SAÚDE

Como transformar os primeiros ganhos em sucesso lean no longo prazo

Equipe do pronto socorro

DESTAQUE: A importância de usar os primeiros sucessos para impulsionar o engajamento com o lean é frequentemente discutida. A história deste hospital brasileiro confirma que este é o caminho a seguir.

Há muita conversa sobre onde e como começar uma transformação lean, mas o que parecia muito claro para nós desde o início era que a melhor maneira de começar é abordando um problema que todos conhecem. Para nós, do Hospital Municipal Dr. José de Carvalho Florença (um hospital público que conta com 400 leitos em São José dos Campos, no Brasil), esse problema era o Pronto Socorro.

Nosso Pronto Socorro é incrivelmente ocupado: recebemos entre 800 e 1.200 pessoas todos os dias (que totalizam uma média mensal de 20.000). Nunca existe um momento tranquilo em nosso PS, e é por isso que é importante que ele funcione da forma mais eficiente e eficaz possível.

Havia dois problemas principais que o PS estava enfrentando, e - como acontece com a maioria dos outros hospitais do mundo - ambos tinham a ver com o número de pacientes que recebemos e a quantidade de tempo que passavam conosco: por um lado, percebemos que o tempo de permanência de nossos pacientes de baixa a média prioridade era excessivo (juntos, eles representam mais de 90% das pessoas que recebemos - seus códigos de cores são respectivamente "azul/verde" e "amarelo") e que nossa sala de observação estava constantemente cheia de pacientes esperando para ser atendidos.

Decidimos usar o pensamento lean para enfrentar esses problemas. O impacto que a metodologia teve sobre a qualidade do atendimento que nossos pacientes recebem (e sobre a vida profissional de nossos funcionários) é difícil de subestimar. Esperamos - e acreditamos - que esse seja apenas o começo de uma transformação para toda a organização.

Mas vamos falar sobre esses dois problemas e como os solucionamos com êxito.

“Pacientes amarelos”

A alta de nossos pacientes de baixa prioridade tornou-se um dos maiores desafios de nosso hospital: os "pacientes amarelos" (que se refere ao código de cores que usamos para eles) passavam entre três e doze horas conosco, o que os frustrava, sobrecarregava nossa equipe e aumentava o risco clínico.

Curiosamente, o gargalo não estava no exame. As pessoas não tinham problemas para chegar ao hospital e ver um médico, mas demorava muito tempo para receberem a medicação de que precisavam. Uma vez que 40% de nossos pacientes do PS precisam receber medicamentos, isso, claro, criava grandes atrasos nas altas.

Outras análises revelaram que uma das causas mais profundas do problema eram as longas distâncias que nossos pacientes tinham que percorrer no hospital cada vez que precisavam de medicamentos: havia 277 metros entre a unidade de atendimento do PS e a sala de medicamentos. As pessoas caminhavam sem saber para onde ir e pediam instruções o tempo todo - imagine a confusão! Por sua vez, o movimento excessivo criava lotes na reavaliação do paciente. Também observamos uma grande variabilidade na maneira como administrávamos os medicamentos a nossos pacientes.

As contramedidas que identificamos através do PDCA foram:

  • Melhorar os fluxos de pacientes, alterando o layout do departamento.
  • Melhorar os cuidados através da introdução de padrões na forma como tratamos pacientes.

O primeiro impulso para usar o pensamento lean na resolução dessas questões veio da administração (por sermos um hospital público, não temos muitos recursos - e é por isso que o lean apareceu imediatamente como uma abordagem muito atraente), que estava preocupada com a longa estadia e nos pediu para resolver essa questão o mais rápido possível. O problema em nosso PS estava muito evidente para nosso pessoal, entretanto, porque não experimentamos a resistência que as iniciativas lean normalmente encontram no início. As pessoas subiram a bordo muito rapidamente, porque logo enxergaram valor no que estávamos tentando fazer: todos achávamos inaceitável nossos pacientes terem que andar tanto apenas para obter medicamentos, especialmente considerando que, por definição, são pessoas com dor e angústia.

Nossa decisão de mudar o layout e mover a Sala de Medicação para um local mais próximo da Área de Exame, que nasceu de nosso uso de diagramas de espaguete e mapas do fluxo de valor, teve dois resultados imediatos: primeiro, isso reduziu muito o movimento (e, portanto, o caos e a chance de erros) e, em segundo lugar, nos permitiu introduzir um "fluxo de paciente único" - acelerando, assim, o processo de reavaliação e, naturalmente, a alta. A distância que nossos pacientes têm que percorrer agora é 40% menor, o ER está visivelmente menos ocupado, e o número de pessoas que vagam e pedem direções diminuiu.

Seguindo para o segundo problema.

Por meio de uma análise de Pareto, determinamos que 70% de nossos pacientes apresentavam condições relacionadas a dor, enquanto cerca de 10% apresentavam asma. Ao revisar nossos protocolos para administração de medicamentos a essas duas categorias de pacientes, percebemos que não possuíamos um padrão para tratá-los. Muitos de nossos pacientes com dor eram administrados via intravenosa, mas os medicamentos administrados via oral - que são muito muito mais rápidos e, portanto, não criam nenhum gargalo - são tão eficazes quanto. Portanto, nosso novo protocolo para pacientes com dor favorece os medicamentos administrados via oral e dá aos pacientes a medicação de que precisam para continuar o tratamento em casa por alguns dias, para que eles não precisem voltar imediatamente.

Como resultado, no primeiro mês, tivemos 1.500 pacientes a menos visitando a Área Amarela (e esperamos que o impacto do novo protocolo de asma se torne mais evidente logo, já que o inverno acaba de começar).

Essas mudanças não foram necessariamente fáceis de introduzir: a mudança do layout do ER foi um processo difícil que exigiu muita mão-de-obra, assim como convencer nossos médicos a seguir os novos protocolos. Não podemos enfatizar o quanto nossos primeiros adeptos foram instrutivos para obter o resto da equipe a bordo: certamente aprendemos como o trabalho em equipe é crítico ao tentar implementar mudanças lean.

Também vimos a importância de testar nossas contramedidas e de aprender com os erros que cometemos. No geral, entretanto, o impacto do lean no PS não poderia estar mais claro: o tempo médio de permanência dos pacientes amarelos passou de 3 horas e 24 minutos para 1 hora e 55 minutos.

Reuniões diárias

Como mencionado anteriormente, outro grande problema - talvez o mais crítico - que o PS do Hospital Municipal estava experimentando era uma sala de observação superlotada, que às vezes tinha duas vezes mais pessoas do que suportava.

O gargalo era resultado de uma série de problemas provenientes de nosso processo precário: por exemplo, nossos médicos demoravam muito para reavaliar os pacientes, e nossos exames demoravam muito para se tornarem disponíveis ou serem verificados. Os pacientes, que tinham que esperar muito para ver um especialista, estavam insatisfeitos com razão e, muitas vezes, tinham que permanecer no PS depois de receberem alta porque as alas não tinham espaço para recebê-los.

Nossos processos eram lentos e mal-organizados. Muitas vezes, um médico visitava uma sala para ver um paciente e não sabia que outro também estava lá, pronto para ser visitado. Além disso, nem sempre ficava claro qual médico deveria atender qual paciente, não havia clareza em relação às transferências de pacientes, e perceber que a condição de um paciente estava se deteriorando nem sempre era possível, porque todos estavam muito ocupados o tempo todo.

Para tentar simplificar, podemos dizer que nossa situação difícil decorria de duas causas principais: um fluxo de comunicação fraco e uma falta de coordenação entre os profissionais. Se você tiver isso em mente, não lhe surpreenderá que a contramedida que decidimos adotar foi uma das mais populares "invenções lean" disponíveis para os praticantes: as reuniões diárias. Seus efeitos positivos na comunicação e na colaboração entre os profissionais e as equipes são bem conhecidos, e agora podemos atestar por nós mesmos.

Nosso projeto visava melhorar a qualidade dos cuidados, reduzindo o risco clínico, a variabilidade e o peso nas costas de nosso pessoal. Mas, como diz o antigo provérbio lean, você não consegue melhorar aquilo que você não consegue medir. Isso é o que, em última análise, torna as reuniões diárias tão importantes para nós: elas nos permitem conhecer tudo que precisamos saber sobre o trabalho diário.

Nossa primeira reunião diária ocorreu em novembro de 2016 e foi muito estranha: ela demorou muito, porque não tínhamos ideia do que estávamos fazendo, e nenhuma das informações de que precisávamos estava pronta. Poucos dias depois, começamos a obter os dados previamente - de forma constante ao longo do tempo - ao aplicar continuamente o PDCA - mudamos as perguntas para torná-las mais efetivas.

Atualmente, durante nossa reunião às 8h30, perguntamos quantos pacientes estão prontos para a alta ou para a avaliação final em certo dia. Também perguntamos quantos exames estão pendentes e por quê e quantos pacientes estão prontos para ir, mas não podem ser transferidos para as alas ainda (o que é uma deixa para notificarmos outros departamentos de que precisaremos de um leito em breve) ou ainda estão à espera de um parente ou uma ambulância para buscá-los. Tudo é baseado em um código de cor vermelha/verde, o que significa que sabemos imediatamente onde estão os problemas e quais precisamos abordar primeiro.

Como parte do nosso trabalho para aliviar a pressão em nossa sala de observação, também implementamos a gestão visual. Antes, os médicos chegavam na sala e não sabiam exatamente quais pacientes tinham que ver. Isso os encorajou a criar etiquetas para os pacientes, que agora são colocadas nos leitos.

Foram necessários alguns experimentos, mas finalmente conseguimos corrigir isso. Abaixo, você verá um exemplo de uma etiqueta, na qual os olhos significam que o paciente ainda não está pronto para ser admitido em uma ala, o sinal de comida, que ele não deve comer nada, e os polegares, que os exames estão prontos e aguardando a decisão do médico. Você também consegue ver o departamento que cuidará o paciente (neste caso, CG significa Cirurgia Geral) e o número do leito.

Não podemos dizer que as reuniões diárias são um comportamento padrão ainda, mas isso é compreensível considerando que apenas começamos há seis meses. Ainda assim, nosso pessoal consegue enxergar claramente que as coisas estão funcionando com mais facilidade, e as reuniões diárias começaram a ocorrer mesmo quando os líderes não estão por perto. Na verdade, começamos a fazer mais duas reuniões, uma no final da tarde e uma tarde da noite (a Sala de Observação muda drasticamente ao longo das 24 horas).

Os resultados já aparecem: nosso processo é mais estável e não apenas reduzimos o número de pacientes que visitam a Sala de Observação diariamente em 40%, mas também diminuímos o tempo que passam lá.

Também percebemos como as pessoas estão tentando chegar na reunião sem nenhum problema para reportar (a reunião claramente funciona como um incentivo para resolver problemas assim que eles aparecem). Criticamente, agora temos visibilidade sobre o trabalho a ser feito para cada paciente e sabemos exatamente quais são as informações de que precisamos para tomar nossas decisões. É difícil cometer erros quando você tem todas as informações apresentadas a sua frente (é ótimo ver, por exemplo, quão improvável se tornou um paciente crítico ser supervisionado).

O QUE VEM A SEGUIR?

Acreditamos que esses dois projetos - que ocorreram simultaneamente - lançaram as bases para nosso trabalho lean se espalhar para outras partes do hospital. Ao começar a fazer as reuniões, por exemplo, a equipe já chegou à conclusão de que precisarão envolver pessoas de outros departamentos se quiserem ter todas as informações de que precisam diariamente.

Mesmo isso tendo começado como uma iniciativa de da alta administração, ficamos encantados de ver quão impactantes foram esses dois projetos: eles beneficiaram todos - de pacientes a funcionários - e inspiraram outros a também aceitar mudanças. Agora estamos tentando trazer mais pessoas a bordo, aproveitando o impulso que a melhoria de nosso PS gerou.

Fique atento, ainda temos mais coisas para compartilhar.

Publicado em 21/09/2017

Autor

Equipe do pronto socorro
Aline Augusto Ribas, coordenadora administrativa
Laura Friggi Peters de Holanda, coordenador do pronto socorro
Lin Hung Hua, diretor médico
Maria Cristina Pose Guerra, diretor de enfermagem
Marilisa Silva Diego, gerente administrativo
Otávio Lima de Holanda, médico
Renata Mantovani, coordenador de enfermagem

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