LOGÍSTICA E CADEIA DE SUPRIMENTOS

Lean na farmácia e logística hospitalar: um case inspirador do Hospital Sírio-Libanês para a melhoria contínua

Daniel Felipe de Oliveira e Fred Soares dos Santos
Lean na farmácia e logística hospitalar: um case inspirador do Hospital Sírio-Libanês para a melhoria contínua
Saiba como o Hospital Sírio Libanês em Brasília tem reduzido desperdícios nos estoques e promovido o engajamento das equipes de farmácia e logística para a excelência operacional

A logística é parte fundamental da operação hospitalar. Sem uma gestão eficiente do todo, inclusive da logística, não é possível melhorar a qualidade do serviço de saúde. Os desperdícios decorrentes do vencimento de medicamentos, materiais descartáveis e OPME (Órteses, Próteses e Materiais Especiais) impactam diretamente os custos, desafiando o equilíbrio entre o nível de serviço prestado e a viabilidade financeira. Este artigo descreve como uma equipe focada na melhoria das operações de farmácia e logística, utilizando a prática do pensamento Lean, conseguiu criar um ambiente propício à melhoria contínua, assegurando a sustentabilidade e sem comprometer a qualidade — que é um princípio inegociável na saúde.

Os Desafios do Hospital Sírio-Libanês

Com mais de 100 anos de história, o Hospital Sírio-Libanês enfrenta desafios contínuos na busca por excelência operacional e sustentabilidade financeira. A unidade hospitalar de Brasília registra uma perda mensal média de 0,5% do valor estocado devido ao vencimento de produtos, como medicamentos, materiais descartáveis, itens importados e Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME). Essa perda percentual tem crescido ao longo dos anos: partindo de 0,31% em 2019 até 0,67% até o momento em 2024. Esse é um desafio significativo para a instituição, que, a cada milhão de reais gasto em armazenagem, perde 5 mil com desperdícios operacionais. O problema se agravou com o crescimento do estoque e um aumento de mais de 300% no número de pacientes atendidos entre 2019 e 2024. Além disso, a unidade precisa estar sempre preparada para atendimento de casos clínicos de alta complexidade, sendo um hospital geral de referência no sistema de saúde.Atualmente, a instituição está focada na redução de custos e na reavaliação do fluxo de aquisição, ainda influenciado pela “superestocagem” implementada durante a pandemia, que visava evitar rupturas de abastecimento e garantir a segurança dos pacientes.

Conhecendo o Complexo Hospitalar de Brasília

O Hospital Sírio-Libanês é reconhecido por diversas certificações internacionais, incluindo JCI (Joint Commission International), World’s Best Hospital, QOPI (Quality Oncology Practice Initiative), GPTW (Great Place to Work), além das normas ISO 14.001 e ISO 45.001. Essas acreditações destacam o compromisso do Hospital com a sociedade, evidenciando o empenho na promoção de uma vida plena e digna. Elas avaliam a segurança do paciente, a qualidade dos cuidados, a adequação da infraestrutura e a eficiência na gestão e operações, entre outros aspectos.

Em 2023, a operação de Brasília realizou mais de 7 mil internações e 4 mil cirurgias, além de atender quase 27 mil pacientes no Pronto Atendimento e mais de 14 mil no Centro de Oncologia. Foram realizados cerca de 570 mil exames ao longo do ano, com o apoio de uma equipe de 1.326 colaboradores. A unidade possui 63 leitos de internação, seis leitos exclusivos para Transplante de Medula Óssea (TMO), 25 leitos críticos, cinco salas cirúrgicas e 24 boxes para tratamento oncológico, além de um corpo clínico de 659 médicos.

Para atender a essa significativa demanda, o complexo hospitalar conta com um centro de distribuição externo, a 30 km de distância, utilizado para o abastecimento extra-hospitalar e um almoxarifado interno para abastecimento intra-hospitalar. Além disso, possui uma rede interna de farmácias especializadas em diferentes tipos de insumos hospitalares, atendendo às necessidades específicas de cada setor:

• A farmácia do centro cirúrgico é responsável pelo fornecimento de OPME para cirurgias de alta complexidade, incluindo procedimentos robóticos;
• A farmácia central gerencia kits com medicamentos e materiais para procedimentos, além de monitorar e reabastecer dispensários eletrônicos, garantindo agilidade à equipe assistencial;
• A farmácia do Centro de Diagnóstico e Imagem abastece “carrinhos” de procedimentos e fornece itens de OPME para determinados procedimentos;
• A radiofarmácia produz eluições com radiofármacos para tratamentos e diagnósticos;
• A farmácia oncológica manipula medicamentos de alto custo e risco ocupacional, assegurando a segurança e eficácia no tratamento de pacientes;
• O almoxarifado realiza o atendimento intra-hospitalar dos demais itens necessários à operação.

A UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e o Pronto Atendimento utilizam dispensários eletrônicos, substituindo a necessidade de farmácias físicas. Essa abordagem oferece um melhor custo-benefício para a instituição, eliminando a necessidade de espaço e ativos associados a uma farmácia hospitalar tradicional, além de reduzir despesas com pessoal, já que esses dispensários estão disponíveis 24 horas por dia. No entanto, a logística de abastecimento requer cuidados especiais, haja vista que esses dispensários são a única fonte de estoque imediatamente acessível para a assistência hospitalar.

Para garantir um abastecimento eficiente, a frequência de reposição é alta e o espaço interno bem-organizado, o que permite um reabastecimento ágil e um controle eficaz, semelhante a um pit stop da Fórmula 1. Enquanto o dispensário está sendo reabastecido, o equipamento fica temporariamente fora de serviço para as demandas assistenciais.

Esse processo já evoluiu significativamente: o tempo de reabastecimento reduziu de duas horas para apenas 15 minutos. Contudo, a operação logística enfrenta desafios significativos para manter-se sustentável, segura e eficiente, especialmente considerando a complexidade dos serviços prestados.

Seguindo a lógica de Art Smaley em seu livro “Os 4 Tipos de Problemas”, esses desafios podem ser classificados em quatro categorias principais:

   1. Contenção: Relaciona-se com relatórios que monitoram itens com validade próxima, baseado na movimentação dos estoques, evitando a redundância na checagem física e a presença de produtos vencidos disponíveis para uso;

    2. Desvio do padrão: Refere-se à falta de verificação física mensal dos insumos prestes a vencer nos estoques, tanto centralizados quanto periféricos;

    3. Condição alvo: Envolve o projeto de estoque-lote, que tem como objetivo atualizar o sistema com a validade dos produtos em tempo real, mostrando sua localização e data de validade, especialmente para itens de alto custo;

    4. Inovação: Envolve o desenvolvimento de novos indicadores no sistema de gestão, tal como o de otimização, que visa demonstrar melhorias — o que deixou de ser perdido (vencido).

Esses problemas exigem soluções capazes de assegurar tanto a eficiência quanto a qualidade dos serviços oferecidos. Os desafios de desabastecimento frequentemente se misturam com a falta de eficiência dos sistemas de controle de validade. Um item que, inicialmente, teria um saldo suficiente para 20 dias e não seria considerado crítico, pode rapidamente se tornar um problema se houver uma baixa súbita no estoque, especialmente em um grande ambiente hospitalar, o que pode gerar risco assistencial se não controlado.

Equilibrar o nível de serviço desejado pela instituição, atualmente fixado em 97%, com a meta de manter perdas abaixo de 0,3% do volume estocado — que impacta diretamente os custos com medicamentos — é um desafio significativo. Para alcançar esse equilíbrio, é fundamental considerar o impacto do turnover e do absenteísmo na equipe de auxiliares, que aumentam as despesas com pessoal e geram dificuldades operacionais nas rotinas diárias.

Isso torna a busca por eficiência operacional e responsabilidade financeira ainda mais complexa, ressaltando a importância de processos simples, bem-organizados e que demonstrem respeito à equipe.

Resolvendo o problema das perdas por vencimento

Identificando o problema no aumento das perdas por vencimento, observado no primeiro quadrimestre de 2024 (com uma perda de 0,61% do estoque), e comparando com o resultado dos últimos anos (ex. 0,53% em 2023), a equipe da farmácia e logística se motivou a buscar uma solução inovadora. Junto à liderança, decidiram adotar a abordagem lean para tratar o problema, seguindo a lógica de solução de problemas do Pensamento A3.

O hospital já apresenta diversas iniciativas corporativas utilizando a prática do pensamento Lean, tais como o Lean nas Emergências (Proadi SUS) e o mapeamento da cadeia de medicamentos para reduzir atrasos na administração de medicações pela equipe assistencial. Dessa forma, a equipe de melhoria contínua do hospital se uniu para explorar a prática lean não apenas como uma ferramenta, mas como uma filosofia de trabalho. Promovendo o trabalho em equipe e a liderança com respeito, toda a equipe vem se tornando mais engajada.

Para enfrentar as perdas por vencimento, foi formada uma equipe lean composta por farmacêuticos, analistas de estoque e auxiliares de almoxarifado e de farmácia. A superintendência e direção também estiveram envolvidas, patrocinando cursos especializados e oferecendo treinamento interno. A cultura organizacional, embora lentamente, começou a se transformar com um foco renovado na redução de desperdícios.

No entanto, os stakeholders envolvidos foram além dessas funções. O problema identificado, abordado com a ajuda do Diagrama de Ishikawa, revelou-se multifacetado, envolvendo várias comissões como a de Farmácia e Terapêutica (CFT), a de Padronização de Materiais (CPM) e o Comitê de Terapia Medicamentosa (CTM). Essas comissões analisam desfechos clínicos, eventos como “near miss” (quase erro) e incluem médicos, nutricionistas, fisioterapeutas, administradores e farmacêuticos. A diversidade de conhecimentos e experiências foi fundamental para alcançar os melhores resultados.

O Diagrama de Ishikawa também permitiu analisar o processo sob diversas perspectivas, ajudando a identificar as possíveis causas para o problema. Durante uma reunião com a equipe lean de trabalho, foram realizadas perguntas exploratórias e identificadas oportunidades de melhoria. Cada membro teve a chance de se expressar, e um ambiente com segurança psicológica foi estabelecido, onde todos, independentemente de sua posição hierárquica, sentiram-se à vontade para apontar falhas que observavam em suas rotinas diárias.

Inicialmente, foram identificadas 25 causas potenciais. No entanto, durante o processo de mentoria do projeto, realizado com o Lean Institute Brasil, as causas foram classificadas, sendo priorizadas 17 a seguirem para uma análise mais aprofundada.

No processo de estruturação do projeto de melhoria, as etapas metodológicas do “lado esquerdo” do Formulário A3 destacam a importância de compreender claramente um problema para se encontrar uma solução eficaz. A célebre frase de Charles Kettering, “um problema bem definido é um problema quase resolvido”, serviu como um poderoso motivador para aprofundar o diagnóstico do problema.

“Um problema bem definido é um problema quase resolvido.”

Utilizando dados de perdas dos últimos cinco anos e aplicando o Princípio de Pareto1 para garantir um direcionamento de esforços de forma significativa e assertiva, o processo logístico foi diagnosticado, e o fluxo da operação foi mapeado com a ferramenta Makigami. Esse mapeamento revelou etapas que poderiam ser eliminadas e identificou gargalos que, embora indiscutíveis, não eram inicialmente visíveis. Com essas informações, foi possível aprofundar a análise até se identificarem as causas raízes.

Após a conclusão da análise e entendimento do problema, foi iniciado o “lado direito” do Formulário A3. Embora ainda houvesse muitas causas identificadas, cada uma com sua própria importância, foi necessário classificá-las no sentido de orientar a prioridade das ações. Para isso, uma Matriz de Esforço vs. Impacto foi elaborada de forma conjunta pela equipe do projeto, e cinco causas principais foram priorizadas para serem tratadas em função de baixo esforço e alto impacto.

Em seguida, para cada causa identificada foi atribuída uma contramedida específica. Durante esse processo, identificou-se que algumas contramedidas poderiam ser agrupadas: implementar uma delas também impactaria as outras. Assim, um total de 14 contramedidas foram listadas e organizadas em duas etapas de acordo com a Matriz de Esforço vs. Impacto: ganhos rápidos (quick wins) e soluções de médio prazo. A segunda etapa (médio prazo) ficou condicionada à conclusão da primeira (ganhos rápidos).

Ato contínuo, foram estabelecidos cronogramas de entrega baseados na disponibilidade da equipe e responsáveis foram designados para cada ação planejada. Isso garantiu uma abordagem estruturada e eficiente para a implementação das contramedidas.

Progresso atual e caminhos para a melhoria contínua

Das contramedidas listadas e classificadas, foi elaborado um plano de implementação. O status geral das ações previstas está apresentado na Figura 1.

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Figura 1 —Status das ações por etapa de implantação

Um dashboard de indicadores do projeto foi desenvolvido para permitir o monitoramento dos resultados (Figura 2). Ele apresenta informações sobre o percentual de perda mensal, o percentual de produtos otimizados (aqueles que passaram por ações preventivas para evitar o vencimento) e um comparativo com a meta de perda estipulada, todos em comparação com o valor de saldo em estoque médio do mês.

A valorização da otimização de estoque foi uma estratégia adotada pela equipe para demonstrar o impacto das ações realizadas até o momento e como a ausência delas resultaria em um aumento no percentual de perdas (Figura 3), o que levaria a dobrar a média de perda em comparação com 2023. Na continuidade do projeto, com a implementação das demais ações, espera-se que o percentual de produtos vencidos se estabilize dentro da meta estabelecida e as ações de prevenção permaneçam ativas, mitigando os riscos.

Outras ações de baixo esforço e alto impacto foram priorizadas, como aprofundamento do 5S (sensos de utilização, organização, padronização, limpeza e disciplina); apresentação de indicadores à equipe operacional; criação de um relatório de movimentação de estoque com controle de validade, permitindo um duplo check nos processos de retirada ou envio de itens prestes a vencer; gerenciamento diário utilizando um checklist de atividades prioritárias da rotina; e, por fim, mudança do processo de etiquetagem de itens prestes a vencer.

Também foram estruturadas contramedidas relacionadas às ações de alto impacto e alto esforço listadas na Matriz de Esforço vs. Impacto. Apenas uma está concluída: a redução de três etapas no processo mapeado no Makigami, o que deixou o trabalho mais ágil. Três outras estão em andamento e com cronograma de entrega previsto para 2024: a melhoria na integração entre GTPlan (software de planejamento) e Tasy (software de gestão hospitalar), que visa otimizar as operações de estoque e permitir uma melhor análise do consumo, distinguindo consumo de transferência; a melhoria de relatório de previsão futura para medicamentos de alto custo vinculados a protocolos oncológicos e integrada ao GTPlan, que muda a forma estatística para previsão de compras; e o projeto “estoque lote”, que busca proporcionar visibilidade ao sistema Tasy para o monitoramento da validade dos produtos, eliminando a necessidade de ir até o local de armazenamento físico para verificar as datas de validade. Esses avanços refletem a complexidade e a dificuldade de implementação dessas ações, que frequentemente requerem patrocínio, seja financeiro ou de influência, para sua priorização.

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Figura 2 — Dashboard de monitoramento de resultados
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Figura 3 — Projeção das perdas de vencimento sem a execução das ações preventivas de otimização

Apesar de não ter atingido ainda o resultado alvo do percentual de vencidos, a visão compartilhada de melhoria contínua e a prática do Gerenciamento Diário têm contribuído significativamente para um maior engajamento e compreensão da realidade da operação. As análises anteriormente realizadas foram revistas sob a lógica do PDCA, e os principais motivos de vencimentos foram novamente identificados e reclassificados. Isso tem possibilitado explorar ações que antes eram consideradas de baixo impacto e alto esforço, mas que agora podem ser priorizadas. Entre essas ações, está a proposta de estabelecer sugestões de novos padrões para as comissões (CFT e CPM) com base no histórico de vencimento, ajustando-os às necessidades regionais, conforme classificação da Figura 4.

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Figura 3 — Projeção das perdas de vencimento sem a execução das ações preventivas de otimização

Aprendizados e superações

Durante as etapas de construção do projeto, observou-se que, de início, as opiniões dos membros da equipe não eram suficientemente valorizadas. A prática Lean, que enfatiza a importância de ir ao Gemba e ouvir as pessoas com respeito, trouxe uma mudança significativa. Respeitar e envolver os colaboradores na construção das soluções não só fez com que muitos processos avançassem de forma mais eficaz, mas também estimulou alguns a buscar mais aprimoramento. Atualmente, existem quatro grupos trabalhando no projeto “Melhoria Focada”, cada um com iniciativas relevantes para suas funções e alinhadas aos objetivos estratégicos da instituição.

A prática Lean é, acima de tudo, uma jornada contínua que visa não apenas a otimização dos processos (eficiência), mas também o engajamento das pessoas na melhoria contínua até se atingir (eficácia) os objetivos estabelecidos – muitas vezes revisados para melhor. Ao envolver todos os colaboradores no processo de melhoria, o Lean promove um ambiente colaborativo e dinâmico onde a eficácia se torna uma consequência natural. A jornada Lean é marcada pela busca constante de melhores práticas e resultados, onde cada pequena melhoria contribui para o alcance dos objetivos maiores da organização.

No entanto, o caminho não foi fácil. O Princípio de Pareto foi fundamental para direcionar os esforços de forma cirúrgica, atacando áreas com potencial para grandes impactos. O engajamento da equipe não ocorreu da noite para o dia: foram necessárias reuniões periódicas e uma vigilância constante para garantir que os compromissos fossem cumpridos. O Gerenciamento Diário exigiu a mesma precisão e disciplina na rotina e, mesmo com planos de ação nem sempre bem-sucedidos e algumas barreiras técnicas ou comportamentais, a cultura de qualidade e respeito ajudou a superar obstáculos. Embora algumas ações tenham ultrapassado o prazo previsto, o progresso continua sendo feito.

Alguns dos desafios logísticos enfrentados foram:
• A necessidade de alterar o local de armazenamento para atender a um lote específico para otimização de itens prestes a vencer, o que muitas vezes resultava em registros incorretos e inventários duplicados;
• A dificuldade de localização eficiente devido à restrição do sistema de informação em permitir apenas uma localização por item, o que prejudicava o manuseio por 40 auxiliares de farmácia e almoxarifado;
• Uma etiqueta de FIFO, que indicava a proximidade do vencimento, na prática causava retrabalho, pois precisava ser conferida novamente no mês seguinte, mesmo após a etiqueta ter sido aplicada até 90 dias antes do vencimento.

Esses desafios foram encaminhados com novas propostas da equipe, resultando na exclusão de três etapas do processo anteriormente mapeado pelo Makigami. A equipe amadureceu e a liderança estabeleceu processos de monitoramento rigorosos para garantir a conformidade com o novo processo, incluindo a retirada de insumos a vencer no estoque periférico até a primeira quinzena do mês e o duplo check com relatório de movimentação de insumos prestes a vencer. A localização dos itens passou a ser precisa e as etiquetas agora indicam apenas os itens que vencem dentro do mês vigente, eliminando o retrabalho.

Em resumo, a equipe “comprou a ideia” da melhoria contínua e superou a insegurança inicial, trazendo maturidade ao processo, gestão aprimorada e maior engajamento. Os principais aprendizados foram: organizar os dados; ir ao Gemba (local real) para observar como o trabalho é realizado; ouvir mais do que falar; priorizar o que traz resultados; dividir problemas complexos em partes gerenciáveis; e compartilhar os resultados com a equipe, sejam eles positivos ou negativos. Foi fundamental reservar um tempo para a reflexão (hansei), permitindo evidenciar o necessário a ser corrigido e comemorar as conquistas com a equipe.

Eficiência, colaboração e impacto

Ao refletir sobre a jornada Lean na operação logística do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, fica claro que a eficiência operacional e a qualidade do serviço de saúde precisam estar intrinsecamente ligadas para uma gestão eficaz. A ideia de que “a saúde financeira da instituição não tem nada a ver comigo” ou que “as ações da equipe de logística não impactam diretamente o paciente” já não se sustenta. Cada parte do hospital, seja na assistência direta ou na administração, é um elo essencial em um grande organismo vivo. A integração e a multidisciplinaridade são fundamentais, assim como a abordagem Lean para enfrentar os desafios contemporâneos.

Seja em organizações de saúde privadas ou públicas, não há mais espaço para a ineficiência operacional. Os problemas relacionados à perda por vencimento de medicamento, materiais descartáveis e OPME (Órteses, Próteses e Materiais Especiais) precisam de ações contundentes para solução. A tomada de consciência sobre o problema e suas causas ajuda a romper barreiras comportamentais e a envolver toda a organização em um objetivo comum de redução dos desperdícios. Isso não só melhora a eficiência e a sustentabilidade, mas também fortalece a competitividade da organização, promovendo melhores condições de trabalho, mais empregos e respeito pela comunidade.

Além disso, a segurança psicológica no ambiente hospitalar é um pilar essencial para o sucesso de qualquer transformação de gestão. Criar um ambiente onde todos se sintam seguros para expressar suas opiniões e contribuir para a melhoria contínua é vital para uma jornada de melhoria sustentável. A clareza de propósito e a conexão social são fundamentais para construir confiança e engajamento. O potencial transformador da gestão, quando aliado a práticas Lean, vai além da eficiência operacional — abrange aspectos humanos e estratégicos da liderança, fundamentais para impulsionar mudanças genuínas e sustentáveis.

Na prática, o pensamento Lean vai além de ferramentas e técnicas; é uma filosofia que promove uma profunda transformação cultural. No início, a compreensão do Lean pode parecer centrada apenas em métodos e processos, mas logo se revela uma abordagem que respeita e valoriza as pessoas, engajando-as na busca constante por melhorias. Resolver problemas torna-se não apenas um objetivo, mas uma missão compartilhada que transforma a forma como a equipe lida com desafios.

 

“No início, a compreensão do Lean pode parecer centrada apenas em métodos e processos, mas logo se revela uma abordagem que respeita e valoriza as pessoas, engajando-as na busca constante por melhorias.”

Em resumo, está claro que a jornada Lean no Hospital Sírio-Libanês não é apenas sobre otimizar processos; é sobre engajar as pessoas, construir uma cultura de respeito e colaboração, e alcançar resultados perenes que beneficiem tanto a instituição quanto a comunidade. A transformação é um caminho contínuo, e a prática do pensamento Lean tem proporcionado as abordagens e a mentalidade necessárias para trilhar esse caminho com sucesso.

Referências
• SMALLEY, Art. Quatro Tipos de Problemas: da contenção reativa à inovação. Lean Institute Brasil. São Paulo-SP, 2019.
• FERRO, J. Roberto; GOUVEIA; Robson. Gerenciamento Diário para executar a estratégia. Lean Institute Brasil. São Paulo-SP, 2022.

¹Em termos simples, o “Princípio de Pareto” consiste em dizer que 80% das consequências resultam de 20% das causas.

Publicado em 24/03/2025

Autores

Daniel Felipe de Oliveira
Head para Supply Chain e Logística do Lean Institute Brasil
Fred Soares dos Santos
Gerente de Operações no Hospital Sírio-Libanês

Planet Lean

The Lean Global Network Journal

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