Tem dado frutos a discussão atualíssima sobre o uso da tecnologia e da Inteligência Artificial (IA) na agropecuária brasileira. Fala-se muito, por exemplo, da capacidade das novidades tecnológicas em aumentar exponencialmente a produtividade nas fazendas.
No entanto, quem atua nesse setor com um olhar mais pragmático já percebeu que tem faltado um “fertilizante” essencial nessa lavoura: para realmente frutificar, a tecnologia precisa ter como base a melhoria da gestão. De modo geral, no entanto, temos visto que nem sempre o terreno está preparado para receber determinadas inovações e extrair delas o máximo do potencial.
Desvantagens da tecnologia sem lean
Motivo de orgulho no mundo, nosso agronegócio é um dos pilares da economia nacional. Representa quase 25% do PIB, mais de 20% dos empregos e cerca de 47% das exportações. Portanto, o alerta é necessário. Há uma série de problemas que podem ser potencializados ao se adotar tecnologia no campo sem antes melhorar a gestão.
Quando se decide pela aplicação de uma nova tecnologia sem uma análise profunda, é forte o risco de se aprimorar um processo que tem lacunas operacionais básicas ou que até mesmo nem deveria existir. Isso agrava problemas existentes e pode gerar novas dificuldades.
O pensamento lean nos direciona a, antes de pensar na solução tecnológica, analisar cuidadosamente e melhorar os processos e a organização do trabalho, para depois considerar sua adoção, se necessário, na dose certa. Essa é uma premissa básica da gestão lean em qualquer área e também no agro.
Podemos, por exemplo, fazer uso de avançada tecnologia para reaplicar um defensivo agrícola com extrema precisão. Em se tratando de uma reaplicação, porém, isso significa que o processo feito da primeira vez não saiu com a devida qualidade. Há aí um indício de que a primeira aplicação precisa melhorar, para evitar o retrabalho. Esse é apenas um dos possíveis exemplos em que a tecnologia está otimizando uma etapa do processo que, por essência, não deveria sequer existir.
Outro aspecto importante é a relação entre o custo e o benefício com as novas tecnologias. Podem representar um investimento alto para determinados produtores, comprometendo e engessando orçamentos, mas gerando resultados isolados e duvidosos. Assim, a gestão precisa ser capaz de avaliar criteriosamente os impactos gerados pelas decisões de investimento em tecnologia e suas implicações para as operações do dia a dia no campo.
Outro risco é adotar ferramentas avançadas demais, muitas vezes inacessíveis aos trabalhadores, que passam a depender de habilidades inéditas para realizar suas atividades ou acessar determinadas informações. Além de criar dificuldades adicionais à realização do trabalho, tem-se a tecnologia essencialmente subutilizada.
Por exemplo, nos tratores e máquina agrícolas modernas, cujos cockpits são munidos de painéis digitais, touchscreen, com diversos recursos. Não é incomum encontrarmos operadores que não têm domínio pleno dos recursos e acabam, na prática, utilizando apenas as funções mais analógicas dos equipamentos, subaproveitando o investimento e gerando ainda mais desperdícios.
Tecnologias de ponta precisam ser supridas com insumos, manutenção, peças e diversos outros elementos. Quando não se tem um bom equilíbrio entre as operações, pode-se deixar um equipamento fantástico parado por falta desses elementos básicos. É o caso de frentes de plantio com maquinários de última geração que não podem avançar por falta de área preparada, gradeada ou de plantadeiras repletas de sensores, mas que também não conseguem operar, pois precisam esperar que as sementes tratadas cheguem até o talhão, onde ocorre a operação em si.
Outro desafio a ser superado é a capacidade de análise de dados para a tomada de decisão. Temos visto tecnologias que geram um volume infindável de dados coletados em campo, mas que não chegam a ser transformados em informações úteis para a gestão. Muitas máquinas possuem computadores de bordo que fazem medições em tempo real de eficiência, velocidade etc. No entanto, pouquíssimos desses dados passam por uma análise racional (e em tempo hábil) por parte da gestão.
O que vemos, com certa frequência, é se utilizar dados como fontes de justificativas para problemas que já aconteceram. Nesses casos, geralmente, já é tarde demais, pois os problemas já geraram consequências de difícil correção. Ter os dados, portanto, não basta para ser eficiente. Equipes e gestores precisam estar preparados para analisá-los corretamente e tomarem as devidas ações e decisões.
Vantagens da tecnologia com a gestão lean
Por outro lado, se a transformação e melhoria da gestão servirem como uma base sólida para a implementação de novas tecnologias, as vantagens podem ser imensas e duradouras.
No nível da estratégia, a gestão lean pode dar maior clareza de propósito ao negócio, fazendo com que os esforços sejam concentrados e priorizados seguindo o “norte verdadeiro”. A partir daí, o foco deve ser traduzir e desdobrar esse propósito para diferentes níveis, conectando equipes e direcionando-as para o sucesso do todo. Assim, a tecnologia implementada será naturalmente pensada dentro dessas bases, facilitando a integração necessária para execução das estratégias. Uma coisa estará conectada à outra de maneira muito mais orgânica.
Além disso, lean tem como essência a cotidiana e contínua busca pela melhoria de todos os processos, todos os dias, por todas as pessoas. Com isso, torna-se quase inevitável que novas tecnologias sejam pensadas e implementada para potencializar essa jornada, preferencialmente na busca por gerar mais valor para o cliente. Ou para ajudar os trabalhadores, em diferentes níveis e funções, a revelar problemas, identificar causas e implementar soluções.
Por exemplo, aplicativos para compilar dados e fazer cálculos, evitando a necessidade do trabalhador de fazê-los, como para o cálculo de coeficiente de variação de sementes, por exemplo. Sem o aplicativo, o operador tem de anotar todos os dados e, posteriormente, efetuar a conta. Além de evitar possíveis erros, a atividade exige menos tempo para ser realizada e permite que os dados sejam salvos automaticamente. Também há recursos mobile para capturar e estruturar sugestões de melhorias, orientar auditorias, distribuir tarefas e atividades, registro de solicitações de compras, entre outros.
Não podemos nos esquecer que existe uma interface crítica da tecnologia com as pessoas, uma vez que ela depende de um comando de um indivíduo, em última instância. Se esse “start” for errado ou impreciso, o resto tenderá a ser problemático. Se o operador não dispuser de conhecimento e boas informações, suas decisões podem gerar comandos equivocados para toda a operação, tornando a atividade realizada incorreta, imprecisa ou desnecessária.
Nesse contexto, torna-se essencial entender que, para a gestão lean, não há uma “fórmula” para se utilizar tecnologia. A recomendação básica é descobrir, definir e perseguir propósitos relevantes. Na prática, o produtor precisa conhecer precisamente e profundamente os problemas que deve resolver primeiro, antes de pensar em tecnologia. Isso porque o agronegócio é uma área com realidades, desafios, potenciais e limitações únicas, especialmente em função do clima e variáveis biológicas.
Está claro que a tecnologia chegou com tudo e veio para ficar, especialmente no campo. No entanto, apesar de já demonstrar resultados interessantes, sob um olhar lean, ainda se pode fazer muito mais e melhor. Na história das organizações, em praticamente todos os setores, saltos tecnológicos trazem coisas boas, mas também muito ruído e novos problemas, quando não se compreende com clareza como absorvê-los em contextos específicos. Com o campo, não tem sido diferente.