LOGÍSTICA E CADEIA DE SUPRIMENTOS

Logística Lean aplicada a um Centro de Distribuição – caso Antilhas

Alexandre Cardoso e Luis Bragatto
Logística Lean aplicada a um Centro de Distribuição – caso Antilhas
“Depois da tempestade, vem a bonança”. Edward Lorenz, pioneiro da teoria do caos, discordaria desse provérbio. Uma pequena alteração no estado inicial causa uma grande instabilidade nos resultados, diria ele. Nunca se presenciou uma economia mais instável do que a globalizada que temos nos dias atuais, mas, diferentemente do modelo matemático de Lorenz, podemos assumir o controle sobre essa situação. Esta é a história de como a Antilhas, empresa de grande tradição no ramo das embalagens, evitou, a partir da adoção da filosofia lean, que seus problemas lhe rendessem um exemplo vivo do efeito borboleta.

A grande bola de neve

À beira da maior revolução tecnológica da história, é fundada, em 1989, a Antilhas. Com seu foco voltado sempre para a inovação, a empresa logo se tornaria um destaque no ramo das embalagens. Apesar de o lean ainda não ser uma realidade nessa época, muitos de seus conceitos já faziam parte da empresa. O just-in-time, por exemplo – uma ferramenta utilizada por industrias automotivas – foi implementada na Antilhas desde 1992. E o portal de pedidos por e-commerce, também é uma revolução estratégica e de organização, tradicionalmente disponível em empresas B2C e pela primeira vez desenvolvida e implementada no B2B.

Desde então, muitas conquistas foram alcançadas pela empresa, com a patente de novos produtos, como o Overbag® e as Alças Flat®. Junto, veio a conquista de prêmios e certificações o que levou à empresa ao patamar de referência na fabricação de embalagens.

Entretanto, toda companhia, seja ela grande ou pequena, precisa superar alguns desafios que se apresentam ao longo de sua jornada. Recentemente, a Antilhas, que possuía dois centros de distribuição (CDs), com 4.500 m² cada, mudou-se de uma forma muito rápida para um único CD de 15.000 m². Essa mudança, devido a sua rapidez e à grande área do novo espaço, necessitou de adequações em processos, procedimentos, mão-de-obra, no sistema e nos equipamentos.

Uma consequência inevitável disso foi o desafio que a empresa enfrentou foi manter seus prazos de entregas diferenciados.

Felizmente, a Antilhas não foi forçada a seguir esse ciclo; isso graças a algo que Lorenz não poderia prever nos anos 60, o pensamento lean. Veremos, então, como foi possível atingir tal conquista, quais passos, dificuldades e soluções fizeram parte dessa jornada.

A implementação lean – as pedras no caminho

A grande virada da Antilhas começou quando o presidente, que já conhecia o pensamento lean e utilizava alguns de seus conceitos na fábrica, decidiu solicitar ao Lean Institute Brasil (LIB) que fizesse uma avaliação quanto à possibilidade de implementação do lean em um centro de distribuição. Foi definido que um projeto piloto seria a melhor forma de começar com os trabalhos na empresa. Os primeiros resultados deveriam ser visíveis dentro de cinco anos.

Implementar o pensamento lean não é fácil. Se fosse, todas as empresas o fariam. Entretanto, a Antilhas já havia dado o primeiro e mais importante passo em direção a um ciclo infindável de melhoria contínua: a busca constante pelo aprimoramento.

Os tempos não eram os mais calmos. Coube ao gerente do LIB orientar a diretoria quanto às ações que deveriam ser tomadas, a fim de garantir uma estabilidade básica e dar às pessoas tempo para que pudessem trabalhar no plano com maior tranquilidade. Uma lista de pequenos passos foi elaborada para facilitar a gestão visual:

1) A filosofia lean prega insistentemente que devemos ter uma gestão visual e sinalizar as coisas das quais precisamos. Portanto, a Antilhas adotou um quadro de solicitação de produtos entre as áreas de separação e abastecimento. Com isso, os separadores eram capazes de sinalizar suas necessidades para os abastecedores sem precisar “correr atrás” deles.

2) Pensando na clara visualização dos problemas encontrados, foi estabelecido um quadro de apontamento desses problemas, que permitia aos separadores que colocassem suas observações quanto às ocorrências diárias, que seriam posteriormente abordadas pela liderança.

3) O abastecimento da separação era um tanto quanto caótico. Foi determinado que um abastecedor faria uma caminhada na linha de separação (o gemba da área de abastecimento) e identificaria os produtos com estoque limitado, solicitando, então, que fossem reabastecidos por meio de uma etiqueta do produto colocada no quadro de solicitação de produtos.

4) Outra visualização importante é a da produção – devemos enxergar claramente em qual direção a produtividade de nossa empresa está indo e tomar as medidas necessárias. Para tanto, foi colocado um quadro que acompanharia a quantidade de itens separada por colaborador – dessa forma, era possível observar qual era a produção atual e estabelecer metas para melhoria.

Essas quatro ações, embora também tenham melhorado sutilmente o nível de entregas dentro do prazo, tinham como maior objetivo liberar tempo para que os colaboradores pudessem se dedicar ao plano de implementação do pensamento lean.

A partir desse momento, a empresa estava apta para seguir em frente. Com ciclo de melhoria contínua, a empresa já começou a enxergar os benefícios que a implementação do lean traria para seus processos e para seus resultados.

Assim como em uma partida de futebol, onde o aquecimento é necessário para evitar lesões posteriores, essa primeira parte do plano da Antilhas era uma garantia de que as fases futuras do processo não acarretariam mais problemas devido a uma falta de preparação. Com os jogadores já aquecidos, é hora de dar o pontapé inicial (o kickoff).

kickoff

Após estabelecido o planejamento básico, com as responsabilidades de cada integrante da equipe definidas, as metas do projeto e o cronograma preliminar arranjados, o plano estava pronto para continuar para a próxima etapa, o kickoff.

A palestra de kickoff é um momento no qual todos os integrantes da equipe, desde os operadores no nível de chão de fábrica até a alta administração, reúnem-se para discutir os problemas que enfrentam no dia a dia e as possíveis soluções. É um momento importante em qualquer jornada de implementação lean e é vital que haja engajamento de todas as partes envolvidas. Os colaboradores da fábrica, aqueles que fazem o trabalho real, são excelentes fontes de insights, pois conhecem o trabalho como mais ninguém. Os líderes, os gerentes e a alta administração devem estar disponíveis para apoiá-los e escutá-los. Aqui a implementação entrou de fato em vigor.

Os passos da implementação

Mapeamento do fluxo de valor Mapeamento do fluxo de valor

Figuras 1 e 2: Mapeamento do fluxo de valor

Solucionados todos os quesitos da palestra de kickoff, a equipe estava pronta para iniciar sua primeira atividade, o mapeamento do fluxo de valor.

O mapeamento do fluxo de valor é uma importante e poderosa ferramenta, a “direcionadora da transformação lean”. A partir dele, somos capazes de enxergar o fluxo inteiro e esboçar o estado futuro desejado. No caso da Antilhas, o fluxo de valor abrangia desde a entrada do pedido por parte do cliente até a entrega do produto.

A fim de mapear o fluxo de valor da melhor forma possível, foram realizadas caminhadas pelo gemba, que servem para que possamos enxergar com nossos próprios olhos o que está acontecendo no local onde o verdadeiro trabalho de criação de valor acontece. Durante a caminhada, a equipe anotava todas as informações que podiam, a fim de tornar seu mapa o mais preciso possível. Assim ficaram o mapa do estado atual e o mapa do fluxo de valor no setor de varejo da Antilhas:

Mapa Estado Atual

Figura 3: Mapa do estado atual da Antilhas (varejo) feito à mão

Mapa final do fluxo de Valor

Figura 4: Mapa final do fluxo de valor da Antilhas (varejo)

A fim de possibilitar o desenho do estado futuro, a equipe precisava agora juntar todas as informações anotadas durante sua caminhada pelo gemba, analisar os problemas e propor contramedidas.

Em primeiro lugar, a equipe resolveu reunir os problemas encontrados nos processos e expô-los visualmente para todos. Para facilitar a visualização e a análise, os problemas foram divididos por setor, conforme abaixo expostos:

Separação

1. Faltava abastecimento na LP (linha de picking, ou linha de separação).
2. Faltavam materiais.
3. Havia demora na separação.

Carregamento

1. A volumetria era disponibilizada com praças misturadas.
2. Faltava ou excedia volume.
3. Faltava mão-de-obra.

Recebimento

1. Faltava programação para o carregamento da carreta.
2. A liberação do motorista ocorria antes do término da conferência.
3. Havia dois conferentes, porém somente um descarregava (faltava trabalho padronizado).
4. O armazenamento de paletes era feito sem conferência.

Fluxo da informação

1. Só havia um horário de corte de faturamento por dia (às 17h).
2. Havia uma demora na liberação de crédito de até quinze horas.
3. Havia um sistema de produção empurrada.

Com a situação atual descritas e visíveis, seria possível pensar em contramedidas para que o mapeamento do estado futuro pudesse ocorrer. Após reunirem-se, analisarem o quadro do estado atual e discutirem sobre as possíveis ações a serem tomadas, os membros da equipe chegaram às seguintes contramedidas:

Separação

1. Implementar um sistema kanban para o abastecimento.
2. Mudar a linha de picking para os corredores (debaixo do estoque).
3. Implementar um gerenciamento de hora a hora por separador.

Carregamento

1. Ordenar a separação por transportadora e por rota.
2. Implementar o FIFO (do inglês, first-in-first-out) entre os setores de separação e abastecimento.
3. Implementar o trabalho padronizado.

Recebimento

1. Implementar uma agenda de recebimento para as carretas.
2. Implementar o trabalho padronizado para descarga/conferência e armazenagem.
3. Implementar o trabalho padronizado para a carga da carreta na fábrica.
4. Implementar o FIFO entre a descarga/conferência e a armazenagem.

Fluxo da informação

1. Implementar dois horários de corte de faturamento por dia (às 12h e às 17h).
2. Agilizar a liberação de crédito sem comprometer a qualidade.
3. Implementar o sistema puxado com a fábrica.

Após propostas, discutidas e definidas as contramedidas acima, o próximo passo para a Antilhas era desenhar o mapa do estado futuro. Assim fizeram o mapeamento:

Mapa Estado Futuro

Figura 5: Mapa do estado futuro da Antilhas (varejo)

Tendo definido os estados atual e futuro, a equipe deveria seguir agora para o próximo passo, o A3.

A3 Antilhas

Figura 6: A3 da Antilhas

O A3 é a ferramenta que vai unir tudo que foi feito até este momento, possibilitando a visualização de todos os elementos necessários para uma transformação lean em apenas uma folha de papel de tamanho A3 (daí o nome).

O A3 consiste de sete partes principais: o contexto da empresa, o estado atual (que já havia sido definido), os objetivos e as metas, a análise das causas dos problemas enfrentados (já diagnosticadas pela equipe), as contramedidas propostas (que levarão ao desenho de um mapa do estado futuro), o plano de ação (quais ações serão tomadas e quando serão tomadas) e um acompanhamento através do PDCA (plan-do-check-act), que irá verificar o andamento do plano de ação.

Seguindo o A3 da Antilhas, é possível perceber que as primeiras cinco partes já haviam sido realizadas. Faltava agora apenas definir e pôr em prática o plano de ação e acompanhar através do PDCA.

Resultados – a inversão de uma tendência

Como vimos aqui, a Antilhas passou por um momento delicado em sua história (e que empresa não passa?) e o futuro passou a brilhar sob a ótica de uma nova gestão – a gestão lean. Obviamente, não acabou ainda. O intuito do lean é melhorar continuamente, ou seja, trata-se de um ciclo que não se acaba, mas os resultados obtidos em tão curto espaço de tempo revelam uma perspectiva otimista para a empresa. Os principais resultados foram (até agora):

Dados Antilhas

Além de todos os dados acima expostos, há aqueles benefícios que não se pode observar por meio de números, mas que ficam claramente visíveis quando visitamos e conversamos com o pessoal da empresa:

• Em primeiro lugar, o engajamento do pessoal aumentou drasticamente conforme os resultados positivos apareciam; isso facilitou para que a transformação lean fosse cada vez mais intensa.

• Hoje, na Antilhas, os processos são todos padronizados, facilitando a gestão e o acompanhamento.

• Existe hoje, na empresa, um padrão de treinamento para as pessoas, tornando o processo mais simples e significativo.

• A alta administração recebe informações on-time sobre o que acontece na operação (há relatórios horários, diários, semanais e mensais).

• Como consequência de as informações serem recebidas na hora, os gerentes e líderes ficam cientes dos problemas que estão acontecendo na empresa em no máximo uma hora, agilizando o processo de solução.

• O espaço do CD está visivelmente mais organizado do que antes, melhorando o fluxo de pessoas e a localização dos materiais.

• Foi criada uma cultura de iniciativa e proatividade, na qual os colaboradores do chão de fábrica espontaneamente sugerem ideias, muitas das quais são aproveitadas; não há medo de retaliação por parte da gestão.

Dificuldades durante a implementação

O engajamento do pessoal na transformação lean é uma das tarefas mais árduas, e, na Antilhas, não foi diferente. A princípio, os colaboradores enxergavam a implementação lean apenas como um trabalho extra para eles e não conseguiam visualizar os benefícios que ela traria para seu próprio serviço.

Nesse momento, é indispensável a participação ativa dos líderes, dos gerentes e da alta administração. Líderes participativos, preocupados com o trabalho de seus colaboradores e empáticos são necessários para superar essa barreira. Felizmente, os líderes da empresa entendiam sua importância durante o processo. Participando de todas as reuniões, eles demonstraram aos colaboradores que também estavam “all-in” no processo, passaram sua energia e viram o engajamento aumentar exponencialmente.

Próximos passos – uma visão do futuro

A Antilhas obteve conquistas importantes até agora, entretanto seria um erro estagnar e esperar até que a competição a alcance. Há muito ainda por se buscar, e os resultados podem ser ainda mais expressivos.

Uma nova ferramenta está sendo introduzida na empresa, o hoshin kanri. Também conhecido como desdobramento da estratégia a partir de um norte verdadeiro.

Agora estamos em um momento no qual a Antilhas busca a expansão do lean para o outbound, para a saída de seus materiais. Tudo o que foi alcançado no inbound, na entrada, pode ser traduzido para sua contraparte também, e a empresa está totalmente engajada nessa nova etapa de sua jornada. Os primeiros passos já foram dados, e o primeiro A3 para o outbound já foi desenvolvido:

A Antilhas mostrou como é possível sair da areia movediça e pisar em terra firme. A empresa demonstrou que é preciso muita coragem, iniciativa, força de vontade e humildade de admitir seus problemas para alcançar o sucesso, mas que ele é possível. A filosofia lean é a agulha que apontará sempre para o norte verdadeiro. Cabe a nós decidirmos se a iremos seguir ou se terminaremos perdidos no sul, longe do nosso propósito.

Publicado em 18/05/2016

Autores

Alexandre Cardoso
Gerente de Projetos Lean e desenvolve materiais relacionados ao lean nas áreas de operação, logística e vendas para empresários e gestores. Autor dos livros: "Logística Lean em Centros de Distribuição" e "Uma vida sem desperdício".
Luis Bragatto
Gerente Executivo de Logística da Antilhas Embalagens

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