A minha experiência com vários anos na transformação lean levou-me a refletir sobre nossos sucessos e dificuldades.Um dos grandes desafios de qualquer jornada lean é a gestão de pessoas e equipes. A aplicação de ferramentas tem resultados expressivos e empolgantes, mas nem sempre duradouros.
Muito dessa dificuldade de sustentação deve-se ao distanciamento dos gestores às pessoas e aos processos sob suas responsabilidades. Podemos entender o sistema como um ser vivo, que sofre mutações ao longo do tempo e, portanto, não admite lacunas de acompanhamento e na atuação constante por parte das lideranças.
O sistema de gestão de pessoas e equipes tradicional pouco tem valorizado o conhecimento dos gestores da operação e o respeito aos colaboradores através de treinamentos aprofundados para ganho de conhecimento. Muito se valoriza o “status”, o glamour da posição, a posição social e hierárquica dos cargos.
É muito comum ter o “dia da visita” do diretor, da alta direção e até média gerencia à planta (chão de fábrica) como algo especial e raro, não como algo do dia-a-dia.
A tendência das pessoas é assimilar a forma de trabalhar sem questionamento, o que nos leva a achar que os processos são dessa forma e que temos que nos adaptar a eles. Muitas vezes, incorporamos grandes problemas ergonômicos, de segurança e até nos acostumamos às deficiências dos processos pouco produtivos.
Os gestores de pessoas são os responsáveis diretos por construir uma cultura de resolução de problemas utilizando os princípios lean, através das pessoas por eles liderados. Comumente, temos visto muita ênfase em ferramentas e pouca abordagem dos requisitos da liderança no dia a dia na transformação de cultura em direção ao sucesso das empresas.
Raramente nos colocamos na condição de bons ouvintes dando voz aos membros da equipe e às pessoas que efetivamente executam os processos, e este é um fator decisivo para o sucesso ou fracasso da atuação do gestor de pessoas e equipes. Os gestores foram educados para terem respostas para todas as perguntas, darem ordens e terem a solução para todos os problemas de forma a não demonstrarem fraquezas, no entanto esse comportamento inibe talentos, entusiasmo e opiniões das pessoas.
É comum o gestor se sentir dono da equipe, mas não parte integrante dela, com risco de não ser aceito pela mesma. Esta atitude nunca o levará ao compromisso de seus colaboradores; não haverá unidade coesa de trabalho e bons resultados nessa atmosfera.
O papel de um bom gestor deve andar na direção de construir uma cultura sólida de excelência operacional com forte alicerce em princípios; e para isso os processos devem ser bem dominados, conhecidos e alinhados à comportamentos consistentes para a compreensão e compromisso de todos os colaboradores.
Este círculo vicioso só pode ser interrompido com uma mudança de cultura ampla, a começar pela alta direção da empresa, onde de fato se encontra o maior foco de resistência às mudanças.
A mudança de estilo de gestão e liderança, atualmente dominante nas empresas e organizações para uma gestão e liderança lean, é bastante trabalhosa e requer grandes transformações; podemos dizer que a direção é quase que oposta. É uma mudança profunda no sentido de fazer as perguntas certas para as pessoas ajudando a identificar e resolver os problemas.
A mentalidade enxuta requer mudança de cultura associada ao ganho de conhecimento e a constante busca pela eliminação de desperdícios, e para isso é preciso olhar para as pessoas. Todo processo, por mais automatizado que seja, passa pelo ser humano. Não há nenhuma tecnologia que substitua o ser humano. Nesse ponto precisamos valorizar as pessoas porque tudo passa por elas.
O respeito às pessoas mais amplo no modelo Toyota dámaior responsabilidade pelo processo e pelas melhorias (kaizen) ao colaborador onde o processo acontece. Não existe nada mais eficaz e motivador do que o envolvimento dos colaboradores nas decisões do trabalho que os afeta.
O verdadeiro líder lean respeita seus colaboradores e se coloca ao lado deles, ao ponto de substituí-los na elaboração e execução do trabalho, quando necessário.
Um bom gestor considera-se um verdadeiro guardião do sistema conquistado sem no entanto estar conformado com o status quo, buscando melhorias contínuas e constantes.
A ferramenta mais eficaz para qualquer gestor é o gemba. Quando acompanhamos os processos “in loco”, e colocamos a atenção devida, dando voz aos operadores, ouvindo-os com atenção e respeito, conseguimos visualizar muitas vezes o “sofrimento” nas etapas de trabalho dos colaboradores. Nenhum gestor gosta de admitir seu desconhecimento sobre processos, mas o fato é que boa parte dos gestores administram por e-mails e telefone, no conforto de seus escritórios climatizados e bem decorados. Boa parte dos gestores desconhecem os processos e mal falam com seus colaboradores.
Um bom gestor deve ser bom instrutor para seus liderados, mas acima de tudo um educador e um mentor, extraindo de sua equipe as melhores habilidades de cada membro da equipe, com respeito, valorização e reconhecimento. Uma boa forma de respeito para com as pessoas é ajuda-las a melhorar seu desempenho profissional e pessoal. Isso se faz treinando-as com as técnicas e ferramentas de lean disponíveis para a melhoria da performance de seu trabalho diário e melhoria da eficiência através principalmente da redução dos desperdícios, ligando-as cada vez mais com o valor para o cliente.
A jornada lean requer um conhecimento profundo dos processos, bom conhecimento das ferramentas lean e fundamental mudança da gestão de pessoas e equipes para que uma nova cultura se inicie dentro da empresa de forma consistente e sustentável.
Numa jornada lean, para uma verdadeira transformação é preciso conhecimento, vocação e muita transpiração.
Pessoas que fizeram a diferença nos resultados são aquelas com atitude e brilho nos olhos.
*Instrutor de treinamentos do Lean Institute Brasil. Foi gerente da AstraZeneca do Brasil.