No ambiente corporativo, é comum observar que grande parte das atividades realizadas em uma organização com gestão tradicional resulta simplesmente em mais trabalho. Consequentemente, as pessoas se veem compelidas a trabalhar ainda mais intensamente, gerando um ciclo contínuo de aumento de tarefas. Esse fenômeno é frequentemente referido no contexto organizacional como o "ciclo do desespero".
Funciona assim. Pessoas trabalham com processos ruins. Isso gera complexidade e variabilidade. Assim, o desempenho é frequentemente precário, e o resultado, ainda pior. Aumenta-se, a pressão para se trabalhar “mais", não "melhor". Temerosos pelos empregos, indivíduos reforçam a quantidade de trabalho (e não a qualidade). Isso incrementa a complexidade e a variabilidade dos processos ruins que, não raro, ficam piores. Cria-se mais controles... E o ciclo recomeça, virando um “moto-perpétuo” que, no geral, leva pessoas à exaustão, em direção ao esgotamento. E coloca as organizações no caminho do colapso.
Isso é relatado, por exemplo, numa recente pesquisa da consultoria internacional Gartner, que entrevistou mais de 500 líderes de Recursos Humanos em 40 países e concluiu que 59% dos gerentes ouvidos relatam gastar uma significativa quantidade de tempo em “trabalho para fazer trabalho”.
Você certamente já presenciou ou atuou em meio a esse tipo de fenômeno que ocorre tanto no “mundo físico” quanto no “mundo digital”: relatórios extensos que hibernam nos “e-mails não lidos”, desperdiçando tempo e gerando mais trabalho. Planilhas saturadas de dados que geram mais planilhas. Apresentações compreendidas por poucos, praticadas menos ainda. Sem falar das reuniões mal planejadas que, não raro, geram mais reuniões. E por aí vai.
Isso se retroalimenta de uma tradicional mentalidade corporativa que dissemina a valorização, não da qualidade, mas da quantidade, personificada na figura do “workaholic”. Vangloria-se quem chega mais cedo e sai mais tarde. Elogia-se aquele que trabalha mais que o esperado. Uma cultura que fortalece o “trabalhar muito” em vez do “trabalhar bem”, normalizando a ideia do “trabalho pelo trabalho”.
A maneira lean requer diferentes mentalidade e prática. Nessa visão, o trabalho precisa mirar o valor para o cliente. Primeiro, nas mentes das pessoas. A pergunta importante não é mais “estou trabalhando bastante?”, mas “meu trabalho gera valor?”.
Tão essencial é a estrutura sistêmica. Trabalhar para gerar valor deve ser o foco de um fluxo “horizontal”. O que é diferente do trabalho orientado aos fluxos “verticais” que, por uma série de motivos, facilmente se desarticulam dos processos fundamentais para criação de valor e da real necessidade dos clientes. Sem a perspectiva do cliente como “fiel da balança”, os processos e o trabalho não são estabelecidos de acordo com aquilo que realmente importa. Consequentemente, podemos trabalhar muito, mas sem impacto direto na percepção de valor do cliente.
Com a urgência para prover melhores resultados, o “apaga fogo” entra em cena: mais tempo gasto, trabalhando na contenção de problemas repetidos, que por não serem tratados na origem – pois não há tempo para dedicar à solução consistente dos problemas, porque há muito trabalho a fazer –, mantêm-se os processos incapazes e consolida-se um cenário de permanente complexidade.
Os antídotos a esse “moto-perpétuo”, tanto na mentalidade individual, quanto na estruturação sistêmica, devem estar no âmago das práticas de gestão e no comportamento da liderança. Voltarmos à essência do lean é fundamental: desenvolver pessoas que, ao revelar e resolver problemas, buscam criar valor para o cliente em tudo o que fazem. Isso tende desacelerar o ciclo indesejável do “trabalho pelo trabalho”. Se uma atividade não cria valor, em essência, ela não deveria existir.
Conceitos e práticas lean precisam estar orientados a conduzir a empresa nesse sentido. O Gerenciamento Diário (GD), por exemplo, quando planejado e executado adequadamente por lideranças preparadas, estimula o trabalho focado unicamente na criação de valor. As pessoas, quando acolhidas e envolvidas com a devida segurança psicológica, passam a questionar muito mais naturalmente “porque estamos fazendo o que fazermos”. E aí o “moto-perpétuo” começa a emperrar.
Praticar lean é resolver problemas e desenvolver as pessoas todos os dias. Inclusive a própria liderança. O mecanismo de elucidação e solução de desvios é o ciclo virtuoso que permite a busca da excelência pela orientação constante ao propósito da entrega de valor. Assimilar na prática a lógica de aprender a enxergar os reais problemas associada à entrega de valor permite disparar o ciclo de resolução que gera aprendizado. Isso permite sair do “apaga fogo” da contenção de “desvios conhecidos”, caminhando, cada vez mais, para um trabalho consistente, com propósito, que resolve problemas “novos”, buscando evitar suas recorrências.
Claro que isso não ocorre da noite para o dia. Empresas com culturas gerenciais mais tradicionais têm dificuldades para diferenciar claramente o trabalho que gera valor dos que só multiplicam mais trabalho. Por vezes, nem conhecem com clareza suficiente o que é valor. Vivenciam, inclusive, confusão sobre quem são seus clientes e seus processos. Nesse contexto, um primeiro passo fundamental é aprender a enxergar o que é valor sob a perspectiva do cliente. Para, então, entender e estruturar todo o trabalho nessa direção.
Por mais que intuitivamente os conceitos de “valor” e “cliente” pareçam de fácil compreensão, no campo prático a teoria é outra. Por falta de estímulos ou oportunidades para discutir isso numa perspectiva mais sistêmica, a visão de propósito orientado à entrega de valor ao cliente se perde ou se confunde. Nesse contexto, não faltam “ruídos organizacionais” – vaidades, disputas por poder, modismos etc. – para estabelecer novas e conflitantes prioridades, cuja inutilidade pode ser quase imperceptível.
Por isso, lideranças precisam se esforçar para entender que trabalhar para gerar mais trabalho não é apenas só um explicação para o baixo desempenho, mas também um fator decisivo para a qualidade de vidas das pessoas – inclusive dos próprios líderes.
Não é difícil imaginar as oportunidades que surgem quando rompemos o ciclo de "trabalho pelo trabalho". Imagine uma empresa onde cada tarefa tem um propósito claro, onde as equipes trabalham para resolver problemas reais e onde o valor para o cliente é o norte de todas as decisões. Isso não é utopia — é um futuro possível.
Ao focar no que realmente importa e eliminar o desperdício, é possível alcançar resultados mais sustentáveis, melhorar a colaboração e promover um ambiente de trabalho mais saudável. Não é uma solução rápida, mas uma mudança de mentalidade que, quando incorporada, pode transformar a dinâmica organizacional de maneira profunda e duradoura.