CULTURA E LIDERANÇA

Liderar da linha de frente, liderar dos bastidores

John Shook
Liderar da linha de frente, liderar dos bastidores
No meu último artigo, mencionei uma visão comum dentro da Comunidade Lean – e amplamente compartilhada pelo mundo dos negócios – que promove a ideia do líder heroico, montado em seu cavalo branco, enfrentando uma situação problemática, dando ordens e salvando o dia. "O líder deve liderar", diz o ditado. Bem, sim, o líder deve liderar. Mas o que isso realmente significa?

Sobre liderança, mais uma vez

Quando você identifica uma boa liderança, siga-a, se quiser.
Se não identificar nenhuma, assuma a liderança. Se quiser.
Se não fizer isso, não reclame.

No meu último artigo, mencionei uma visão comum dentro da Comunidade Lean – e amplamente compartilhada pelo mundo dos negócios – que promove a ideia do líder heroico, montado em seu cavalo branco, enfrentando uma situação problemática, dando ordens e salvando o dia. "O líder deve liderar", diz o ditado. Bem, sim, o líder deve liderar. Mas o que isso realmente significa?

Estou cada vez mais cético em relação aos clamores por uma "liderança forte" no estilo heroico, em que o líder exerce o comando e controle, dizendo às pessoas o que fazer. Essa visão não apenas perde o ponto central, mas também obscurece a verdadeira questão. O problema não é a "liderança" em si, mas sim o que a liderança é capaz de realizar. Enquanto qualquer sistema depender da "liderança", ele será frágil e dependente – literalmente – da pessoa que estiver no comando naquele momento. Os admiradores de uma liderança carismática ou autoritária podem se incomodar com essa mensagem. Mas, com o tempo, passei a acreditar que a verdadeira questão está em aprender a construir sistemas que realmente realizem aquilo que defendemos – uma cultura de solução de problemas, indivíduos engajados na melhoria contínua, dentre outros aspectos.

A prática Lean representa um tipo de liderança fundamentalmente diferente. A liderança lean é altamente situacional na prática, mas consistente em seus princípios fundamentais; é flexível e adaptável às circunstâncias, mas firmemente enraizada em uma forma de pensar inabalável. Há momentos que exigem uma liderança mais diretiva e outros que demandam a construção paciente de consenso – sempre com o propósito de alcançar os objetivos organizacionais. No entanto, o pensamento lean na prática exige mais do que simplesmente uma liderança que oscila conforme a situação do momento. Uma análise mais profunda revela alguns denominadores comuns. Entre os comportamentos observáveis estão a demonstração de respeito pelas pessoas, a aplicação rigorosa do pensamento científico e a utilização flexível de práticas para resolver problemas e melhorar continuamente os processos. Comportamentos observáveis – ações que podemos ver e que podemos escolher praticar.

O mais importante de tudo é que a liderança lean não está ligada a um cargo, mas sim à ação. Uma ação que pode ser tomada em qualquer nível, em qualquer situação, e a liderança pode fluir de cima para baixo, de baixo para cima ou lateralmente.

 

Liderando para cima na NUMMI

Aqui está mais um exemplo daquela organização que frequentemente uso como referência: a joint venture entre a Toyota e a General Motors, a New United Motor Manufacturing, Inc. (NUMMI).

Uma das vantagens que a NUMMI (e muitas outras empresas transplantadas nos anos 1980) teve foi a alocação substancial de recursos da matriz (a cultura de origem) para impulsionar a criação de uma cultura local híbrida na América do Norte. No primeiro ano, a Toyota enviou cerca de 400 treinadores, especialistas técnicos, para a NUMMI em missões rotativas de três meses.

O group leader Hyodo foi designado para apoiar a mudança de modelo na montagem. Hyodo se formou em uma escola técnica e começou a trabalhar como operário na linha de montagem da fábrica Takaoka da Toyota quando tinha cerca de 18 anos. Após dez anos, foi promovido a Líder de Equipe (team leader), junto com a maioria de seus colegas que ingressaram na mesma época. Cinco anos depois, foi promovido a group leader, ficando responsável por um grupo de menos de 30 membros e líderes de equipe.

Na NUMMI, Hyodo assumiu a responsabilidade de apoiar o trabalho de um grupo maior e, agora, de facilitar o aprendizado necessário para garantir um lançamento bem-sucedido.

Como líder da equipe de lançamento da montagem final, Hyodo estava desenvolvendo as habilidades de seus membros enquanto trabalhava para garantir o melhor design possível das tarefas para os operários da linha de montagem. O trabalho precisava ser estruturado de forma que permitisse o desenvolvimento das pessoas enquanto o executavam – uma condição-alvo ambiciosa e um grande desafio para quem projetava o trabalho com essa capacidade!

Sua equipe de lançamento estava aprendendo a construir carros de transporte e dispositivos de fixação, a projetar um trabalho padronizado eficiente, a equilibrar e reequilibrar tarefas, eliminando desperdícios, preocupações ergonômicas e outros problemas. Hyodo não estava apenas projetando bons processos; ele estava formando bons projetistas (arquitetos) de processos e solucionadores de problemas.

Os desafios imediatos que Hyodo enfrentava estavam relacionados à própria capacidade de resolver problemas, além do desenvolvimento de habilidades em design de processos (desenho do trabalho). A NUMMI havia iniciado alguns treinamentos para aprimorar a criação de trabalho padronizado e as habilidades de resolução de problemas, mas Hyodo percebeu que esses treinamentos estavam muito distantes do gemba.

Hyodo reconhecia as boas intenções da equipe de Recursos Humanos (RH) ao oferecer esses treinamentos, mas sabia que o desenvolvimento de excelentes habilidades de design de processos exige, acima de tudo, um entendimento profundo do próprio trabalho e de como cada tarefa impacta diretamente os operadores na linha de montagem. Enquanto sua equipe executava suas atividades, Hyodo percebeu que muitas de suas ideias estavam sendo rejeitadas – às vezes por altos executivos de RH, outras vezes por gerentes seniores de produção. Ele concluiu que as áreas de RH e produção estavam desalinhadas.

Sua solução? Designar representantes de RH para atuarem em tempo integral dentro de sua equipe de lançamento. Essa foi uma jogada inteligente à primeira vista – ele conseguiria alinhamento e aprendizado direto na linha de frente da organização.

Se essa parecia uma jogada inteligente à primeira vista, ao analisá-la mais profundamente, revelou-se uma jogada brilhante. O simples fato de que nem o RH nem a produção apoiavam a proposta já indicava para Hyodo que a questão precisaria chegar aos níveis mais altos da organização. E esse era seu verdadeiro objetivo: ele estava deliberadamente provocando os níveis mais altos da empresa a discutirem o problema entre si.

Então, ele insistiu em suas ideias. Hyodo fez isso intencionalmente porque queria instigar o conflito nos níveis operacionais mais baixos, justamente porque sabia que isso forçaria os executivos seniores (vice-presidentes) a trabalharem juntos pelo bem da empresa como um todo.

Hyodo entendia os perigos de sistemas corporativos de alto nível operando de forma desconectada da realidade do gemba. Por isso, tomou uma decisão ousada: provocar conflitos diretamente no chão de fábrica com o objetivo específico de gerar tensão suficiente para forçar o diálogo entre diferentes áreas da alta liderança e impulsionar o progresso da organização.

Uau.

Um operário de chão de fábrica com educação técnica de ensino médio (e, aliás, membro do sindicato) deliberadamente introduzindo mudanças técnicas na fábrica para desestabilizar o sistema social em um nível mais amplo. Isso é liderança lean.

Não parece um exemplo típico dos modelos de liderança que muitas empresas tentam implementar. Mas, no fim das contas, é assim que a verdadeira liderança lean se manifesta: os criadores de valor na linha de frente não apenas sendo liderados, mas liderando ativamente.

Então, é exatamente isso que aquelas palavras iniciais significam: não procure liderança fora de você. Assuma a liderança.

Quando você identifica uma boa liderança, siga-a, se quiser.

Se não identificar nenhuma, assuma a liderança. Se quiser.

Se não fizer isso, não reclame.

Aprofunde-se na história de Hyodo e sua relação com o “hoshin kanri”.

 

Nota do Editor: Este artigo foi publicado originalmente em 20 de fevereiro de 2013. Ele é o segundo de uma série de seis textos focados na transformação Lean.

Publicado em 19/03/2025

Autor

John Shook
Senior Advisor do Lean Enterprise Institute

Planet Lean

The Lean Global Network Journal

Planet Lean - The Lean Global Network Journal