As pequenas empresas representam cerca de 90% da economia global e são responsáveis por uma enorme proporção do emprego. No entanto, quando se trata de lean, elas são frequentemente negligenciadas. A maioria das transformações lean que ouvimos e lemos referem-se a organizações de médio e (mais frequentemente) grande porte – muitas delas empregando milhares de pessoas e dependendo de cadeias de suprimento que atravessam diferentes continentes.
Mas a experiência do Lean Institute Brasil (LIB) e do SEBRAE nos últimos três anos prova que o lean também pode ter um impacto muito positivo nas PMEs.
O SEBRAE é uma agência financiada pelo governo presente em todos os estados brasileiros, que se dedica a apoiar pequenas e médias empresas. Historicamente, sua abordagem para desenvolver as capacidades dessas organizações tem se baseado em treinamentos presenciais e intervenções. Quando a pandemia chegou, esse modelo rapidamente se mostrou problemático e o SEBRAE procurou uma maneira de transformar uma dificuldade em uma oportunidade.
Foi nessa época que eles entraram em contato com o LIB e nos pediram para desenvolver um programa de consultoria – chamado Quick Wins – para seus membros no estado de São Paulo. A iniciativa visava fornecer às PMEs soluções imediatas e impactantes para os desafios que estavam enfrentando. Diferente dos programas tradicionais, o Quick Wins foi desenhado para ser 100% online, oferecendo treinamento pré-gravado em conjunto com sessões de coaching online em tempo real (usamos diferentes plataformas – Zoom, Meet, vídeo do WhatsApp – para garantir que cada empresa tenha acesso contínuo a nós, independentemente de sua infraestrutura tecnológica).
Empresas membros do SEBRAE que precisavam de ajuda – que variavam de igrejas a cabeleireiros e lojas – foram encorajadas a participar do programa Quick Wins. Os resultados foram impressionantes e desafiam nossos preconceitos sobre a escalabilidade dos princípios lean.
O conhecimento certo para as pessoas certas no momento certo
Incapazes de visitar as empresas devido às restrições da Covid, nossos consultores tiveram que encontrar uma maneira diferente de avaliar o estado atual das empresas do SEBRAE para então fornecer-lhes uma proposta de melhoria. É por isso que, na fase de diagnóstico, eles pedem às empresas que façam um vídeo que mostre o processo com o máximo de detalhes possível. Esta é a nossa maneira de "ir até o gemba".
Com apenas duas a quatro semanas disponíveis para completar nossas intervenções e garantir melhorias tangíveis e rápidas, sabíamos que uma abordagem tradicional não seria suficiente. Portanto, para ajudá-los a desenvolver um entendimento básico do lean, nossos treinadores pedem aos aprendizes para assistir ao conteúdo em vídeo desenvolvido pelo LIB - parte dele obrigatório, parte dele sob demanda. As sessões de coaching são então usadas para desafiar as empresas clientes a executar as melhorias identificadas junto com os consultores.
Devido ao tempo limitado disponível para ajudar as organizações a alcançar esses ganhos rápidos, o LIB decidiu limitar o escopo do que ensinavam no programa a um pequeno número de ferramentas e técnicas lean fundamentais. O curso de treinamento online que desenvolveram é abrangente sem ser exagerado e inclui as ferramentas mais impactantes do conjunto de ferramentas lean: mapas de processo, folhas de instrução de trabalho, Ishikawa, 5 porquês, matriz esforço-impacto, 5S e gráficos de espaguete. Algumas dessas ferramentas - como o 5S - foram adicionadas em um estágio posterior, em resposta às solicitações vindas das empresas clientes.
A natureza dos problemas apresentados aos nossos consultores evoluiu ao longo do tempo. Inicialmente dominados por incertezas relacionadas à pandemia, os casos apresentados mudaram para desafios mais focados em operações conforme as empresas se adaptavam à mudança de cenário.
Exemplos
Como mencionado, todos os tipos de organizações participaram do programa Quick Wins. Aqui estão alguns exemplos curtos dos problemas que enfrentaram e das contramedidas que foram implementadas.
- Yonamine & Hito Alimentos é uma produtora de doces e algodão doce. Eles descobriram que estavam desperdiçando muito açúcar nos processos de produção e embalagem. As causas raízes do problema foram encontradas na ausência de um medidor de quantidade de açúcar para a turbina e da falta de padrões de trabalho, bem como de gestão visual. A equipe implementou várias contramedidas para lidar com a situação: começaram a usar um medidor uma vez que a quantidade certa de açúcar foi determinada; um POP (procedimento operacional padrão) para o processo foi estabelecido; a gestão visual na instalação foi reforçada e a equipe treinada. Essas mudanças resultaram em uma redução aproximada de 12% no tempo total do processo, com atividades sem valor agregado cortadas pela metade e atividades necessárias mas sem valor agregado reduzidas em 33%. Além disso, o tempo de espera foi cortado pela metade.
- Redora Serviços e Produtos de Mobiliário fabrica e repara móveis na cidade de São Paulo. Para diagnosticar o problema, a equipe examinou os requisitos dos clientes e percebeu que em seu processo piloto – cadeiras – havia uma quantidade excessiva de estoque e um desequilíbrio significativo entre as operações, resultando em um gargalo. Os colaboradores trabalhavam em grandes lotes e frequentemente ficavam ociosos. Para mudar as operações, células de produção foram introduzidas (Separação, Escolha, Selagem, Pintura e Montagem) e níveis mínimos e máximos de estoque para insumos foram definidos. Procedimentos claros para as células de produção foram desenvolvidos, controle de estoque foi implantado e um plano de manutenção preventiva foi elaborado. A empresa também mudou o layout para permitir um melhor fluxo de produção. Os operadores foram treinados nos novos procedimentos. Entre os benefícios obtidos, houve: equilíbrio de trabalho e uma redução nos tempos de operação; uma redução no lead-time de separação para despacho de 8 horas e 13 minutos para pouco menos de 7 horas; aumento da produtividade; e redução de custos através de uma melhor utilização do capital humano da empresa.
- Na empresa de alimentos Lorenzzo Comércio e Distribuição de Produtos Alimentícios, especializada na produção de massa para pizza e pastelaria, a aplicação do lean também trouxe grandes benefícios. A empresa enfrentava atrasos e baixa eficiência, especialmente no processo de secagem e durante o desembarque e liberação de carrinhos da instalação de secagem e do forno. Portanto, as metas de produção estabelecidas raramente eram alcançadas. O processo foi analisado para melhor equilibrar a produção entre as duas linhas. Além disso, a manutenção da câmara de secagem foi realizada e o tempo de ventilação para resfriamento da massa foi reduzido de 15 para 10 minutos, liberando assim carrinhos muito necessários. Graças a essas melhorias, o consumo de energia foi reduzido em 10% (economia de R$ 800/mês) e a produtividade diária melhorou em 50%. Além disso, a empresa economizou R$ 60.000, que estava prestes a investir na compra de novos carrinhos.
- Uma agência de marketing que também participou do programa Quick Wins estava procurando uma maneira de reduzir o tempo para fechar novos contratos e, assim, aumentar a receita. A análise do problema, realizada pela equipe e seu consultor do LIB, revelou que as principais causas eram a centralização das atividades, o trabalho das pessoas desviando-se de suas descrições de cargo, um processo de briefing desatualizado e a falta de informações fornecidas aos prospects. Para enfrentar a situação, a equipe começou a priorizar os clientes. Eles se esforçaram para definir melhor funções e responsabilidades e tornar os trabalhadores mais autônomos em seu trabalho. A criação de pacotes de produtos também se mostrou uma proposta atraente para os clientes da agência. Após a intervenção, o processo de fechamento de novos contratos levou 61% menos tempo do que antes (passando de 16 para seis horas – e agora eles estão tentando reduzir para duas horas).
- Starcookies vende biscoitos artesanais, mas estava tendo muitos problemas para controlar seu estoque de produtos acabados e com o espaço limitado disponível para armazenar seus produtos. Eles também não tinham um processo para planejar a produção. O inventário controlado era apenas o que estava disponível para venda (lote pronto). Colocando em prática o conhecimento adquirido durante o programa Quick Wins, a empresa começou a controlar o estoque por lotes, o estoque congelado, bem como as vendas esperadas. Como resultado, o tempo total necessário para completar o processo de gerenciamento de estoque diminuiu em 26%. Eles também realizaram uma análise ABC de seus produtos para entender quais deles dão a maior contribuição para sua receita. Uma grande mudança também foi implementada na maneira como os produtos são armazenados. Antes do programa, os biscoitos eram mantidos em sacos zip e apenas metade da capacidade do freezer era utilizada. Agora, caixas de 50 unidades cada são empilhadas uma sobre a outra, facilitando o controle de estoque e aumentando a capacidade do freezer em 86% - um adicional de 1.200 unidades.
Plantando sementes
Em uma mudança em relação à maneira tradicional de trabalho do instituto, o programa Quick Wins não tem como objetivo alcançar transformações lean em grande escala, mas entregar intervenções direcionadas que abordem problemas empresariais específicos. No entanto, isso não significa que a introdução do conhecimento lean básico nessas organizações não esteja plantando sementes que um dia possam crescer e levar a transformações mais amplas.
Em 2023, o terceiro ano do programa, houve uma transição para um modelo baseado em taxas. Menos empresas aderiram, mas o LIB observou um maior comprometimento, com as organizações participantes mostrando crescente interesse no desenvolvimento de habilidades de gestão de longo prazo.
O programa é uma maneira completamente nova de disseminar o pensamento e a prática lean pelo Lean Institute Brasil. A colaboração com o SEBRAE permitiu alcançar um número significativo de PMEs (bem mais de 3.000), demonstrando a aplicabilidade universal dos princípios lean. O sucesso do programa (refletido em um Net Promoter Score de 97%) levanta a questão: o que aconteceria se o programa fosse implementado em todo o país? E de fato, o que aconteceria se outros países adotassem uma abordagem semelhante de apoio às PMEs?
Acreditamos que o modelo que o LIB e o SEBRAE vêm explorando e aperfeiçoando nos últimos três anos pode servir de inspiração para governos e agências financiadas pelo governo em todo o mundo, incumbidos de melhorar a taxa de sucesso de pequenas e médias empresas. O lean é uma filosofia de gestão comprovada para ajudar a gerar lucros, e está claro para nós que uma maior lucratividade para as PMEs, que representam a espinha dorsal de nossa economia, levará à melhoria das condições de vida de milhões de pessoas.