GERAL

Em gestão, antes de agir, é preciso entender o “estado atual”

Flávio Battaglia
Em gestão, antes de agir, é preciso entender o “estado atual”
Se bem-organizados e interpretados, fatos e dados podem se tornar manifestações incontestáveis da realidade objetiva acerca do problema que estamos tentando resolver

Uma armadilha muito comum na gestão é tentarmos resolver um problema pensando precipitadamente em sua solução. Quando um problema relevante aparece, o senso de urgência se instala e a busca por alternativas sobre como resolvê-lo se inicia.

Claro que esse desejo de resolver o mais rápido possível é compreensível, pois, como sabemos, problemas são “dores de cabeça” e nos trazem prejuízos. No entanto, na maioria das vezes, principalmente em se tratando de problemas mais complexos, o chamado “jump to solution” não é o melhor caminho.

É preciso investirmos tempo e energia para entendermos de maneira mais profunda a natureza do problema, como ele está se manifestando e o que, especificamente, o está causando. Sem esse devido cuidado, corremos o risco de levar adiante esforços inócuos ou até contraproducentes.

No sistema lean, conhecemos essa prática como “compreender o estado atual”, uma das etapas do “pensamento A3”, que é um dos principais métodos para a solução de problemas que utilizamos.

Na prática, trata-se de um “mergulho” para compreendermos com o devido cuidado e abrangência a real situação em que o problema se apresenta. Idealmente, devemos coletar tais impressões in loco, indo até o local para ver a realidade com os próprios olhos. Precisamos dessa imersão para enxergar as lacunas em todas as suas nuances.

Para isso, líderes e liderados precisam conhecer o “gemba”, palavra em japonês que significa “lugar real” em tradução livre para o português. Utilizamos esse termo para nos referirmos ao local específico onde o trabalho acontece, assim como o valor que está sendo criado para ser entregue aos clientes. No “gemba”, a percepção a respeito do problema pode mudar drasticamente. E isso, por sua vez, pode ser decisivo para resolvermos (ou não) a dor que nos aflige.

Lá, é preciso vermos com os próprios olhos e buscarmos as evidências concretas que nos permitirão esclarecer a situação atual. Devemos perceber a realidade através de todos os meios disponíveis, individual e coletivamente, utilizando a tecnologia a nosso favor. Precisamos coletar os “fatos e dados” que possam revelar, inequivocamente, o que está acontecendo. Essa busca é fundamental.

Sem fatos e dados claros e objetivos, geralmente ficamos à mercê de opiniões ou “achismos” que geralmente não nos fornecem os melhores subsídios para que possamos visualizar e entender o real problema. Isso porque, como sabemos, “achismos” são interpretações meramente pessoais, baseadas em verdades próprias. Portanto, podem ou não ser válidas, corretas ou verdadeiras.

Já os fatos e os dados são “impessoais” e nos ajudam a enriquecer o entendimento sobre a realidade. É claro que podemos nos equivocar diante do desafio de interpretá-los, mas é melhor tê-los do que desconhecê-los. Se bem-organizados e interpretados, fatos e dados podem se tornar manifestações incontestáveis da realidade objetiva acerca do problema que estamos tentando resolver.

Assim, munidos de evidências concretas, retiradas diretamente de onde as coisas de fato acontecem, teremos melhores condições de enxergar e entender o desafio em todas as suas reais dimensões.

Se agirmos dessa maneira, aumentamos a chance de perceber e compreender algo que é decisivo para se resolver um problema de maneira eficaz: endereçar suas causas mais profundas, algo que conhecemos como “causas raízes”, as origens primárias que o alimentam e desencadeiam seus sintomas.

Isso é fundamental, pois se não atacamos os focos das causas, se ficarmos apenas na superfície, lidando prioritariamente com os sintomas, podemos ter a falsa sensação de que o problema foi debelado, mas ele ainda estará lá, operando, tornando-se eventualmente maior, mais forte, para, então, manifestar-se novamente, ainda mais complexo.

Essa maneira de abordar problemas sugere caminhos mais “científicos” para que evitemos decisões equivocadas e desperdícios de diversas naturezas. Problemas mal recortados e interpretados podem, mesmo diante das mais nobres intenções, suscitar soluções inadequadas ou até danosas. Tentando resolver um problema, podemos criar outros tantos.

Portanto, fique atento diante das oportunidades cotidianas de conhecer com mais profundidade os desafios com os quais está lidando. Tudo pode se tornar mais fácil e lógico se você conseguir “compreender o estado atual”. Vá ao gemba!

Publicado em 28/02/2024

Autor

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil