SAÚDE

Por uma estratégia com mais “saúde”

Flávio Battaglia e Paloma Rubinato Perez
Por uma estratégia com mais “saúde”
Como gestores de hospitais precisam pensar, estruturar e desdobrar a estratégia para entregar um cuidado mais coordenado e integrado, fortalecendo o papel da gestão na área da saúde

A elaboração e o desdobramento da estratégia são assuntos recentes nos hospitais brasileiros. Embora representem conceitos cada vez mais disseminados e discutidos, ainda estamos em estágio inicial de aplicação prática e evolução. Algumas instituições já revelam maior maturidade, é verdade, mas são exceções. Infelizmente, pouquíssimas organizações do setor de saúde contam com planos robustos e sustentáveis no longo prazo. E, mesmo essas, demonstram enormes dificuldades no desdobramento, na implementação e no acompanhamento da estratégia.

Ao longo dos últimos 15 anos, temos apoiado diretamente a transformação de diversos hospitais e clínicas médicas no Brasil e no exterior. E desenvolver a gestão da estratégia, da formulação ao gerenciamento diário, tem sido um dos desafios mais interessantes e promissores. Revitalizar a gestão talvez seja um dos únicos caminhos viáveis para alcançarmos novos patamares de segurança, qualidade e custos na área da saúde. Os recursos vão continuar escassos, a demanda vai continuar aumentando, e os preços dos insumos, também.

Se não formos capazes de aperfeiçoar processos e reduzir drasticamente os desperdícios, não será difícil prever o final da história. Buscando contribuir nesse sentido, elencamos algumas características que precisam estar reunidas para que a gestão da estratégia tenha sua efetividade aumentada. Trata-se de elementos fundamentais que fomos identificando enquanto ajudávamos as organizações a buscarem novos patamares de desempenho.

Um primeiro ponto a se destacar é que a gestão da estratégia feita da maneira lean coloca, verdadeiramente, o paciente como centro do cuidado. Lean começa com a definição precisa de quem é o cliente e o que é valor para ele.  Ou seja, tudo o que for pensado, planejado e executado precisa ter como foco único e essencial aperfeiçoar a entrega de valor associada à experiência do paciente.

Um segundo elemento consiste em focar a gestão e direcionar o trabalho das equipes na identificação e eliminação cotidiana de desperdícios. Indivíduos e grupos devem ser conscientizados e treinados para observar criticamente o trabalho do dia a dia, buscando identificar e eliminar atividades que consomem tempo e recursos, mas que não se traduzem em valor para o paciente.

Terceiro ponto fundamental: elaborar, desdobrar e gerenciar a estratégia, sempre buscando engajamento legítimo e verdadeiro das pessoas. Elas não podem ser apenas “alvos”, mas, sim, participantes ativas e integradas ao longo das diferentes etapas do processo gerencial, do começo ao fim. Para isso, precisamos fortalecer a cultura de transparência e os processos de comunicação.

Passo a passo do hoshin kanri

Para se colocar tais elementos em prática, o hoshin kanri, uma das bases da maneira lean de fazer a gestão da estratégia, busca alinhar os objetivos da organização com as decisões e o trabalho no dia a dia. O passo a passo básico para se pensar e estruturar isso envolve algumas etapas críticas.

Primeiro, trabalhar cuidadosamente na formulação da estratégia, que precisa representar de maneira clara e precisa qual deve ser a orientação estratégica da instituição, seu “norte verdadeiro”. Em seguida, priorizar os esforços, o que significa selecionar os “direcionadores” do desdobramento estratégico.

Então, atuar efetivamente no desdobramento propriamente dito, ou seja, na definição dos objetivos macro e suas implicações para toda a organização. Em seguida, trabalhar no detalhamento sobre como alcançar os objetivos em cada um dos processos selecionados. A partir daí, será necessário investir em comunicação, proporcionando negociações e alinhamentos com diferentes níveis da organização e integrando capacidades e recursos, tanto de maneira vertical quanto horizontal.

E quando tudo estiver a “pleno vapor” será fundamental implementar mecanismos robustos para assegurar a prática efetiva do Gerenciamento Diário (GD), outro método lean que consiste, em resumo, em acompanhar de perto a execução das rotinas e planos. Nessa etapa, de monitoramento e ajustes, é preciso ter olhar crítico, para se avaliar os progressos, mas, principalmente, as imperfeições, no sentido de entender problemas, causas raízes e implementar contramedidas criativas para se fazerem correções.

Pessoas no centro

Em todo esse processo, há uma premissa básica: as pessoas devem estar, de fato, em primeiro plano. Nesse caso, não estamos nos referindo aos pacientes, mas, sim, aos colaboradores, profissionais de saúde que provêm e gerenciam o cuidado. A elaboração e o desdobramento da estratégia são capitaneados pela alta administração, mas precisam envolver toda a instituição, contemplando os diferentes níveis hierárquicos, para que haja pleno entendimento e senso de pertencimento. As pessoas precisam enxergar seus respectivos papeis dentro do contexto estratégico, conectando propósitos individuais às necessidades da organização.

Cada um deve saber de maneira clara e precisa qual é a sua contribuição para o todo. Para isso é preciso comunicar e alinhar os objetivos estratégicos, considerando todos e em todos os níveis, garantindo que colaboradores, setores e áreas funcionais entendam claramente seus desafios específicos e ações necessárias.

Nesse sentido, indivíduos e equipe precisam ter seus desempenhos associados a métricas inteligentes, com metas estabelecidas, o que deve ser potencializado por processos fluídos entre departamentos, centrados na jornada do paciente, do início ao fim, e não em entregas específicas de silos isolados. Assim, conseguimos colaboradores mais engajados e menos sobrecarregados.

Para isso, o sistema lean fornece uma série de métodos e “ferramentas”. Por exemplo, reuniões de revisão periódicas, feitas com apoios de quadros de gestão visual, com definição e monitoramento de indicadores-chave. Além de processos rápidos de melhoria que podem e devem ocorrer com o envolvimento ativo de todos os colaboradores na identificação e eliminação de desperdícios.

É evidente que não se trata de algo fácil ou mesmo rápido de se fazer. Pensar, elaborar, desdobrar e gerenciar a estratégia num grande hospital, por exemplo, demanda considerável esforço e muita disciplina. Por isso, o papel da liderança tende a ser decisivo.

No entanto, se tudo for feito de maneira cuidadosa e eficiente, os resultados compensam. Processos gerenciais bem desenhados tornam possíveis as tão almejadas melhorias de desempenho sustentáveis ao longo do tempo. Se não formos capazes de construir práticas consistentes de gestão da estratégia, dificilmente conseguiremos garantir que as melhorias serão mantidas estáveis ao longo do tempo.

Sem rotinas gerenciais sólidas, tempos de espera reduzidos poderão, rapidamente, voltar a crescer. Desperdícios de recursos que tinham sido eliminados podem voltar a fazer parte da realidade do dia a dia com extrema facilidade. Melhorias na qualidade do atendimento e na segurança dos pacientes podem ficar comprometidas diante de uma simples mudança na equipe assistencial ou gerencial.

A elaboração, o desdobramento e acompanhamento da estratégia sob a ótica lean são processos de gestão essenciais para se atingir um cuidado coordenado e integrado. Eles podem garantir que pacientes recebam atendimento com agilidade, eficácia e custos controlados ao longo das diferentes etapas do cuidado, desde a prevenção, passando pelo tratamento e reabilitação.

Publicado em 13/06/2024

Autores

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil
Paloma Rubinato Perez
Head para Saúde no Lean Institute Brasil

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