CONSTRUÇÃO

Como “atacar” fragilidades da média gerência na construção civil

Flávio Battaglia e Renato Mariz
Como “atacar” fragilidades da média gerência na construção civil
Quatro práticas essenciais para fortalecer a liderança, melhorar a comunicação, reduzir falhas e tornar a construção civil mais eficiente

Não são poucos os atuais desafios que a construção civil enfrenta no Brasil. Pode-se destacar, por exemplo, a persistente escassez de mão de obra. Ou a crescente competividade entre construtoras. Sem contar o crescimento significativo de clientes mais exigentes em relação a prazos, custos e qualidade. Isso tem estimulado construtoras a flertarem com novas tecnologias e metodologias para melhorar a eficiência ao longo do ciclo de vida das obras.

Nesse contexto, um desafio específico se torna cada dia mais claro: a carência de conhecimentos e habilidades sobre como gerenciar pessoas entre uma parcela significativa das lideranças do setor. Uma possível explicação é que boa parte dos líderes da atual indústria da construção não teve formação específica, nem foi preparada de modo estruturado para assumir tais desafios. Eles aprenderam no dia a dia, inspirando-se em referências pessoais ou mesmo testando hipóteses de comportamento sem muita orientação.

Talvez por isso, as práticas ao estilo “comando e controle” são recorrentes e parecem predominar. Isso gera um ambiente de insegurança que se dissemina pelos canteiros, desencorajando a comunicação aberta e a busca por soluções eficazes. Como consequência, muitos profissionais adotam comportamentos defensivos, evitando expor problemas ou tomar iniciativas que possam evidenciar falhas.

Dessa forma, perpetuam-se diversas "síndromes" recorrentes no setor da construção. Um exemplo é a chamada "Síndrome de Gabriela", inspirada na canção de Dorival Caymmi: "Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim". Essa mentalidade reflete uma forte resistência à mudança, dificultando a adoção de novas práticas e inovações que poderiam aprimorar a gestão e a eficiência no setor.

Outra síndrome comum é a "Síndrome da Reclamação sem Fim", em que os colaboradores passam grande parte do tempo se queixando sobre o funcionamento da empresa, mas sem tomar iniciativas para promover mudanças efetivas. Da mesma forma, a "Síndrome do Bode Expiatório" reflete a tendência de transferir responsabilidades, atribuindo falhas a outros setores ou indivíduos, em vez de buscar soluções conjuntas. Esses comportamentos, entre outros, criam um clima de estagnação e dificultam avanços significativos no setor.

Convivendo cotidianamente com todas essas síndromes, destaca-se a chamada média gerência”, formada por profissionais que atuam como elo entre a diretoria e a operação. Esses profissionais são decisivos para garantir que as diretrizes e especificações técnicas sejam seguidas na prática. Incluem gerentes de obras, coordenadores de engenharia, qualidade, segurança do trabalho, suprimentos e projetos. Os títulos e responsabilidades dos cargos podem variar, mas o papel dessas lideranças permanece intocado: assegurar a execução eficaz das decisões estratégicas e garantir o bom funcionamento da operação.

Diante desse cenário e da relevância da média gerência para a sustentabilidade do setor, destacamos a seguir as principais “fragilidades” que temos observado com frequência ao trabalhar com empresas da construção civil:

              1. Comunicação pouco efetiva: a média gerência frequentemente enfrenta desafios para "traduzir" as diretrizes da alta gestão para as equipes operacionais. Essa falha de comunicação impacta a integração entre diferentes setores, como engenharia, suprimentos, segurança e planejamento, gerando desalinhamento e dificultando a execução eficiente das atividades. Além disso, a falta de feedback adequado às equipes pode levar à desmotivação e a um ambiente de trabalho menos produtivo.

              2. Gestão de conflitos inexistente: os canteiros de obras são ambientes naturalmente propensos a conflitos, seja entre operários, encarregados ou engenheiros. No entanto, muitos gestores intermediários não possuem as habilidades necessárias para mediar esses desentendimentos de forma eficaz. Soma-se a isso a recorrente dificuldade para equilibrar as demandas da diretoria com as limitações das equipes, o que acaba gerando tensões e compromete o andamento dos projetos.

              3. Dificuldade em expor problemas: esse fenômeno é característico da gestão tradicional, em que os problemas não são enfrentados de imediato, mas sim ignorados ou adiados, permitindo que se agravem com o tempo. Nas construtoras, essa prática é frequentemente descrita como "chocar granadas", uma metáfora para a acumulação de falhas que, inevitavelmente, explodem no futuro, gerando crises potencialmente evitáveis. Essa dinâmica reflete ambientes organizacionais moldados pelo medo, onde a falta de clareza sobre como identificar e corrigir desvios impede a resolução proativa dos desafios.

              4. Deficiência na solução estruturada de problemas: identificar e expor problemas já é um desafio, mas resolvê-los de forma estruturada é um passo além. No setor da construção, a cultura da gestão reativa, onde se valoriza a figura do "bombeiro apagando incêndios", continua predominante. Isso amplifica uma das principais “dores” do setor: ao longo dos anos, projetos são iniciados e concluídos, novas obras começam, mas as mesmas falhas persistem, repetindo-se continuamente. Parte desse ciclo se deve à valorização do chamado "gerente herói", cuja atuação se baseia em resolver crises pontuais, em vez de estruturar processos que previnam recorrências. Esse modelo de gestão não apenas mantém os problemas em um ciclo vicioso, como também dificulta a construção de uma cultura orientada à melhoria e à eficiência operacional.

              5. Falta de desenvolvimento e reconhecimento das equipes: as fragilidades mencionadas até aqui são agravadas pela escassez de investimentos em treinamentos e capacitação, além da ausência de reconhecimento pelo desempenho das equipes. Esse cenário é característico de uma gestão mais autoritária, com pouca abertura para escuta ativa e participação dos colaboradores no aprimoramento dos processos. Assim, a média gerência se vê pressionada entre as demandas da alta liderança e os desafios do canteiro. Esse desalinhamento amplia o distanciamento em relação ao “gemba” dificultando a identificação e a resolução estruturada de problemas. Como consequência, falhas críticas que deveriam ser escaladas para a média gerência muitas vezes permanecem no campo sem solução, enquanto questões menores, que poderiam ser resolvidas de forma descentralizada, acabam exigindo a intervenção desnecessária dos gestores.

Para tentar evitar ou reverter tudo isso, é necessário desenvolver, na média gerência, o quanto antes, pelo menos quatro práticas e comportamentos:

              1 - Trabalho padronizado do líder no gemba: implementar e seguir rotinas estruturadas de acompanhamento das atividades na obra é essencial para fortalecer a capacidade das equipes na solução de problemas. Esse processo deve estar alinhado ao Gerenciamento Diário (GD), garantindo que as principais dificuldades sejam identificadas diretamente no “gemba” e tratadas de forma sistemática. Além disso, a presença ativa do líder no ambiente produtivo não apenas facilita a tomada de decisões ágeis, mas também estabelece um modelo de referência para a equipe, promovendo uma cultura de aprendizado contínuo e melhoria estruturada.

              2 – Líderes como “arquitetos” da gestão, não “microgestores”: a média gerência tende a centralizar a resolução de problemas, o que sobrecarrega gestores e limita a autonomia das equipes. No entanto, quando se estabelece uma “cadeia de ajuda” estruturada, os times ganham capacidade para endereçar questões do dia a dia de forma mais independente, enquanto apenas desafios mais relevantes são escalados para os níveis superiores. Essa abordagem garante que “a pessoa certa resolva o problema certo”, promovendo uma gestão mais proativa e ágil. Em vez de “microgerenciar”, os líderes devem atuar como “arquitetos” da gestão, criando rotinas e mecanismos que favoreçam a tomada de decisão descentralizada e o aprendizado contínuo das equipes.

              3 – Análise e solução estruturada de problemas: na construção, os “apagadores de incêndio” ainda são valorizados como heróis, mas essa mentalidade impede o desenvolvimento de uma gestão eficaz e sustentável. Um sistema de gestão maduro não pode depender de indivíduos excepcionais para funcionar; pelo contrário, deve ser projetado para que qualquer profissional, com as ferramentas certas, consiga atuar de forma eficiente.  Investir na capacitação na solução estruturada de problemas é essencial para fortalecer esse modelo. Com uma abordagem sistemática, é possível orientar e priorizar decisões de forma objetiva, reduzindo a dependência de respostas reativas e criando um ambiente mais previsível e controlado.

              4 - Evolução da mentalidade e desenvolvimento individual: o aperfeiçoamento dos líderes só gera impacto real quando está alinhado a uma transformação na forma de pensar e agir dentro da empresa, conectada às suas prioridades estratégicas. Para isso, a média gerência precisa reconhecer suas próprias lacunas, identificar oportunidades de melhoria e adotar práticas que reforcem novos hábitos de liderança. Uma abordagem eficaz é a elaboração e aplicação de “Planos de Desenvolvimento Individual (PDI)”, que permitam o aprimoramento contínuo das competências essenciais para a gestão. No entanto, essa evolução não pode ser simplesmente imposta (top-down); deve ocorrer de “maneira puxada”, ou seja, impulsionada pela necessidade real do negócio e pelo desejo genuíno dos líderes de aprimorarem sua atuação.

Essas quatro dimensões costumam gerar resultados positivos, embora o setor da construção civil tenha particularidades que exigem abordagens adaptadas à realidade de cada construtora, seus processos, projetos e obras. Ainda assim, é essencial que as empresas realizem uma análise crítica dos “pontos de fragilidade” em suas médias gerências, identificando padrões que dificultam a eficiência e a evolução da gestão. O desafio não é apenas corrigir problemas pontuais, mas sim oferecer suporte para que esses líderes superem barreiras e adotem um modelo de gestão mais estruturado, moderno e produtivo.  A gestão lean, com seu amplo conjunto de conceitos e práticas, oferece um caminho sólido para essa transformação, ajudando as construtoras a alcançar  desempenho, otimizar processos e impulsionar a inovação.

Publicado em 01/09/2024

Autores

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil
Renato Mariz
Head para Construção do Lean Institute Brasil

Leia também