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Executivos da Boeing falharam na liderança, esqueceram-se das lições do lean

Mark Graban
Executivos da Boeing falharam na liderança, esqueceram-se das lições do lean
Não culpe os trabalhadores da base por problemas sistêmicos.

Em janeiro deste ano, passageiros, tripulação e o público em geral ficaram chocados com mais um incidente de alto impacto envolvendo um jato Boeing 737 MAX-9. O tampão da porta se soltou durante um voo da Alaska Airlines a 16.000 pés. Felizmente (e talvez por sorte), ninguém morreu no incidente.

Após o ocorrido, as pessoas podem perguntar: "Quem errou?" Perguntas melhores incluem: "O que está dando errado nos processos e operações da Boeing?" Também devemos perguntar: "O que há de errado com a cultura e liderança da Boeing?"

 

Esses são problemas novos e isolados com causas novas e locais? Parece que não.

Imediatamente após o incidente, inspeções nos MAX-9s temporariamente em solo levaram à descoberta de parafusos soltos em vários jatos da frota da United Airlines. O fato do problema não estar isolado em um único avião torna ainda mais claro que se trata de um problema sistêmico — certamente não é culpa de nenhum mecânico ou equipe individual.

Inicialmente, assumiu-se que os parafusos do avião da Alaska Airlines tinham se soltado, mas um relatório inicial do NTSB confirmou o que começou como um boato na internet: os quatro parafusos em questão não haviam sido reinstalados. Eles estavam completamente ausentes, presumivelmente deixados em uma bancada de trabalho ou jogados no lixo.

Por quê?

O tampão da porta, originalmente montado na fuselagem pelo fornecedor Spirit AeroSystems, foi removido em uma instalação da Boeing em Washington e precisava ser reinstalado.

Por quê?

Os funcionários da Boeing e da Spirit tiveram que retrabalhar a fuselagem devido a defeitos de rebitagem criados durante o processo de fabricação da Spirit em Kansas. A Spirit deveria estar questionando por que esses defeitos ocorreram e como podem impedir que aconteçam novamente. Mas a responsabilidade pelo incidente não termina com a Spirit.

O CEO da Boeing, David Calhoun, que, em março, anunciou sua aposentadoria até o final de 2024, disse publicamente: "Nós causamos o problema e entendemos isso... A Boeing é responsável pelo que aconteceu." É um problema da empresa, e a Boeing é responsável pelo trabalho de seus fornecedores.

Mas como os mecânicos puderam esquecer de reinstalar os parafusos após recolocar o tampão da porta no lugar? Em vez de culpar e potencialmente punir indivíduos ou culpar "algum idiota", é importante olhar para as causas sistêmicas e fatores determinantes pelos quais a Boeing deveria se responsabilizar. Novamente, é um problema da empresa, não um problema dos trabalhadores.

O retrabalho estava sendo feito fora do processo normal. Por quê? Era parte de uma prática ampla na Boeing, referida como "trabalho itinerante", que a empresa define como tarefas "atrasadas e/ou que são completadas em uma localização da fábrica diferente da originalmente planejada".

Esta prática viola os princípios lean de:

  • Construir qualidade na fonte
  • Não passar para frente peças ou produtos defeituosos para serem corrigidos posteriormente na linha.

O "trabalho itinerante" tem menor probabilidade de seguir o trabalho padronizado ou de contar com as ferramentas normalmente utilizadas no próprio local de trabalho. A Boeing afirma que a documentação sobre a reinstalação do tampão da porta estava ausente (ou nunca existiu). E relatos indicam que a gravação da câmera de segurança da área foi sobrescrita e perdida.

É preocupante que um trabalho tão importante tenha sido realizado fora do processo e sem documentação. Mas, de certa forma, isso é bom se fizer com que a empresa não saiba qual indivíduo (ou indivíduos) punir, pois o problema foi efetivamente causado pelas políticas e práticas da Boeing.

O CFO da Boeing, Brian West, disse: “A partir de 1º de março de 2024, não faremos mais trabalho itinerante entre Wichita e nosso fornecedor de fuselagem [Spirit AeroSystems] e Renton [fábrica de montagem da Boeing]... Isso já estava acontecendo há tempo demais. Então agora só aceitaremos fuselagens totalmente conformes da Spirit, o que significa que, a curto prazo, pode haver variabilidade no fornecimento.”

Os especialistas em lean que ensinaram à Boeing sobre o Sistema Toyota de Produção certamente instruíram a empresa a colocar a qualidade em primeiro lugar, mesmo que isso signifique parar a linha para tratar defeitos em vez de passá-los adiante. Décadas depois, a Boeing esqueceu essa lição ou recusou-se a implementá-la?

O CEO Calhoun admitiu que a quantidade de retrabalho ocorrendo nas chamadas "fábricas sombra" da Boeing excedeu as horas de trabalho iniciais, declarando: “Nas nossas fábricas sombra, dedicamos mais horas de trabalho nos aviões do que as horas necessárias para produzi-los inicialmente... essa é uma métrica que sei que todos entendem.” Essa métrica é compreensível, mas é completamente espantoso ouvir sobre qualquer fábrica gastando mais tempo em retrabalho do que em produção.

Então, por que Calhoun e outros líderes não fizeram nada a respeito?

O comentário de West sobre "variabilidade de fornecimento" sugere que colocar a qualidade em primeiro lugar pode levar a atrasos na produção e entregas tardias. Em uma cultura lean, atrasos de produção no curto prazo devem acionar a resolução de problemas na causa raiz, o que deve levar a contramedidas que impulsionem melhorias de longo prazo. Passar trabalhos defeituosos adiante é uma solução temporária — e é extremamente contraprodutivo ao longo do tempo.

Reduzir essa variabilidade de fornecimento — e a variação resultante na montagem de aeronaves — deve ir além da Boeing rejeitar uma fuselagem entregue que não está totalmente conforme as especificações. A empresa deve trabalhar com seus fornecedores para ajudá-los a implementar os métodos e a mentalidade lean que previnam erros e incorporem qualidade nas suas fábricas (dos fornecedores ou sub-fornecedores). Parte da fórmula para o sucesso da Toyota são suas relações colaborativas com seus fornecedores. Não se pode simplesmente exigir deles melhor qualidade; em vez disso, deve-se trabalhar em conjunto a partir das fases de design do produto e de seleção dos fornecedores durante o ciclo de vida completo de um avião.

Organizações lean não apenas falam sobre colocar segurança e qualidade em primeiro lugar; elas demonstram isso nas salas de reunião e no chão de fábrica. O ponto número um do "Toyota Way" diz que a empresa toma decisões baseadas no longo prazo, mesmo que isso tenha um custo no curto prazo. Essa é outra lição que a Boeing esqueceu ou nunca adotou.

Por anos, funcionários e detratores da Boeing reclamaram de uma cultura onde "o cronograma é rei". Em outras palavras, empregados e líderes da linha de frente são pressionados a manter a linha em movimento — ou seja, a enfatizar e priorizar a quantidade em detrimento da qualidade.

O CFO West também admitiu: "Por anos, priorizamos o movimento do avião pela fábrica em vez de fazer as coisas direito e isso precisa mudar."

Se os executivos desconheciam essas práticas, que enfatizavam a quantidade de produção e o fluxo em detrimento da segurança e da qualidade, eles deveriam ser (e foram) responsabilizados. Se os líderes impulsionaram diretamente (ou toleraram) essas prioridades, isso é motivo para demissão.

O CEO Calhoun reconhece que a Boeing "deve incorporar um compromisso total com a segurança e a qualidade em todos os níveis da nossa empresa". Se ele não fez isso nos últimos quatro anos, precisa sair — O QUANTO ANTES, e não no final de 2024 como anunciado — para a cultura da Boeing mudar.

Há muitos casos de admissões "minimizadas e/ou tarde demais" por parte dos líderes da Boeing. Logo após o incidente, a Boeing anunciou "dias de parada de qualidade", para "permitir a todos os funcionários que interagem com os aviões 'parar, avaliar o que estamos fazendo, como fazemos e propor recomendações para melhoria'", disse Stan Deal, presidente e CEO da Boeing Commercial Aviation — forçado a se aposentar em março.

Por que limitar tais reflexões aos funcionários da linha de frente? O Conselho e os executivos seniores da Boeing reservaram um dia para parar e refletir sobre seu papel na segurança e qualidade? Durante o dia de parada, "10.000 funcionários participantes foram encorajados a falar sobre quaisquer preocupações que tivessem e oferecer sugestões sobre maneiras de melhorar os processos da instalação."

Parece ser uma admissão tácita de que a Boeing também não havia aprendido (ou se recusava a adotar) os princípios e práticas básicas do lean sobre envolver todos na melhoria contínua. Quantas dessas ideias serão implementadas?

Mudar uma cultura empresarial problemática requer a entrada de novos líderes vindos de fora. Para prevenir futuros incidentes como o desprendimento de tampões das portas e problemas similares de fabricação, os executivos da Boeing devem abraçar, incentivar e recompensar os seguintes comportamentos:

  • Cada líder priorizando segurança, qualidade, entrega e custo — nessa ordem, todos os dias.
  • Parar a produção para corrigir problemas de qualidade, utilizando métodos rigorosos de resolução de problemas, em vez de transferi-los para outra instalação ou área de retrabalho.
  • Envolver cada membro da equipe na melhoria contínua todos os dias, solicitando ideias e agindo sobre elas continuamente, em vez de esperar por um evento kaizen ou outro "stand down".

Já passou da hora da Boeing aprender e abraçar as lições lean da Toyota e de outros fabricantes de classe mundial.

Publicado em 25/09/2024

Autor

Mark Graban
Mark Graban é um consultor de gestão, coach e autor lean.

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