Provavelmente nada – qualquer ferramenta tem o mesmo potencial para tornar-se uma tolice burocrática se não for utilizada com o senso comum, e o hoshin kanri (HK) ainda mais que as outras. A Toyota é uma fabricante de automóveis que faz as perguntas certas e que desenvolveu muitas ferramentas para iniciar sua aprendizagem. Mesmo assim, com qualquer nova ferramenta da Toyota devemos ser cautelosos ao analisar como ela atua em outros ambientes. O HK está em atividade por décadas e costumava ser conhecido como uma desdobramento de diretrizes – o risco de interpretá-lo como objetivos em cascata do planejamento estratégico é muito alto.
Eu não sou nenhum especialista em hoshin kanri, mas os CEOs com os quais trabalhei tentam utilizar alguns aspectos do hoshin kanri em sua própria gestão. Da perspectiva deles, o que distingue o HK do planejamento estratégico que costumavam fazer? Os quatro aspectos principais que vêm à mente são:
- Foco no gemba do cliente: começar o processo de reflexão e planejamento com um certo entendimento quanto aos problemas enfrentados pelo cliente e descobrir onde poderíamos beneficiar mais nossos clientes.
- O que precisamos melhorar? Os alvos do HK devem ser claros, objetivos de melhoria concretos, e não um pensamento fechado de “o que gostaríamos de fazer”.
- Pontos de controle no gemba: onde veremos, no gemba, que nossos esforços de HK estão sendo frutíferos – sabemos exatamente o que estamos enxergando e temos a gestão visual certa para que todos possam enxergar o mesmo?
- Evidencie os tópicos de PDCA para todo gerente médio: A mudança de alto nível deve ser dividida em pequenas mudanças operacionais realizadas todos os dias, as quais serão conduzidas pela gestão média da empresa. Para fazer isso e para aprender, temos que garantir que essas pequenas mudanças aconteçam dentro do quadro de PDCA para aprendermos juntos.
Pontos de dificuldades do CEO
Focar verdadeiramente no cliente é raro e complicado. Escutar os clientes é difícil, e ouvi-los é ainda mais difícil, particularmente porque o que eles dizem que gostariam raramente é o que realmente precisam (e estão dispostos a pagar). Tentando descobrir o que significa “ouvir e seguir os clientes”, muitos CEOs têm dificuldades com quatro objetivos distintos:
- O que os clientes dizem que gostariam: os clientes sempre querem mais de tudo, e, então, você descobre que, quando você oferece isso a eles, eles simplesmente ignoram. Isso não significa que devemos ignorar o que o cliente nos conta, mas que isso deve ser feito com certa cautela.
- O que eles realmente utilizam: Em qualquer produto ou serviço, os clientes utilizam uma pequena parte das funcionalidades (apesar de grupos distintos de clientes utilizarem partes diferentes, por isso há a necessidade de uma boa segmentação). Descobrir o que os clientes realmente utilizam é um esforço gemba em tempo integral. Um bom lugar para começar é as reclamações dos clientes, onde eles se esforçam para ensinar-nos o que tentam fazer com o produto ou serviço.
- O que gostaríamos de fazer: Toda organização, seja grande ou pequena, tende ao pensamento ávido de visão interna – políticas o tornam inevitável, uma vez que os colaboradores desejam antecipar o que seus chefes gostariam e apresentar a eles como se fosse sua ideia (ou contratar consultores para fazer isso). Isso não é, necessariamente, uma coisa ruim. Como Henry Ford brincou uma vez, se ele ouvisse seus clientes, ele tentaria criar um cavalo mais rápido. Mesmo assim, ser claro sobre o que gostaríamos de fazer é importante para trazer à tona muitas hipóteses escondidas no processo de hoshin kanri. Os grupos são sempre, sempre tentados a vestir seu pensamento ávido coletivo em roupas racionais para torná-lo mais atrativos a eles mesmos e aos interessados – preste atenção neste fator.
- O que os parceiros esperam de nós: Nenhuma organização é uma ilha, e há muitos participantes poderosos entre os acionistas, os corpos regulatórios e os fornecedores mais importantes que têm suas próprias ideias sobre o que devemos fazer e pressionam-nos a fazê-lo. Eles não estão sempre errados e, às vezes, têm a influência para adiar suas tarefas – entendê-las claramente é um passo importante para entender (e suportar) a pressão.
Esses quatro círculos raramente se cruzam, e o CEO e sua equipe devem manter essas questões em mente quando andam pelos gembas dos clientes e por suas próprias operações. Não há respostas 100% conclusivas, nunca houve, e o mundo afora muda mais rápido do que nós conseguimos, então essa é uma questão eternamente aberta. Também, se seguimos esse início errado, o plano hoshin não será nada mais do que um exercício formal para validar os palpites da gestão sênior, em vez de uma tentativa verdadeira de fazer as duras perguntas a nós mesmos e procurar por duras respostas.
Uma vez que os problemas dos clientes foram (estão sendo) resolvidos, o segundo truque do HK é expressar isso em termos de desafios de melhoria. Por exemplo:
- Reduzir as reclamações de garantia pela metade.
- Fechar o galpão de estoque.
- Reduzir o custo total de um produto em 10%.
- Dobrar o número de sugestões aceitas.
Certamente, alguns objetivos do HK serão sobre fazer algo novo, mas a maioria dos objetivos do HK serão melhorias desafiadoras que nos forçará a fazer algo radicalmente melhor. Em geral, os objetivos do HK devem ser alguma forma de melhoria por etapas em qualidade, segurança, flexibilidade ou produtividade. Claro, algumas novas atividades oferecidas também serão parte do plano hoshin, mas sempre suspeito de qualquer plano que não enfatiza diretamente desafios de melhoria agressivos. A capacidade real de inovação é originada pelo know-how operacional prático, e, antes de tentar novos truques, melhor nos certificarmos de que temos controle sobre os antigos e cumprirmos as promessas atuais antes de fazer novas.
Em terceiro lugar, o exercício não sai do papel se não for trazido ao gemba. Como veremos, no local de trabalho, que o serviço está ocorrendo de acordo com nossos objetivos do HK? Como envolveremos todos para enxergarem a mesma coisa? A gestão visual é o elemento central do HK em termos de pontos de controle físicos. Se estamos falando sobre reduzir pela metade as reivindicações de garantia, onde está o setor devotado às reivindicações de garantia? Se estamos fechando um galpão, podemos ir lá e olhar nas prateleiras para entender a estratégia de redução de estoque e quão rápido estamos agindo?
Os pontos de controle no gemba são uma diferença-chave entre o HK e o planejamento estratégico porque não confiamos em relatórios financeiros para termos alguma noção sobre quão bem está indo o plano. Além disso, os pontos de controle são uma ferramenta-chave para comunicarmos aos outros o que estamos tentando fazer. Conforme conta o ditado popular “o que foi medido está pronto”, mas, mais diretamente, “para onde o chefe olha é para onde as atenções se viram”. Os pontos de controle no gemba são metade do caminho para fazer com que a melhoria verdadeira ocorra.
PDCA x Planos de Ação
A última especificidade do HK na qual eu insistiria é a diferença entre as atividades de PDCA e os planos de ação. A tentação quando se trata de “implantação estratégica” ou “desdobramento da política” é estabelecer objetivos claros (ou pensamentos ávidos claros – muitas vezes difíceis de fazer a diferença) e, então, construir planos de ação, que gerentes da linha de frente terão que executar. O que suspeito por sua pergunta é que você teve experiências com isso e sabe como as coisas acontecem.
O processo de hoshin kanri, da forma que entendo, é fundamentalmente diferente, pois pede a todos os gerentes uma atividade PDCA relacionada ao objetivo maior. Não há intenção de adicionar todas essas atividades e, de alguma forma, alcançar o objetivo pela soma de nossas ações. Entendemos que esses problemas são complexos e que algo fundamental terá que mudar para conseguir esse tipo de resultado (se fosse fácil, já teríamos feito). O objetivo das atividades PDCA é aprender, aos poucos, a entender melhor o problema.
No obeya, veremos o indicador correspondente ao alto nível de objetivo de melhoria (qualidade, segurança, flexibilidade, produtividade, inovação) e, então, muitas atividades PDCA (muitas vezes identificadas como A3s) que cuidam de diferentes aspectos do problema. O que pode acontecer é que, após explorar e discutir os problemas, a equipe normalmente enxerga um ponto de alavancagem no qual precisam investir – principalmente com treinamento – que mudará o funcionamento do processo e, consequentemente, os resultados.
Nos exemplos anteriores, ao explorar várias instâncias de problemas com a garantia, finalmente descobriremos a principal fraqueza de nossos produtos e faremos o necessário em termos de análise de valor na produção e engenharia de valor no desenvolvimento para melhorar as coisas. Para fecharmos o galpão, termos que descobrir quais práticas levam ao acúmulo de produtos – principalmente quanto a hábitos aquisitivos e previsões equivocadas etc. O ponto é que o objetivo não é conseguir através da execução de um plano de ação, mas descobrindo qual fraqueza real há em nosso conhecimento atual e nos processos e atacando-a.
O hoshin kanri não é específico do lean ou da Toyota – ele se tornou popular no Japão nos anos 50. A intenção, na época, era perceber que cada pessoa era um especialista em seu (reconhecidamente pequeno) campo e, de alguma forma, utilizar o poder do pensamento coletivo para tornar a empresa a melhor em seu campo de atuação.
A ideia é focar em objetivos compartilhados para garantir que todos entendam esses objetivos e envolver a linha gestora no planejamento de como alcançá-los (assim como tornar os gerentes responsáveis por sua parte do plano). Todavia, assim como com o planejamento estratégico com o qual crescemos todos, o aspecto vital é se identificamos os problemas certos. Expressar os problemas em termos de objetivos de melhoria é uma garantia contra o desejo da gestão e o instrumento real da aprendizagem: enquanto tentamos melhorar, entenderemos muito melhor os termos reais de nosso negócio. Como você corretamente supôs, o HK pode ter as mesmas desvantagens que o velho planejamento estratégico se não for enraizado no gemba do cliente e no espírito do kaizen.