CONSTRUÇÃO

Quando seu gemba é um local de construção

John Bouthillon
Quando seu gemba é um local de construção
A partir de sua experiência direta no gemba, o autor compartilha o que aprendeu sobre a aplicação do pensamento lean na empresa de construção de sua família, além de algumas dicas úteis.

Para muitos, a indústria de construção é o maior exemplo de um ambiente tradicional cheio de hábitos trabalhistas ruins. A segurança muitas vezes é abismal, eles dizem, a qualidade é considerada opcional, e os atrasos são a norma – sem mencionar o aumento constante nos custos. Embora muito disso seja verdade, como pensador lean, não pude evitar enxergar uma grande oportunidade aqui: que ambiente melhor para começar a aplicar os princípios lean do que um que tem uma reputação tão ruim para desperdício? 

Tenho administrado a PO Construction, o negócio da família que meu avô começou após a Segunda Guerra Mundial, pelos últimos sete anos e acredito que não haja um roteiro para uma jornada lean, apenas uma meta clara e alguns pré-requisitos básicos. Ou pelo menos essa é a abordagem que temos usado.

A meta que definimos para nós mesmos não poderia ser mais clara: sempre satisfazer o cliente, aumentando o valor e reduzindo o lead time ao remover desperdício. Fazendo isso, juramos aprender com nossos erros, desenvolver as habilidades das pessoas e melhorar nossos produtos ou criar novos. Tudo isso deveria ser feito através de melhoria contínua e respeito pelos envolvidos. Em termos de pré-requisitos, aprendemos que eles são segurança, arrumação e estabilidade básica. 

SEGURANÇA EM PRIMEIRO LUGAR 

Se sua fábrica ou escritório está sendo renovado, e você acha que isso justifica seu registro ruim em segurança ou 5S, você se sentirá em casa em uma construção. Imagine um local de construção comum, e arrumação e limpeza dificilmente são as duas primeiras coisas que vêm à sua mente. Ainda assim, elas são pré-requisitos para o sucesso lean. É essencial começar sua jornada lean arrumando e tornando o gemba seguro – ser capaz de enxergar o trabalho e concentrar-se nos problemas quando e onde eles aconteçam sem ter de ficar preocupados com nossa vida e segurança é crítico.

Na PO Construction, descobrimos que a abordagem 5S precisava ser levemente revisitada e expressada em nossas próprias palavras (apenas os dois primeiros S, enquanto os três últimos seguem a tradição lean):

  1. Separe e jogue fora: separamos nossos materiais e equipamentos e mantemos o que precisamos, mandamos de volta ao depósito o que não precisamos agora, mas podemos reutilizar, e jogamos fora o que não é mais usável ou necessário.
  2. Arrume: “um lugar para cada coisa, e cada coisa em seu lugar”. 
  3. Limpe ou lustre. 
  4. Padronize. 
  5. Sustente. 

Segurança é uma prioridade, e ninguém pode discutir: ao adotar nossa própria versão do 5S e aplicá-lo no gemba, começamos lentamente a reduzir a taxa de acidentes (em 20% por ano) – um problema bem conhecido da indústria de construção.

APRENDENDO A ENXERGAR PROBLEMAS; ENXERGANDO PROBLEMAS PARA APRENDER 

Nosso próximo passo era listar os problemas que encontrávamos no local. Em nosso negócio, é difícil enxergar problemas conforme eles acontecem – muitas vezes, um setor vinha, mas não conseguia fazer sua parte do trabalho devido a um problema deixado pelo setor anterior. Como resultado, é sempre culpa do pintor se o projeto está atrasado, simplesmente porque ele é quem tem de negociar com o cliente no final do processo.

Em face desse problema, percebemos que tínhamos de aprender a enxergar. Começamos a escrever os problemas que encontrávamos e encontramos uma forma de explicá-los de forma clara (desenhar o problema parecia funcionar bem para nós). Uma vez que o problema estiver claro para todos, a solução normalmente se torna óbvia (a contramedida, não a correção) – afinal, construção não é um bicho de sete cabeças.

Conforme enxergamos mais problemas, tornamo-nos especialistas em encontrar desperdícios e propor contramedidas. Como CEO, minha contribuição para essa atividade é crítica: eu visitava regularmente todos os locais de construção e revia com eles como solucionavam seus problemas. Eu tentava identificar padrões e determinar em quais instâncias eles precisavam que a matriz ajudasse. Quando as pessoas encontravam uma forma inteligente e criativa para lidar com um problema, eu espalhava a notícia.

A verdade é que de nossos problemas surgiam novas ideias para melhoria. Elas eram nossos kaizens (melhorias). Outra parte importante de meu trabalho é apoiar as equipes no teste de novas soluções, o que é muitas vezes difícil para nós, porque a tarefa que havia gerado o problema normalmente já terminou quando testamos nossa nova ideia. Então normalmente texto em outro local. Isso pode ser frustrante para as equipes, mas já fomos capazes de transferir nossas ideias de um local para outro algumas vezes.

ACELERANDO OS PROJETOS

Outro problema comum (não apenas na construção) é o popular “o que não puder ser feito hoje ainda poderá ser feito amanhã”. Se parte do trabalho é muito difícil, a tendência é deixar e retornar depois. Ei, você nunca sabe… às vezes os problemas apenas desaparecem da noite para o dia, certo?

Há muitos exemplos disso, mas meu favorito é talvez aquele de um pedreiro que já fez todas as paredes em dois andares de um de nossos projetos, mas apenas a uma altura de um metro e meio porque não tinha o andaime para ir mais alto. Isso significa que o pintor não pode começar por nenhum lugar, já que nenhuma área foi, de fato, finalizada.

É comum que os setores ocupem muito mais espaço do que precisam, porque eles enxergam isso como uma forma de garantir que não sejam interrompidos. Se, por qualquer razão, eles não conseguirem trabalhar em um cômodo ou andar, eles ainda têm muitos outros espaços para focar. Infelizmente, expansões assim normalmente significam prazos maiores.

 

VOLTANDO ÀS BASES

Quando você pergunta quanto tempo uma tarefa levará, você normalmente recebe uma resposta rápida: seis semanas, por exemplo. Isso é o que levará para que um empreiteiro complete certo trabalho (o tempo normalmente inclui um pouco de buffer para garantir). Pergunte o ritmo e receberá como resposta: oito semanas dividido pelo número de unidades (cômodos, apartamentos, andares…), mais um pouco de buffer que resulta da conta. Mas, às vezes, com o lean, é importante voltar aos princípios básicos. As perguntas lean que aprendi a fazer são: “qual é seu tempo takt (ritmo de produção)?” ou “se completarmos essa tarefa cômodo por cômodo, quanto tempo é necessário entre o mesmo passo da tarefa em dois cômodos?”. Imagine um projeto com trabalhadores andando um atrás do outro pelos cômodos de um prédio. É óbvio que reduzir o tempo necessário para completar suas tarefas pode ser alcançado de duas formas: fazendo com que cada trabalhador ande mais rápido ou fazendo com que cada trabalhador ande mais próximo ao outro.

Dessas duas abordagens, a última é mais fácil. Antes de pensar em trabalhar mais rapidamente, devemos focar em desperdiçar menos tempo entre as tarefas de dois setores.

ACELERANDO O FLUXO 

Para acelerar o fluxo, precisamos trabalhar de forma just-in-time e produzir somente o que é necessário em cada serviço. A primeira consequência dessa mudança é parar de trabalhar assim que uma tarefa for finalizada (para eliminar a superprodução no trabalho de um setor e atrasos no trabalho de outro) – não precisa nem dizer que isso parece muito contraintuitivo. Claro que quanto mais eu fizer em um dia, melhor! Entretanto, um projeto não precisa de mais trabalho executados em um dia, mas de tarefas finalizadas para que o próximo setor possa iniciar.

Sempre desejamos que nossos contratados ganhem dinheiro também (ganha x ganha). Para garantir que isso aconteça, terminamos completamente as tarefas, apartamento após apartamento, e usamos o tempo extra para nos prepararmos para o dia seguinte.

Essa é uma grande mudança cultural: nestes dias, sabemos que há mais valor em um apartamento finalizado do que em um em que estejamos trabalhando por trabalhar.

O que notei foi que, quando isso é entendido, o fluxo automaticamente tende a acelerar, conforme cada setor percebe que ter mais tempo para se preparar para o dia seguinte cria melhores condições de trabalho, o que, por sua vez, reduz os riscos e limita a necessidade por tempo de buffer (pulmão). Nesse novo sistema, os setores podem vir um após o outro e trabalhar mais próximos do que antes, e os problemas são gradualmente eliminados.

Quando trabalhando apartamento por apartamento, o conteúdo do trabalho (o tempo necessário por um setor para completar uma tarefa) varia de acordo com o tamanho do apartamento. Se quisermos que um empreiteiro trabalhe em um apartamento por vez, precisamos propor uma forma para usar efetivamente o tempo extra que temos quando o conteúdo do trabalho for baixo e para evitar horas extras quando, inversamente, o conteúdo do trabalho for alto. A ideia é separar o trabalho de agregação de valor do trabalho de preparação e das atividades que vêm ao final (como limpeza). Dependendo da situação, podemos usar o tempo extra para nos prepararmos para o dia seguinte ou deixar a limpeza para o dia seguinte para evitar custos extras.

MAIS OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM 

Para garantir que o cronograma de trabalho para hoje seja realmente concluído hoje, precisamos reduzir os incidentes e os problemas nos locais. Depende da gestão aparecer e apoiar o colaborador quando um problema ocorrer. Todos os problemas precisam ser solucionados, e precisamos garantir que eles não aconteçam novamente.

Os colaboradores normalmente têm dificuldade para focar em um problema, porque eles têm muito a fazer durante o dia e, com o passar do tempo, encontrarão formas para simplificar o trabalho ao redor deles. Eles se sentem indefesos frente a um problema, mas a verdade é que sabem o que deve ser feito – são eles quem fazem o trabalho todo dia! Por outro lado, a gestão tem a responsabilidade de encorajar a solução de problemas, mas não conhece o problema tão bem quanto os colaboradores.

É por isso que é necessário para a gestão e para os colaboradores unir forças e trabalhar na solução de problemas juntos. Fazendo isso, também aprendemos mais sobre a forma como cada tarefa deve ser feita e melhoramos na hora de fazer o cronograma do trabalho. Às vezes, um padrão surge de uma série de problemas que observamos. Todo colaborador terá visto uma parte de uma situação maior, mas não entenderá o contexto global. A gestão (até a gestão sênior), em contrapartida, tem a visão do contexto global e é capaz de usar os problemas para identificar tendências. Muitas vezes, “conectar os pontos” nos mostra que o que fizemos até aqui está errado ou não é produtivo. Alguns dos maiores momentos de descoberta ocorrem nessas situações.

 

MELHORIAS NO PRODUTO

Por fim, ao buscar melhores produtos e processos que reduzirão nossa pegada de carbono, ao solucionar problemas e fazer kaizen, geramos conhecimento que alimenta diretamente nossa próxima geração de produtos. Se sua indústria é parecida com uma construção (um ambiente embasado em projetos com um ciclo de vida curto do processo), você pode ser capaz de incorporar suas práticas melhoradas em seu trabalho dentro de alguns meses.

Algumas mudanças são grandes, e outras, mais incrementais. Na PO Construction, por exemplo, após um projeto difícil usando um tipo específico de barreiras térmicas na primeira vez, imaginamos e desenvolvemos nossa própria barreira térmica ideal. Desde então, temos gradualmente melhorado nossa barreira e a forma como a utilizamos. Hoje o novo produto é comumente usado na maioria de prédios que construímos. Na verdade, já começamos a projetar nossos prédios com base em nosso uso dessa tecnologia, o que teve efeitos dramáticos no desempenho energético.

Meu plano é continuar melhorando o trabalho de nossos locais de construção com base em nossa estratégia e espalhar a “nova forma de fazer as coisas” pela PO Construction para que se torne uma base para os novos projetos.

Para resumir e para desenhar algumas lições que outros da indústria de construção possam achar úteis, aqui está no que nossa abordagem a cada novo projeto implica:

  1. Trabalhe com segurança – limpe o local e torne a segurança de todos uma prioridade para que você possa olhar para o trabalho e identificar o desperdício.
  2. Certo da primeira vez – aprenda a enxergar defeitos em vez de passá-los ao próximo e pare no primeiro sinal de desvio. Você também deve trabalhar para transformar a mentalidade de sua empresa e começar a receber problemas de braços abertos (pergunte “por que um problema aconteceu?” em vez de “quem é culpado por isso?”), desenvolvendo as habilidades de solução de problemas de seu pessoal.
  3. “Terminado e despachado” – valorize o trabalho finalizado mais do que o trabalho em progresso. Aumente a estabilidade de seus processos e reduza o “tamanho dos lotes”.
  4. Acelere o fluxo dos setores – valor não é adicionado a menos que o colaborador “toque” no prédio (pintura, perfuração, conserto e assim por diante), e cômodos vazios não são nada além de um desperdício na forma de espera. Você deve lutar para acelerar o fluxo tendo uma pessoa trabalhando em cada cômodo.

5. Diminua a pegada de carbono – solte a criatividade de seu pessoal através da solução de problemas e sempre pense em novas ideias para melhorar o desempenho ambiental de um prédio. A indústria de construção é uma grande contribuidora para o aquecimento global devido à enorme quantidade de emissão de CO2.

Publicado em 10/06/2016

Autor

John Bouthillon
CEO da PO Construction, na França

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