ESTRATÉGIA E GESTÃO

A cidade do futuro da Toyota e a eficiência sistêmica

Flávio Battaglia
A cidade do futuro da Toyota e a eficiência sistêmica
O maior valor da Woven City não está em soluções isoladas, mas na forma como cada componente contribui para um sistema mais eficiente. Em um mundo onde a tecnologia evolui rapidamente, testar inovações em um ambiente integrado acelera seu desenvolvimento e adoção

A Toyota sempre foi uma empresa pioneira, redefinindo a indústria têxtil com seus teares automáticos e depois a automobilística, com o Toyota Production System (TPS), um modelo que revolucionou a manufatura ao eliminar desperdícios e maximizar a eficiência. Essa abordagem se expandiu para além das fábricas, influenciando e inspirando muitas outras organizações e se consolidando como novo paradigma para setores tão diversos quanto saúde, tecnologia e serviços financeiros.

Além disso, a Toyota não apenas aprimorou a cadeia de suprimentos, mas reinventou a lógica de “fluxo de valor”, integrando fornecedores e processos produtivos de forma sincronizada e altamente responsiva às demandas do mercado. Agora, com a Woven City, a empresa busca transcender os limites tradicionais da mobilidade e do urbanismo, criando um ecossistema integrado de inovação e experimentação, onde residências, transporte, infraestrutura e energia coexistem de maneira interconectada para impulsionar soluções sistêmicas para a sociedade do futuro.

Localizada em Susono, Japão, ao pé do Monte Fuji, a Woven City é mais do que um projeto de urbanismo; é um ambiente criado para acelerar a inovação. Ao invés de desenvolver soluções de forma isolada, a Toyota buscará testar tecnologias emergentes em um contexto em que todos os “subsistemas” operam de forma integrada. Isso permite que avanços em mobilidade, energia e automação não sejam apenas pontuais, mas funcionem em harmonia para criar eficiência sistêmica.

O conceito de “eficiência local” muitas vezes entra em conflito com a “eficiência sistêmica”, especialmente em organizações complexas como cidades (ou empresas). Um exemplo clássico é a mobilidade urbana: sem um sistema integrado, otimizar apenas o transporte público ou os veículos individuais pode gerar soluções ineficazes. A Woven City pretende superar esse desafio ao conectar todos os componentes urbanos: residências, fábricas, transporte e serviços públicos, maximizando a sinergia entre eles.

Diferente de outras cidades do futuro idealizadas por corporações, a Woven City não se limitará a ser uma vitrine tecnológica. A Toyota deseja criar um ambiente vivo, onde moradores reais – incluindo cientistas, empreendedores, engenheiros e aposentados – interajam com as inovações em tempo real. Com cerca de 2.000 residentes iniciais, a cidade servirá como um campo de testes para automação residencial, eficiência energética e urbanismo inteligente.

Na prática, isso significa que uma casa equipada com robótica doméstica interagirá diretamente com veículos elétricos e sistemas de energia renovável, criando uma experiência integrada. Startups também serão incentivadas a desenvolver novas soluções dentro desse ecossistema, permitindo que a inovação ocorra de forma interconectada e não isolada.

O dilema entre “eficiência local” e “eficiência sistêmica” é um dos desafios centrais da gestão moderna. Dentro de uma organização, cada área funcional tende a otimizar seu próprio desempenho, mas essa busca pela excelência local pode gerar efeitos colaterais prejudiciais para o todo.

Por exemplo, um setor de produção pode reduzir custos ao maximizar a eficiência de sua linha, mas se a logística não estiver alinhada, o estoque pode aumentar descontroladamente. Da mesma forma, um time comercial agressivo pode impulsionar vendas sem garantir que a cadeia de suprimentos suporte a demanda, gerando atrasos e insatisfação dos clientes.

A solução está na gestão integrada, onde processos, tecnologias e pessoas trabalham em sintonia. Para isso, é essencial adotar abordagens sistêmicas, como feedbacks contínuos entre setores, coordenação entre diferentes etapas do processo produtivo e um alinhamento claro entre os objetivos estratégicos da empresa e as operações diárias.

O pensamento Lean, inspirado na maneira Toyota, sempre se apoiou nessa premissa: enxergar a empresa como um organismo interdependente, onde cada melhoria deve ser avaliada não só pelo impacto local, mas por seu efeito na cadeia de eventos como um todo.

A Woven City leva essa ideia para um novo nível, criando um espaço onde inovações em diferentes subsistemas podem ser testadas simultaneamente e de forma integrada. Esse modelo permite avaliar como cada componente contribui para o funcionamento geral e como melhorias locais podem ser implementadas sem comprometer a harmonia do conjunto.

O maior valor da Woven City não está em soluções isoladas, mas na forma como cada componente contribui para um sistema mais eficiente. Em um mundo onde a tecnologia evolui rapidamente, testar inovações em um ambiente integrado acelera seu desenvolvimento e adoção.

A Toyota demonstrou ao longo de sua história que a eficiência não é alcançada apenas otimizando processos individuais, mas garantindo que todos os elementos do sistema trabalhem juntos de maneira harmônica. Se a Woven City cumprir sua promessa, poderá redefinir não apenas o futuro das cidades, mas também a maneira como as empresas abordam a inovação.

Publicado em 05/02/2025

Autor

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil