Não há dúvida de que cada um desses métodos contribuiu para melhorar o desempenho organizacional em diversos setores. No entanto, quando as organizações aplicam ferramentas sem uma compreensão clara do problema que elas precisam resolver ou as utilizam apenas por princípio, de forma rígida, sua eficácia pode se perder rapidamente.
A adesão dogmática a um processo, em vez de uma adaptação cuidadosa, pode transformar o que antes era uma solução poderosa em um ritual vazio. O segredo para o sucesso duradouro não está no uso cego de uma ferramenta, mas sim em avaliar criticamente sua adequação ao contexto único da organização e, a partir disso, moldá-la para resolver desafios reais.
Para esta publicação, exploramos o estado atual do Ágil — o principal método de gestão no desenvolvimento de software — em conversas com líderes e profissionais experientes e respeitados do setor de tecnologia. Em resumo, eles estão cada vez mais preocupados com a forma como o Ágil vem sendo praticado atualmente. Rituais vazios, jargões obscuros e sem sentido, combinados com aplicações questionáveis promovidas por consultores comprometidos de forma excessiva com a abordagem, fizeram com que as práticas ágeis se tornassem uma sombra sem vida do que um dia se propuseram a ser. Como consequência, muitos profissionais da comunidade sentem-se frustrados e desiludidos, e têm iniciado uma jornada de experimentação e descoberta, numa tentativa genuína de encontrar um caminho melhor. E isso é positivo. Na verdade, isso é muito positivo.
Mas o problema não está no Ágil em si. Vale lembrar que o Ágil (e o Extreme Programming) surgiu como uma contramedida brilhante ao processo waterfall (cascata) — ineficaz e exaustivo — que o precedeu. O verdadeiro problema está na forma como o Ágil vem sendo implementado de maneira irrefletida e, muitas vezes, excessivamente dogmática. Algumas organizações o tratam como uma atualização automática a ser instalada, outras como uma espécie de culto, que exige um juramento de fidelidade eterna. Francamente, o mesmo pode ser dito sobre metodologias como Lean, TQM, design thinking e tantas outras tecnologias e abordagens poderosas. Quando essas práticas são defendidas por pessoas demasiadamente apegadas a um único conjunto de ferramentas, que muitas vezes não têm experiência em design, desenvolvimento ou manufatura e que nunca lideraram equipes nesses contextos, existe um risco real de que o método se torne tanto o meio quanto o fim em si mesmo. Pior ainda, abordagens excessivamente dogmáticas podem, na prática: reforçar os silos organizacionais, aumentar as diferenças entre áreas e inibir a colaboração e a comunicação transversal, que são essenciais para o desenvolvimento de produtos de excelência.
Para mim, tudo isso me lembra uma citação do Bruce Lee (possivelmente inspirada no budismo) no filme Operação Dragão. Lee diz a seu aluno, enquanto lhe dá um leve tapa na cabeça: "É como um dedo apontando para a lua. Não se concentre no dedo, ou você perderá toda aquela glória celestial." Mesmo os melhores mestres e ensinamentos são apenas dedos apontando o caminho. Cabe ao praticante trilhar seu próprio percurso.
Um pouco menos de dogma e um pouco mais de reflexão pode ser exatamente o que evita que você leve uma surra.
Desculpe continuar recorrendo às artes marciais como analogia. Mas muito do que leio hoje em dia vindo de defensores fervorosos de diferentes metodologias me lembra as discussões sem sentido que eu ouvia quando era criança e praticava boxe — debates sobre qual estilo de luta era o melhor no combate corpo a corpo. Um dizia caratê, outro falava boxe, outro, ainda, defendia a luta olímpica ou o Muay Thai. Como os praticantes de uma arte quase nunca enfrentavam os de outra, os argumentos eram tão intermináveis quanto inúteis. Aí veio o UFC e a família Gracie, que praticava o Vale-Tudo no Brasil — uma forma de combate sem restrições, que realmente colocava à prova as habilidades de cada lutador. Quando eles enfrentavam adversários limitados por crenças dogmáticas sobre seu próprio estilo, não havia competição real. Royce Gracie derrotava regularmente oponentes maiores e mais fortes, porque o que importava não era o estilo, nem o grau da faixa preta. O que importava era o desempenho real, em um ambiente altamente competitivo.
Felizmente, com o tempo, os lutadores perceberam que precisavam estar preparados para lutar em todo tipo de situação — em pé, trocando golpes; em quedas ou no chão, em luta agarrada. Eles desenvolveram um conjunto de habilidades e um sistema flexível, adaptado ao contexto da luta e também às características físicas e mentais de cada um. Um lutador mais lento, com mais de 110 quilos, vai precisar de uma estratégia completamente diferente da de um peso leve super rápido. Os melhores lutadores não apenas copiaram os Gracie — eles aprenderam com eles. E então adaptaram o que aprenderam, combinaram com técnicas de outros estilos e criaram seu próprio caminho.
E na indústria
A primeira vez que deparei com algo assim foi quando atuava como diretor de engenharia na Ford. Eu havia acabado de retornar de três anos de pesquisa sobre o sistema de desenvolvimento de produtos da Toyota, somados a vários anos como líder sênior em um fornecedor de primeiro nível. Estava cheio de ideias sobre como melhorar o desempenho da Ford. Foi então que ouvi pela primeira vez: "Esse negócio da Toyota não vai funcionar aqui." Inicialmente, achei que era só mais uma variação do clássico "aqui a gente não faz assim" ou uma típica postura de ‘não foi inventado aqui’. Mas, depois de muita autorreflexão e alguns experimentos fracassados, percebi que seria necessário adaptar aquelas ideias poderosas àquela realidade específica. Desde então, essa tem sido a minha abordagem. Entendi que esse trabalho não é um simples copiar e colar. Muito menos uma instalação automática como se fosse um software. Adaptar esses conceitos e implementá-los de forma verdadeiramente eficaz, naquela organização, naquele momento, era o verdadeiro trabalho — e, curiosamente, também o verdadeiro aprendizado.
Como COO da Rivian, vivi algo semelhante — embora de forma um pouco mais sutil. Tivemos a sorte de atrair profissionais brilhantes de diversas organizações, como Apple, Tesla, Ford, Toyota e McLaren, para citar apenas algumas. E, como tínhamos infraestrutura operacional muito limitada, não havia um jeito claro ou padronizado de fazer praticamente nada. Naturalmente, as pessoas começaram a recorrer ao que faziam em suas empresas anteriores. Isso gerou o caos. Teria sido mais rápido e conveniente simplesmente escolher um modelo existente. Afinal, todas essas eram empresas de sucesso. Mas, com base na minha experiência anterior, eu sabia que precisávamos resistir a essa tentação.Mesmo que levasse mais tempo, precisávamos voltar aos princípios fundamentais. Precisávamos usar nossas experiências anteriores como referência, sim — mas para criar o “jeito Rivian” de fazer as coisas. E isso começava com pensamento crítico sobre quem éramos e quem queríamos ser.
Pensamento crítico, experimentação e aprendizado
Um plano de melhoria eficaz começa com um “período de estudo” para compreender profundamente a situação atual. Qual é o gap entre onde você está e onde deseja chegar? É preciso fazer uma avaliação cuidadosa, contrastando sua realidade com a visão do que é possível alcançar. Isso leva a um diagnóstico preliminar, que deve vir antes da prescrição. A partir desse conhecimento, elabore seu plano inicial. Depois — sim, com certeza — busque referências externas: leia, estude outras organizações e métodos, procure professores e especialistas que possam ajudar. Trabalhe para preencher suas lacunas de conhecimento. Esse conhecimento e essa orientação serão essenciais para você e sua equipe nessa jornada.
Assim como os lutadores de MMA, não copie — aprenda. Aprenda com experiências externas à sua organização, mas, acima de tudo, aprenda com os experimentos dentro da sua própria organização. O que funciona para sua equipe? O que gera novo valor real para seus clientes? O que cria o melhor ambiente possível para as pessoas? Em outras palavras: qual é a estratégia sob medida para sua organização, considerando os desafios que você enfrenta? O que levará você e sua equipe às melhores soluções possíveis?
Mais uma última coisa: pode até parecer evidente, mas me sinto na obrigação de destacar que isso não é algo pontual. É um processo contínuo. Você precisa evoluir e melhorar constantemente para se manter competitivo. Como uma pessoa sábia uma vez me disse: "O negócio dessa história de melhoria contínua é que... ela nunca parece ter fim." E de fato, não tem mesmo.
(...)
Acho que vou encerrar este texto com mais uma citação do Bruce Lee, que se aplica tanto ao que ensino quanto a qualquer outra área. É uma frase que costumo usar ao final das minhas palestras: "Adapte o que for útil, descarte o que não for e adicione o que é exclusivamente seu." O desafio é exatamente esse: descobrir o seu próprio caminho, aprender com os outros, experimentar princípios e práticas comprovadas, mas, no fim das contas, criar algo que seja verdadeiramente seu. Embarque em uma jornada de investigação honesta, experimentação e aprendizado.
Faça do seu jeito. E boa sorte!