O agronegócio brasileiro continua a se destacar como uma terra cada vez mais fértil para oportunidades. Em 2023, o setor registrou um impressionante crescimento de 15,1%, o maior desde 1995. No ano passado, o crescimento foi mais modesto, de 0,3%, impulsionado por um sólido avanço de 6,2% na pecuária. Para este ano, a expectativa é de um aumento superior a 7%, com o setor movimentando mais de 1,43 trilhão de reais. Esses números expressivos refletem um mercado em expansão e que exige profissionais qualificados para ocupar posições estratégicas, como a de “gerente agrícola”.
Um levantamento recente do PageGroup, consultoria de recrutamento especializado, identificou o cargo de gerente agrícola como uma das profissões em alta para 2025, indicando uma demanda crescente por esse profissional. A carência de gerentes agrícolas decorre da rápida expansão do agronegócio, que exige profissionais capacitados para lidar com tecnologias avançadas, sustentabilidade e legislações cada vez mais complexas.
Além disso, o setor enfrenta desafios como a falta de mão de obra qualificada, o envelhecimento de gestores experientes e a dificuldade de atrair jovens para trabalhar em áreas rurais, muitas vezes distantes de grandes centros. A crescente pressão por práticas agrícolas modernas e a necessidade de profissionais preparados para liderar em um ambiente competitivo e em transformação agravam ainda mais essa lacuna, que é potencializada pela migração de talentos para outros setores e pela limitada oferta de formação especializada.
Os gerentes agrícolas, muitas vezes, são os elos de ligação entre os proprietários rurais e as operações diárias nas fazendas, pelas quais têm responsabilidades de garantir que tudo seja desempenhado com eficiência, qualidade, rentabilidade e sustentabilidade. Para isso, devem trabalhar com planejamento, coordenação e supervisão das etapas de cultivo ou reprodução – no caso da pecuária –, integrando as fases e gerenciando recursos. Precisam também cuidar dos processos administrativos e da gestão financeira, mitigar riscos e tomar decisões importantes o tempo todo. No dia a dia, desdobram-se na coordenação de equipes, participam e/ou executam diretamente o planejamento estratégico, relacionam-se com fornecedores, prestadores de serviços, clientes etc.
Essa breve descrição dá uma amostra desse profissional multifacetado que precisa ter disposição para lidar com uma série de atividades distintas e, todas, muito relevantes, com grande potencial de impacto. Estar disposto, entretanto, não basta. Essa posição exige também um ótimo preparo. Por isso é preocupante perceber que há uma parcela desses profissionais no Brasil que ainda segue uma visão convencional de gestão, baseando as decisões mais em sentimentos e experiências de vida do que em fatos, dados, boas análises e métodos estruturados.
Obviamente, há uma série de particularidades e desafios associados à gestão do campo, como variáveis climáticas, vulnerabilidades biológicas e variações de preços de comodities. Talvez por isso mesmo, os fatores que podem ser controlados precisam integrar uma lógica de gestão eficiente que permita enxergar desvios rapidamente, corrigir rotas e evitar recorrências. Tudo isso envolve outro aspecto fundamental desse gestor, que é a capacidade de não somente coordenar, direcionar equipes e “soltar o serviço”, mas desenvolver as habilidades dos times, engajando pessoas em um ambiente mais colaborativo, participativo e de aprendizado constante. Por esses e outros motivos, acreditamos que a força do agronegócio brasileiro precisará, cada vez, mais de “gerentes agrícolas lean”.
Importante ressaltar que não se trata de romper com o passado, abandonar tradições e aprendizados construídos com tanto esforço entre gerações. Diferentemente disso, significa honrar e manter as boas raízes, mas estar atento às novas camadas de desenvolvimento técnico, humano e social que podem determinar o sucesso profissional dos gestores, dos colaboradores e da empresa.
Podemos citar algumas capacidades práticas necessárias aos “gerentes agrícolas lean”. Por exemplo, estar todos os dias junto às equipes para conduzir, aprender, apoiar e fazer Gerenciamento Diário (GD), discutindo, logo ao nascer do sol, os indicadores importantes, os problemas do dia anterior e como evitá-los no que se inicia. O GD é crucial no campo para organizar e monitorar as operações de forma contínua, permitindo identificar problemas rapidamente, tomar decisões ágeis baseadas em fatos e prevenir desperdícios de recursos. Além disso, promove o alinhamento e desenvolvimento das equipes, criando um senso de responsabilidade e melhoria contínua. Em um ambiente dinâmico e sujeito a variações como o agrícola, o GD facilita a adaptação às mudanças, conecta a estratégia às ações diárias e garante eficiência operacional, reduzindo custos e maximizando resultados.
É o profissional que precisa saber ouvir as dificuldades do time, entendendo causas mais profundas para tomar decisões. Em paralelo à manutenção da estabilidade da performance, é quem se envolve diretamente no desenvolvimento das capacidades das equipes, dando voz e espaço para as pessoas evoluírem e contribuírem cada vez mais. É o líder que precisa doar tempo e energia para ser um exemplo. E, sempre que possível, agir como um mentor. Também deve prezar pela transparência e praticar uma comunicação clara e respeitosa, criando um ambiente seguro para se expor problemas e pedir ajuda.
Para que isso ocorra, num sentido mais amplo, é preciso que aconteça, especialmente no campo, uma mudança de mentalidade e na maneira de enxergar e praticar as relações de trabalho, uma vez que a gestão lean pressupõe uma proximidade maior dos gestores com as equipes, dando clareza ao propósito das atividades. E é necessário que essa liderança vá muito além de ser um “representante do dono” ou alguém que lidera somente com base no “comando e controle”. O gerente agrícola lean deve contribuir para a evolução dos processos e das pessoas, proporcionando condições para que expressem o máximo de potencial em resultados. E que também seja o apoio necessário para entender dores e desafios, apoiando na resolução das falhas para gerar as reflexões e lições aprendidas.
Para algumas pessoas, essa nova postura pode representar uma mudança de paradigma, mas estamos convictos de que o esforço vale a pena. Propriedades rurais com gestores que pensam e praticam lean apresentam, invariavelmente, resultados melhores e mais consistentes. Os processos se tornam mais claros, ágeis e eficientes. Vê-se uma padronização inteligente do trabalho, maior engajamento das pessoas, erros sendo evitados e riscos previstos com maior eficiência. O uso de insumos passa a ser mais racionalizado, reduzindo estoques e custos desnecessários, contribuindo para a sustentabilidade financeira e também ambiental das operações. Isso tudo garante que trabalhos sejam executados com qualidade do início ao fim, com maior produtividade, competitividade e menos esforço. E sem necessitar de investimentos, a não ser na dedicação, disciplina, resiliência e aprendizados. Temos observado tudo isso reiteradamente em propriedades rurais nos projetos de transformação lean com os quais estamos diretamente envolvidos nos últimos anos.
No entanto, temos muito trabalho pela frente. Embora o conceito já seja conhecido por alguns, a aplicação prática disso ainda é bastante restrita. A maioria dos proprietários e profissionais desse setor não compreendeu plenamente a urgência e os benefícios dessa potencial transformação. Por isso, é essencial investir na sensibilização e no engajamento das pessoas, destacando que a adoção da maneira lean de fazer gestão não se limita a ajustes superficiais, mas demanda mudanças estruturais e culturais profundas. Trata-se de substituir uma abordagem predominantemente intuitiva e emocional por um modelo de gestão fundamentado em princípios científicos, orientado para eficiência, eficácia, aprendizado contínuo e geração de valor sustentável.