havia uma etapa que precisaria ser superada para garantir o sucesso da transformação: a capacitação dos envolvidos.

Pensando nisso, iniciei alguns cursos internos sobre as ferramentas e as bases do pensamento lean. Esse tipo de projeto garante que as pessoas que estão realmente envolvidas no trabalho do dia a dia apropriem-se do que fazem e compartilhem um senso de responsabilidade pelo sucesso organizacional.

A primeira turma do HMV envolvia vinte pessoas, que seriam responsáveis pela entrega de projetos individuais, o que garantia que o aprendizado na parte teórica pudesse ser combinado com a utilização prática das ferramentas. Outras turmas foram formadas nos anos subsequentes, e todo esse esforço foi recompensado com uma equipe mais unida, participativa e engajada na melhoria contínua da empresa, propagando o conhecimento e alavancando os projetos que estavam sendo desenvolvidos.

Lean Institute Brasil:  Sabendo que a jornada e o processo de aprendizagem lean são infindáveis, o que isso nos diz dos resultados?

Frederico Tarrago: A partir do momento em que formamos as primeiras turmas, a implementação lean no Hospital Moinhos de Vento seguiu da forma que costumamos ver nas empresas que a fazem com sucesso, indo ao gemba regularmente, mapeando os processos, utilizando o ciclo PDCA e o processo A3, reduzindo tempos takt, utilizando kaizen e hoshin e eliminando desperdícios.

Muitos resultados foram conquistados desde então, mas sabemos que a jornada lean não se trata de uma breve caminhada pelo parque que logo se encerra, mas de um compromisso que perdura por toda a vida, o compromisso de buscar e melhorar sempre. Portanto, é importante ter em mente que os resultados aqui apresentados não estão no final do caminho. Nem sequer estão no meio. Eles estão em um ponto específico de uma jornada sem fim. Esse é um conceito que precisa ser deixado claro desde o início da transformação; caso contrário, ela estará fadada ao insucesso.

É importante ressaltar, também, que os excelentes resultados obtidos pelo hospital só foram possíveis devido ao trabalho inicial feito para colocar todos os envolvidos na mesma página e engajá-los na melhoria dos cuidados ao paciente.

Lean Institute Brasil: Qual dica você daria a uma pessoa que está começando a jornada?

Frederico Tarrago: Tudo isso que citei são apenas alguns dos benefícios que o lean pode trazer para as organizações. Entretanto, muitas empresas não conseguem alcançá-los por falta de cooperação e engajamento de seu pessoal. Quer realmente transformar sua organização? Comece transformando as pessoas que nela trabalham.

A transformação lean leva tempo e maturidade para se dar de uma forma completa, e mesmo assim, como um ciclo que não tem fim, ela ainda exigirá mais e mais melhorias. Para se transformar e transformar sua organização verdadeiramente e como um todo, muitos aspectos devem ser levados em conta, tais como: o engajamento da equipe e seu desenvolvimento; a visão do lean como uma maneira de pensar e agir, muito mais do que simples ferramentas e conceitos pontuais; e o entendimento de que ser lean é buscar a infinitamente a perfeição, apesar de às vezes ter a sensação de nunca alcançá-la.

Há muitos passos a serem dados até que se chegue a uma verdadeira transformação. A chave é enxergar o todo e investir nas pessoas.

Publicado em 19/03/2018

Autor

Frederico Tarrago
Engenheiro de produção pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e consultor Lean Six Sigma Black Belt

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