Em um mundo cada dia mais competitivo, quando uma equipe executa um projeto com maestria e gera resultados, isso, por si só, já é motivo de comemoração. Imagine, então, quando esse sucesso extrapola a realidade local da empresa e se torna uma façanha mundial.
Foi o que aconteceu na Knauf do Brasil, unidade brasileira dessa companhia alemã, originada há mais de 90 anos na Europa, que hoje atua em 96 países, com 150 fábricas e mais de 41 mil colaboradores. E que mantém aqui no país duas plantas industriais, nas cidades de Queimados, no Rio de Janeiro, e em Camaçari, na Bahia, que produzem sistemas de drywall, estruturas baseadas em gesso que são pré-fabricadas para a construção civil.
Com o apoio do Lean Institute Brasil (LIB), a Knauf brasileira implementou recentemente, na unidade fluminense, um projeto de amplo escopo. A ação deu tão certo que ultrapassou fronteiras: em um concurso interno, entre 600 projetos de unidades da empresa em todo o globo, a ação feita aqui pelo time do Brasil foi escolhida como a “melhor do mundo”, numa categoria específica que engloba ações voltadas, por exemplo, para os escritórios. A unidade brasileira vibrou com esse reconhecimento porque isso significou a possibilidade de replicar o projeto em outras unidades, não só no Brasil, mas pelo mundo.
A procura do pedido eficiente
Não foi à toa. Batizado de “Order do Cash”, o projeto teve como desafio melhorar o processo de relacionamento com os clientes, otimizando todo o fluxo produtivo, do pedido até a entrega. A jornada contemplou seis áreas da empresa: comercial externo, comercial interno, financeiro, Planejamento e Controle de Produção (PCP), logística e expedição.
A ação efetuada foi grandiosa. Envolveu mais de 50 colaboradores, em pouco mais de um ano de trabalho. Atingiu, de maneira direta ou indireta, praticamente todos os departamentos. Transformou significativamente uma grande parte dos processos e estruturas. Mudou consideravelmente a mentalidade das pessoas. E vem colecionando resultados impressionantes que já começaram a aparecer em pouco mais de seis meses de implementação.
Só para se ter uma ideia do impacto, antes dessa transformação, a Knauf ocupava a terceira posição no seu ranking de vendas no Brasil. Após o projeto, a organização recuperou a liderança no mercado nacional. Um feito histórico. O sistema lean, claro, não foi o único ingrediente e isolado motivo, mas contribuiu decisivamente para que isso acontecesse, proporcionando melhoria comprovada na percepção de valor por parte dos clientes.
“Tivemos ganhos fenomenais”
Há números abundantes que comprovam isso. O projeto aumentou em mais de 280% o Net Promoter Score (NPS), um dos principais indicadores para se medir a fidelidade do cliente, superando consideravelmente a meta inicial.
Antes da implementação, o NPS estava em 17, o que era uma posição insatisfatória, com muito espaço para melhorias, segundo a liderança da empresa. A ação superou as expectativas: após a jornada, o NPS alcançou 65, um resultado que surpreendeu até os mais otimistas.
Fenômeno similar ocorreu com outro indicador bastante relevante, o Customer Satisfaction (CSAT), que mede a satisfação do cliente. Só para se ter uma ideia, antes da ação, o CSAT registrava 49%. A meta estipulada pela empresa era de 75%. E com a transformação, alcançou-se rapidamente 83%, o que foi considerado por todos da empresa “um ganho fenomenal”.
Houve também um impacto significativo na redução dos tempos no setor de produção. Dois indicadores importantes melhoraram substancialmente: o tempo de espera caiu 51%. E o tempo de processamento foi reduzido em 20%. Essas diminuições foram fundamentais para manter a estabilidade do fluxo de atendimento.
E ocorreu ainda uma redução significativa de lead time, indicador que mede o tempo de ciclo de processos que, por exemplo, caiu em mais de 60%, nos processos relacionados à fabricação de produtos prontos, e em mais de 50%, nos processos de manejo das matérias-primas destinadas à fabricação.
A qualidade do trabalho também aumentou a olhos vistos. Um indicador que mede a “quantidade de coisas certas feitas na primeira vez” cresceu consideravelmente. Isso porque a empresa começou a disseminar entre os colaboradores a ideia de que “a qualidade começa na pessoa”.
“Um trabalho de qualidade começa com quem o executa. Se isso não acontece, tudo já começa mal”, resumiu Nilson Rodrigues da Silva, Gerente de Projetos do LIB e um dos consultores que vem apoiando a transformação lean na empresa.
“Quando eu executo a minha parte do trabalho e entrego para o processo seguinte com as informações corretas e completas, além de agilizar o processo, de evitar perdas, eu ainda minimizo a chance de ter problemas. Essa foi uma mentalidade que desenvolvemos muito nos colaboradores”, complementou o consultor.
Mapear é preciso
O projeto foi dividido numa série de etapas. A primeira foi o planejamento e o kick-off, ou seja, o ponto de partida, que ocorreu já num primeiro encontro presencial na empresa, no qual consultores do LIB e a equipe da Knauf definiram de forma precisa uma série de etapas importantes: todo o conteúdo programático da jornada lean, incluindo a “agenda” da implementação, assim como todos os projetos que seriam realizados e as entregas que precisariam ser buscadas em cada uma das fases.
Nesse início de projeto, foi definido que seria preciso desenvolver as equipes em conceitos e práticas importantes do sistema lean. Por exemplo, nas bases de mentalidade, nos “quatro tipos de problemas”, no Mapeamento de Fluxo de Valor (MFV), na elaboração de A3 e no Gerenciamento Diário (GD).
A segunda parte do projeto se baseou na realização de um detalhado diagnóstico de todo o fluxo de valor da organização. Para isso, consultores do LIB e equipe Knauf aplicaram, na prática, o MFV.
“Um problema bem entendido é um problema quase resolvido. Então, após trabalharmos a parte conceitual com as equipes sobre o MFV, logo partimos para a prática, ou seja, desenhando o fluxo de valor da Knauf”, relembrou Nilson.
Nessa ação, foi efetuada uma análise rigorosa e detalhada do fluxo, no sentido de desenhar e analisar o “estado atual”, para enxergar os processos que eram desnecessários e poderiam ser eliminados, assim como as possibilidades de aperfeiçoar os que eram necessários.
Isso gerou uma série de “descobertas” relevantes. Ou seja, havia muitos processos com desvios e problemas que geravam retrabalhos e insatisfações aos clientes, tanto internos quanto externos.
“Dores” finalmente expostas
Nessa primeira fase, com apoio dos consultores do LIB, a equipe elaborou um mapa que revelou “74 dores”, boa parte delas frutos de problemas recorrentes que minavam o desempenho, mas que ainda não tinham sido devidamente “expostos”.
Por exemplo, uma série de descompassos entre a Expedição e o Comercial, que faziam com que veículos fossem retirar matérias-primas, mesmo quando o pedido do setor responsável nem havia sido feito ainda – fruto de “costumes antigos”, fenômenos típicos da gestão tradicional que vão perpetuando as práticas sem analisá-las cotidianamente.
Noutro exemplo, o “excesso de bloqueio do financeiro”. Ou seja, o cliente pode e quer comprar, mas, por alguma razão, isso não é permitido, pois ele está bloqueado, muitas vezes por “simples” burocracia e/ou morosidade interna; outras vezes porque o cadastro está desatualizado.
Também na logística. Por exemplo, no Depósito que apresentava falta de espaço, mas que, quando se foi analisar bem mais de perto, percebeu-se que havia, sim, excesso do que “não precisava” e falta do que era essencial.
A análise do “Estado Atual” mostrou também que departamentos que precisavam trabalhar de maneiras mais conectadas e integradas permaneciam isolados, “cada um no seu quadrado”, com pouca conexão horizontal e atuando, cada vez mais, de forma vertical, em “silos”.
Notou-se que essa desconexão ocorria, entre outras coisas, porque havia pouca troca de informações entre os setores. Isso gerava falta de conhecimentos entre todos, prejudicando a relação cliente e fornecedor interno.
Outros tipos de gargalos foram percebidos. Por exemplo, percebeu-se que, não raro, alguém solicitava para o cliente retirar produtos, mas internamente não se passava esse pedido à frente, para o fluxo de valor como todo.
Olhando o horizonte
Uma contramedida importante foi, então, desenhar, no “Estado Futuro”, um fluxo pensado para que as pessoas atuassem de maneira mais “horizontalizada”. Para que toda a equipe, de forma multidisciplinar, começasse a pensar em suas tarefas, em seus trabalhos, nas entregas de valor, independentemente dos setores em que atuam.
Esse fluxo horizontalizado tentou “quebrar os silos”, tentando estabelecer uma conexão entre cliente e fornecedor interno, na qual a preocupação maior não fosse mais com “o próprio quadrado”. E sim em como cada etapa precisa entender seu papel no todo para, somados os esforços, entregar o melhor resultado para os clientes.
“Fizemos um trabalho forte de conscientização com todos para que entendessem que, em vez de trabalhar exclusivamente para seus departamentos, precisam trabalhar para o fluxo de valor e, consequentemente, para o cliente”, resumiu o consultor do LIB.
“Foi um aprendizado interessante para todos porque percebemos diversos problemas que afetavam, por exemplo, o lead time e o ‘trabalho certo da primeira vez’. Provavelmente, eram frutos dessas ‘desconexões’, desses trabalhos não integrados, que infelizmente são comuns entre os setores Comercial, de Marketing e de Produção”, complementou o especialista do Instituto.
Poka-yoke para boletos eficientes
Por exemplo, uma das ações emblemáticas foi melhorar um processo de geração de boletos que tinha etapas desnecessárias e que acabavam gerando problemas para a empresa e para os clientes.
Em resumo, havia um sistema que gerava automaticamente dezenas boletos, frutos de vendas realizadas num determinado período. Isso exigia que esses documentos tivessem de ser analisados, um a um, para separar os que deveriam ser pagos por clientes pessoas físicas e os que precisariam ser “deletados”, pois eram destinados a pessoas jurídicas, que não pagam por boleto, mas por outros meios. Ou seja, uma etapa simplesmente desnecessária que foi identificada e eliminada.
Para corrigir isso, foi idealizado e implementado um “poka-yoke”, outro típico conceito e prática lean que, neste caso, visou criar processos que evitassem esses retrabalhos.
Foi implementado, então, um sistema que, por meio de regras e cadastros, já determinava, “na fonte”, quais casos precisariam gerar boletos e quais não. Apesar de ser algo aparentemente simples, isso reduziu tempo de processamento, esforço humano e minimizou riscos de insatisfação do cliente.
Heijunka contra “picos e vales”
Havia também uma carência de “heijunka”, expressão japonesa, parte do vocabulário lean, que pode ser traduzida por nivelamento do trabalho e dos processos. O que ocorria era muita variação entre capacidade e demanda. Por exemplo, havia uma variação muito grande na entrada de pedidos, o que gerava, em alguns momentos, excesso de pedidos. Em outros, ocorria capacidade ociosa por falta de pedidos. A empresa perdia nos dois momentos.
“Esse era um grande problema, uma ‘dor’ recorrente. Percebemos muita ‘variação’. Ou seja, ‘picos e vales’. Quando o setor Comercial estava com menos venda, a Produção ficava ociosa. E quando as Vendas aumentavam, isso gerava um crescimento repentino e indesejado de horas extras”, pontuou Nilson.
Isso significou lançar mão de ações específicas para se equalizar o mix e volumes de produção, durante um período fixo de tempo, no sentido de atender eficientemente às exigências do cliente, ao mesmo tempo em que se evitou os excessos de estoque.
Nesse contexto, equipes e consultores LIB se debruçaram na elaboração de uma série de A3, sempre com foco na revelação de problemas, na busca por diagnósticos precisos e propostas de contramedidas.
A3 gerou “GD na Expedição”
Por exemplo, intitulado “Insatisfação do cliente nas entregas de produtos e relacionamentos”, um dos principais A3 colocado em prática analisou o porquê do Net Promoter Score (NPS) não apresentar forte crescimento, o que poderia gerar perda de mercado, fruto da concorrência acirrada.
Então, com a ajuda dos fatos e dados mostrados no Mapeamento já feito, foram definidos objetivos macros para aumentar o NPS de 17% para 65%; o OTIF – "On-Time In-Full", indicador logístico que mede a qualidade das entregas de uma empresa – de 86% para 95%. Ao mesmo tempo que se visou reduzir o lead time de três para dois dias, frutos da liberação de pedidos de 74% para 95% e da redução de bloqueios do Financeiro de 70% para 30%.
Para isso, foi desenvolvido um plano com mais de 60 ações e um processo de Gerenciamento Diário (GD) para acompanhar tudo isso. Por exemplo, um GD experimental feito no setor de expedição, que era crítico em todo esse processo. Definiu-se o “compromisso” do setor, as “variáveis de controle” e métodos de solução de problemas.
“Esse GD da Expedição foi essencial para conectar as necessidades de entregas, priorizando tudo aquilo que era combinado com os clientes, atuando nos problemas enquanto havia tempo de correção e, principalmente, coletando dados sobre os problemas, através da identificação de causas raízes, para gerar contramedidas eficientes, conforme os desvios fossem sendo encontrados”, resumiu o consultor do LIB.
Mudança cultural
Todo esse processo já gerou resultados fenomenais – evolução de indicadores importantes, crescimento num ranking essencial de mercado, um prêmio mundial interno... –, mas ainda está em curso. Portanto, ainda deve gerar muitos outros retornos robustos para a organização.
De qualquer forma, a empresa também está comemorando um outro resultados talvez ainda mais importante, pois pode tornar tudo isso perene e sustentável: uma transformação significativa na mentalidade, nas atitudes e nos comportamentos das pessoas.
Elas passaram a ver os processos com “olhar lean”. Ou seja, começaram a analisar os trabalhos, os processos sempre no sentido de revelar e resolver problemas. De fazer as coisas melhores a cada dia. De pensar no “fluxo” e não mais no setor. Como se isso não bastasse, eles começaram a disseminar os aprendizados, os novos conceitos e práticas de gestão, para outros setores e até para outras unidades.
Ou seja, a história lean da Knauf não termina aqui. Muito mais deve vir por aí. A empresa diz que a busca pelo “pedido perfeito” está só começando...