A Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), operada pela Vale, é a via utilizada para escoar, entre outras mercadorias, o minério de ferro (MFE) extraído em Minas Gerais. Dispondo de 905 km de extensão, a ferrovia tem como principal destino o complexo portuário de Tubarão, no estado do Espírito Santo.
Considerada uma das mais seguras do mundo e uma das mais modernas ferrovias do Brasil, a EFVM precisa elevar continuamente a produtividade das suas operações e aperfeiçoar seus processos para se manter competitiva. Um indicador relevante para esse monitoramento é o tempo de atravessamento de vagões nos terminais de carga de MFE. Representando o conceito de lead time, esse tempo de atravessamento é a duração da estada do vagão no terminal, sendo medido a partir da sua chegada, passando pelo carregamento, até a saída. É composto, portanto, de três etapas: antes, durante e após o carregamento.
O tempo de atravessamento de vagões é um resultado que está relacionado com toda a cadeia logística envolvida na EFVM: mina, ferrovia e porto. Esse indicador reflete a assertividade da programação e giro dos ativos, além de buscar promover credibilidade junto aos clientes internos e externos a partir do cumprimento de prazos. Enxergar oportunidades de melhoria para reduzi-lo é importante para otimização de toda a cadeia logística envolvida, implicando, ao final, em redução dos desperdícios e consequentemente de custos.
Nesse contexto, uma das equipes técnicas responsável pelos processos e gestão da operação ferroviária da região se mobilizou para estudar e implementar um projeto de melhoria para reduzir o tempo de atravessamento de vagões no PATRAG[1]. A equipe adotou a prática do pensamento Lean para entender o problema e criar contramedidas para tratá-lo.
O desenvolvimento do projeto de melhoria esteve associado ao Programa Prático de Formação Lean - PPFL, promovido pelo Lean Institute Brasil. O PPFL oportunizou unir o Lean (conjunto de princípios, conceitos e ferramentas para maximizar valor sob a ótica do cliente consumindo o mínimo de recursos) aos conhecimentos e habilidades técnicas das pessoas envolvidas no processo, incluindo o time de engenharia de operações ferroviárias. Isso conferiu ao grupo o passo a passo metodológico para conseguirem ter maior clareza do problema e visualizar as possíveis contramedidas a serem adotadas. Na prática, o PPFL possibilitou levar o Lean para o gemba da ferrovia — local real onde a operação acontece.
A operação no Pátio de Transbordo de Graneis – PATRAG
Localizado na zona rural de Ouro Preto (MG), o Pátio de Transbordo de Granéis (PATRAG) é um terminal multimodal composto por quatro vias férreas: uma exclusiva para descarga de vagões por gravidade; uma para carga e descarga de vagões — dotada de um muro de concreto em nível superior à borda da caixa dos vagões; e duas exclusivas para carga de vagões. Também estão contidos no PATRAG quatro pátios para estocagem de produtos, sendo dois (A e B) exclusivos para MFE, outro para produtos diversos e mais um para antracito (variedade de carvão mineral). O projeto de melhoria em questão focou as vias exclusivas para carga de vagões do produto MFE e aos pátios de estocagem A e B do terminal. As figuras de 1 a 4 ilustram o terminal e as operações.
Figura 1 — Layout do PATRAG (Adaptação: Renato Oliveira)
Figura 2 — PATRAG em perspectiva (Adaptação: Renato Oliveira)
Figura 3 — Pátio “A”:via férrea/linha do Muro – PATRAG. (Foto: José Assunção)
Figura 4 — Pátio “B”:via férrea/linha do Barranco – PATRAG. (Foto: Gustavo Teixeira)
O minério de ferro (MFE) chega ao PATRAG via modal rodoviário, onde é estocado nos pátios A e B. O produto é armazenado em pilhas distintas a depender de sua qualidade físico-química e das demais especificações dos clientes. Posteriormente, os vagões são posicionados de forma adjacente às pilhas, carregados e viajam até o porto de Tubarão em Vitória (ES).
Construindo o projeto de melhoria a partir do Processo A3
A equipe de melhoria utilizou o Processo A3 para estruturar o entendimento do problema e a definição de contramedidas e ações. O Processo A3 é uma abordagem guiada por um formulário onde o problema, a análise, as contramedidas e o plano de ação são escritos em uma única folha de papel (tamanho A3), normalmente utilizando-se gráficos e figuras.
Na Toyota, os relatórios A3 evoluíram até se tornarem um método padrão para resolução de problemas, relatório de status e exercícios de planejamento. A3 é o termo internacional para uma folha de papel com 297 milímetros de largura e 420 milímetros de comprimento. Ele permite que todos os envolvidos num determinado problema, o enxerguem sob a mesma ótica.
Para John Shook, autor do livro “Gerenciando para o Aprendizado”, o conceito de A3 vai muito além. Ele afirma que se trata de um processo de gestão para desenvolver o aprendizado entre os colaboradores de modo a construir uma organização repleta de solucionadores de problemas.
O Processo A3 seguiu 7 passos que permitem selecionar o problema a ser tratado, compreendê-lo, traçar metas, analisá-lo, agir e acompanhar sua solução e seus resultados. A Figura 5 representa o formulário usado no A3 como operacionalização do método científico PDCA (“Plan, Do, Check, Act”, ou “Planejar, Fazer, Verificar, Agir”, em português) por meio dos 7 passos do Processo A3:
- Contexto
- Estado Atual
- Metas e Objetivos
- Análise de causas
- Estado Futuro
- Plano de implementação
- Monitoramento
Figura 5 — Escopo do Formulário A3 que guia o processo A3 utilizado no projeto e sua relação com o PDCA
O Formulário A3 é composto de dois lados: esquerdo e direito. A clareza e o bom entendimento construído e transmitido pelo lado esquerdo (passos 1 a 4) é base facilitadora para a condução propriamente das atividades de melhoria e seu acompanhamento, que se registra do lado direito (passos 5 a 7). Dessa forma, para compreender o fluxo operacional, mensurar as variáveis da composição do tempo de atravessamento de vagões, o “lado esquerdo” do Formulário A3 começou a ser desenvolvido..
Entendendo o Estado Atual e definindo o Estado Futuro através do MFV
No campo de Estado Atual (etapa 2 do Formulário A3), a equipe do projeto verificou a necessidade de identificar, analisar, mensurar e integrar de forma sistêmica todas as atividades envolvidas no macroprocesso da operação no terminal. Para isso, foi aplicado o Mapeamento de Fluxo de Valor (MFV), que permitiu a classificação das atividades no fluxo de materiais e informações a partir das seguintes categorias:
- Valor agregado (VA)
- Necessário, mas Sem Valor Agregado (NSVA)
- Sem Valor Agregado e desnecessário (SVA)
O MFV foi escolhido para ser utilizado porque permite enxergar o fluxo das etapas contidas num processo, possibilitando identificar e eliminar as atividades SVA, reduzir as NSVA e dar atenção focada nas VA. Em termos operacionais no PATRAG, é possível exemplificar essas categorias da seguinte forma:
- VA: vagões posicionados para carga; carregamento dos vagões;
- NSVA: movimentação do trem para posicionamento dos vagões; transporte do produto da pilha até o vagão;
- SVA: movimentação de operadores; abastecimento das pás mecânicas.
O escopo metodológico para aplicação do MFV seguiu o estruturado no livro “Aprendendo a Enxergar“, de Mike Rother e John Shook. Esse escopo envolve primeiramente o desenvolvimento do Mapa de Estado Atual, que representa o fluxo verdadeiro, com seus problemas e desperdícios reais. Após a boa compreensão do estado atual, constrói-se o Mapa de Estado Futuro, com o fluxo melhorado, e, na sequência, o Plano de Implementação, considerando as ações necessárias para implantação do Estado Futuro.
Para construir o MFV, foi utilizada a plataforma visual colaborativa MIRO. O mapa foi criado por ícones e símbolos padrão para identificar e representar o fluxo de materiais e informações. Através do mapa de estado atual foi mensurado o tempo de atravessamento de vagões em 932,1 minutos. O mapa do Estado Atual está representado na Figura 6.
Figura 6. MFV – Estado Atual dos trens no PATRAG
Aprofundamento do entendimento do problema
O tempo de atravessamento de vagões no terminal foi dividido em suas três etapas — antes, durante e após o carregamento — e categorizada por “responsáveis”: Mina e Ferrovia, de acordo com a equipe (mina ou ferrovia) responsável pelo vagão naquele momento da operação. A Tabela 1 apresenta os tempos reais obtidos por meio do Mapeamento do Estado Atual.
Tabela 1. Tempo de atravessamento real dos vagões no PATRAG (em minutos)
A partir das observações e da necessidade de melhoria para atendimento do cliente no porto, foram definidas metas para as etapas do tempo de atravessamento de vagões, correspondendo à etapa 3 do Formulário A3 (Metas e Objetivos). A definição de um objetivo principal de reduzir 40 minutos na etapa após carregamento dos vagões foi direcionada nessa etapa. As metas estão apresentadas na Tabela 2 — os números destacados em vermelho são as metas ainda não atingidas quando comparadas com os tempos reais da Tabela 1.
Tabela 2. Meta de tempo de atravessamento de vagões no PATRAG [em minutos].
A partir dos dados, observou-se que a principal etapa que demandaria o enfoque do estudo para melhoria era a “após carregamento”. No Mapa de Estado Atual, também foram listadas as fases de sequenciamento das atividades contidas na etapa “pós-carregamento”, que envolve desde a finalização do carregamento até a circulação do trem para o próximo pátio ferroviário (Pátio de Engenheiro Lafaiete Bandeira). A Figura 7 ilustra o esquema de sequenciamento das atividades.
Figura 7. Esquema sequencial de atividades após carregamento dos trens de MFE origem PATRAG – Estado Atual.
Na sequência, a equipe utilizou da Folha de Estudo do Processo (FEP) para coletar tempos em campo e outras observações dos elementos de trabalho das atividades da Figura 7. A FEP permitiu detalhar tempos e outras variáveis em uma perspectiva mais “micro” que o visualizado no MFV, cujo objetivo de visualização é mais sistêmico. A Tabela 3 apresenta uma FEP preenchida.
Tabela 3 – Folha de Estudo do Processo (FEP preenchida)
Fechando o lado esquerdo do A3 e partindo para o lado direito
A seguir, conforme a sequência de passos do Formulário A3 — correspondendo à etapa 4 (Análise de Causas) —, o grupo analisou as causas que estavam colaborando para o aumento do tempo de atravessamento dos vagões, identificando as principais por meio de um diagrama. A Figura 8 apresenta o diagrama de causas e traz a marcação das principais (X1, X2, X3, Y e Z).
Figura 8 – Diagrama de causas elaborado
A partir da análise, a equipe do projeto destacou ao menos duas contramedidas para cada causa raiz descoberta. Associada ao mapa de fluxo de valor do estado futuro, a tabela de contramedidas compõe a etapa 5 do Formulário A3 (Estado Futuro), sendo a primeira etapa do lado direito do formulário, descrita na Tabela 4.
Tabela 4 – Contramedidas propostas para cada causa identificada
No passo 6 do Formulário A3 (Plano de Implementação), a equipe do projeto definiu o passo a passo para o desenvolvimento prático das contramedidas. O plano de ação pode ser visualizado na Tabela 5.
Tabela 5 – Plano de ação
Resultados alcançados e próximos passos
As contramedidas foram implementadas e monitoradas durante cinco meses. O acompanhamento — que consiste na etapa 7 do Formulário A3 — permitiu confirmar que o objetivo definido pela equipe para a etapa “após carregamento” passou a ser atingido e sustentado. Ainda restaram algumas questões a serem endereçadas, mas elas se encaixam na continuidade do ciclo PDCA como as questões que representam os próximos passos a serem abordados e aperfeiçoados, dando prosseguimento à melhoria contínua.
Outros resultados foram apurados durante o período de intervenção como consequência do projeto. Os impactos foram considerados como muito expressivos no período:
- Redução de 726 voltas de manobras na formação dos trens;
- Redução de 254 horas no tempo global de atravessamento de vagões após o carregamento;
- Redução de consumo de 20.180 litros de diesel e biodiesel (parcelas respectivamente de 88% e 12%);
- Saving de R$ 96.862;
- Redução de emissão de 55,96 TCO2.
Em resumo, o redesenho operacional refletiu positivamente na organização. Também como próximo passo, foi encaminhada a realização do “yokoten” (disseminação das novas práticas e lições aprendidas), prevendo a expansão da melhoria para a operação de formação e circulação dos trens com vagões carregados com produto siderúrgico no Pátio Intermediário de Ouro Branco.
A partir do “yokoten” previsto, novos resultados serão estimulados, bem como novas equipes serão formadas e capacitadas para desenvolvimento da prática Lean. Como conclusão, a prática do pensamento Lean descrita neste artigo no modal ferroviário demonstra sua adaptabilidade aos mais diversos temas e práticas do dia a dia, semeando sua abordagem estruturada e sustentada para a melhoria contínua dos resultados.
Com a continuidade das iniciativas Lean na empresa, a divulgação de sua prática visa colaborar com a ampla disseminação do pensamento Lean para poder cada vez mais servir de meio para melhorar as organizações e a sociedade.
[1] Equipe multidisciplinar denominada “Status Quo”, formada pelos colaboradores Diego Ramos, Gustavo Teixeira, Gileno Herculano, Hamilton Alves, José Carlos Assunção Dutra e Rosália Silva.