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Desafio da gestão é tornar a criatividade uma “rotina”

Flávio Battaglia
Desafio da gestão é tornar a criatividade uma “rotina”
Precisamos ser capazes de despertar e canalizar o potencial criativo de “pessoas comuns”, a grande maioria de todos nós, para que a inovação deixe de ser um conceito associado a grandes saltos tecnológicos e vultosos investimentos.

Um recente levantamento do Fórum Econômico Mundial sobre as tendências do trabalho nas organizações mostrou que a criatividade continua sendo prioridade para as empresas. Quase 60% delas acreditam que se trata de uma capacidade fundamental no cotidiano de trabalho.

E é um fenômeno que deve ganhar ainda mais força com advento de novas tecnologias, como a inteligência artificial, que estão demandando novos patamares criativos para, por exemplo, entender como lidar e extrair o melhor desse inédito aparato tecnológico de que dispomos.

A questão, então, é compreender como a criatividade pode se manifestar no cotidiano das empresas. Nesse contexto, há aquele conceito de criatividade, digamos, mais “tradicional”, vinculada a pessoas “acima da média”. Aqueles indivíduos, por vezes raros, que têm ideias realmente geniais, criam coisas evidentemente novas e transformam processos, empresas e, até mesmo, os destinos do mundo.

Por vezes, ficam famosos e entram para a história: Thomas Edison, Henry Ford, Alfred Sloan, Steve Jobs. Só para citar alguns “medalhões” da história corporativa que foram brilhantes mentes inovadoras, cada um a seu modo e tempo, no universo organizacional. Criaram produtos, serviços e métodos que transformaram definitivamente a maneira como se organiza a vida humana em boa parte do planeta Terra.

O dilema, porém, é que não é tão fácil encontrar ou mesmo formar pessoas com o potencial criativo demonstrado pelas grandes lendas dos negócios. Tanto é verdade que eles se tornaram celebridades porque representam tipos raros de aparecer e se destacar. Infelizmente, a maior parte das empresas, na maior parte do tempo, não pode contar com “gênios” inspirados para resolver seus problemas de maneira criativa e inspiradora.

A maneira lean de gerenciar tem uma boa resposta para isso. Trata-se de colocar em prática rotinas de gestão que incentivem todas as pessoas da empresa, do presidente ao assistente, a externalizarem, de maneira estruturada, suas ideias e sugestões. Em tese, todos os indivíduos em uma organização estão aptos a pensar. É preciso, no entanto, criar ambiente e momentos, com estruturas específicas de gestão, que permitam às pessoas exercitarem sua criatividade em bases regulares, cotidianas, incorporando pequenas e frequentes inovações de maneira orgânica e permanente.

Para isso, precisamos estimular todos os indivíduos da organização a desenvolverem um “olhar crítico” sobre a natureza do trabalho que fazem. “Crítico” no sentido de que as próprias pessoas percebam e analisem, de maneira aprofundada, as atividades que executam, mas no sentido prático de buscar melhores maneiras de se fazer aquilo, com mais qualidade, segurança e produtividade.

Na gestão lean, as pessoas são estimuladas, treinadas e inseridas numa dinâmica de trabalho que as faz olhar para seus respectivos processos para, por exemplo, encontrar e eliminar desperdícios de maneira permanente. Nesse caminho, elas aprendem a revelar e resolver problemas, dos pequenos aos maiores, sempre seguindo a lógica do método científico. Assim, estarão sempre buscando melhorar seus processos, aprendendo mais e mais sobre eles, compartilhando ideais e permitindo que as práticas inovadoras sejam disseminadas pela organização.

Isso, se for bem implementado, pode criar um “moto-perpétuo” que tende a tornar a empresa um ambiente constantemente criativo, com práticas direcionadas à inovação cotidiana. E não ficar dependendo de “gênios iluminados” para que somente grandes saltos aconteçam. Gênios iluminados são recursos escassos. Precisamos ser capazes de despertar e canalizar o potencial criativo de “pessoas comuns”, a grande maioria de todos nós, para que a inovação deixe de ser um conceito associado a grandes saltos tecnológicos e vultosos investimentos.

Então, talvez o grande desafio das empresas não seja a necessidade de identificar pessoas criativas em seus processos de recrutamento e seleção, para que atraiam e retenham indivíduos com criatividade “pronta” para usar. Talvez o desafio esteja em como estruturar a gestão para que as pessoas com as quais já contamos possam exercitar, de fato, todos os dias, o poder criativo para fazer as coisas de maneiras mais simples, econômicas e eficazes.

Publicado em 22/05/2024

Autor

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil