CONSTRUÇÃO

Lean integra e otimiza todas as etapas em Projetos EPC - Engineering, Procurement, and Construction

Flávio Augusto Picchi
O lean na etapa de construção já vem ampliando sua aplicação, sendo utilizado, em grau maior ou menor, por diversas empresas de construção pesada com resultados comprovados. Poucas, entretanto, descobriram os enormes benefícios que também podem ser obtidos com a aplicação integrada do lean na engenharia, compras e logística.

Grandes projetos de construção requerem grandes investimentos, envolvem diversos atores, possuem um longo prazo de execução e necessitam de um elevado número de fornecedores e de uma grande equipe técnica especializada. Nesse cenário, o modelo de contratação tradicional DBB (Design-Bid – Build), ao segmentar essas etapas, gera diversos problemas, bastante conhecidos do setor, dentre os quais as potenciais desconexões e conflitos de responsabilidades entre engenharia e execução.

A definição de um único interlocutor para todo o projeto e a busca de maior sinergia e otimização entre engenharia, compras e construção, tem motivado contratantes a utilizarem cada vez mais o modelo EPC de contrato (Engineering – Procurement – Construction).

A empresa que executa um projeto na modalidade EPC (conhecida como EPCista) tem a grande oportunidade de integrar essas etapas, eliminando desperdícios, otimizando processos, incentivando e propiciando momentos de colaboração. Podendo, assim, reduzir prazos e custos, maximizar a qualidade e entrega de valor para o cliente, e ao mesmo tempo aumentar sua competitividade e resultados.

As enormes pressões competitivas fazem com que seja praticamente obrigatória a aplicação do lean, de maneira integrada, nos projetos EPC. Contratantes e EPCistas que que não partam para esse passo desperdiçam enormes oportunidades de maximizar seus objetivos e resultados. Vejamos alguns exemplos de formas bastante efetivas de aplicação do lean em cada etapa.

Lean na Engenharia

Grandes projetos demandam soluções técnicas complexas, e a elaboração dessas soluções requer a interação de equipes multidisciplinares. A aplicação do lean na engenharia potencializa a inovação, através das sessões colaborativas de desenvolvimento de projeto, conhecidas como CDS (do inglês, Collaborative Design Sessions).

Essas sessões permitem que as diversas disciplinas de engenharia, suprimentos, fornecedores chave, executores e contratantes interajam e se unam e tragam seus conhecimentos específicos para desenvolver as soluções técnicas adequadas ao contexto específico do projeto. E com isso alinham objetivos e maximizam a construtibilidade.

A colaboração pode ser enormemente potencializada com a utilização de BIM (Building Information Modeling), que facilita enormemente a simulação e discussão de alternativas, e vem sendo utilizado cada vez de forma mais frequente em grandes projetos.

No desenvolvimento de um projeto outros conceitos lean podem ser aplicados, como a engenharia simultânea, engenharia de valor e target cost, visando simplificar e gerar soluções criativas para melhorar a qualidade e sustentabilidade, bem como para minimizar os custos de investimento e operação, de forma a maximizar o valor entregue ao cliente.

O próprio gerenciamento da engenharia muda, utilizando o conceito lean do planejamento puxado, no qual todas as partes são envolvidas. Durante essas interações, são identificadas as demandas de cada área e as interferências, buscando de maneira integrada formas de maximizar o resultado final do projeto, tratando potenciais conflitos entre as partes. Por exemplo, engenharia definindo especificações avançadas para a compra de itens de longo lead time, e disciplinas liberando etapas de projeto detalhado, puxadas pela sequência de fabricação e montagem.

Adicionalmente, essa colaboração pode ser estimulada com o uso de mais um conceito lean: o IPD – Integrated Project Delivery, através do qual contratantes criam mecanismos de compartilhamento de riscos e benefícios decorrentes das melhorias geradas pela equipe de projeto e construção.

Lean em Suprimentos

No setor da construção de grandes projetos, é comum ouvir que o setor de suprimentos pode decidir o resultado da obra. Isso acontece devido à importância dos processos de compras atrelados à logística de entrega dos materiais e equipamentos, muitos deles importados. Soma-se ainda a esses processos as contratações de serviços e mão de obra especializados.

Com o lean, num macro sistema puxado aplicado ao empreendimento, busca-se antecipar as demandas de acordo com a necessidade do ritmo da obra. Isso permite que o setor de suprimentos possa realizar processos de seleção de fornecedores de maneira eficaz e concluir com boas negociações de preços, possibilitando também providências referentes a itens de longo lead time a tempo, de forma que não comprometam a montagem na obra.

Nos processos de compras e logística, a comunicação e a colaboração entre os setores são melhoradas nas chamadas rotinas de remoção de restrições. Nessas rotinas, a partir de sessões semanais colaborativas entre engenharia, compras, produção e planejamento da obra, são identificadas as atividades que podem interromper o início de alguma atividade em campo, com antecedência, gerando ações rápidas de ajustes sempre que necessário.

A logística de entrega de materiais e equipamentos, quando não é bem planejada e executada, gera grandes problemas para a obra. Essa falha gera desperdícios relacionados à disponibilização de local para armazenamento, à necessidade de movimentação de materiais e equipamentos, à alocação de mão de obra para movimentação e transporte, à perda de materiais danificados durante as movimentações, entre outros.

O conceito just-in-time, típico do lean, visa disponibilizar o material ou o equipamento correto na hora certa da maneira certa. Este conceito faz uso de um planejamento detalhado e preciso que estuda as necessidades da obra, avalia as características dos materiais e equipamentos, analisa e otimiza as interferências durante o transporte e as movimentações até o ponto final de destinação. Aplica intensamente princípios, com a gestão visual e minimização de movimentações desnecessárias no canteiro.

Lean na construção

Esta é a etapa onde o lean já vem sendo mais aplicado, mas em muitos casos, apenas parcialmente, não aproveitando toda a potencialidade do conceito.

Durante a fase de construção a aplicação dos princípios Lean continua com o planejamento puxado para execução. Por exemplo, puxando a execução de etapas da obra a partir da sequência de entrega e montagem dos equipamentos principais.

Após definir a sequência de execução das construções, os esforços devem ser direcionados para a criação de fluxo contínuo de produção. Com a adoção do planejamento por takt é possível balancear as atividades durante a execução de cada etapa de construção, minimizando a os recursos necessários.

A execução desse planejamento ritmado é acompanhada de rotinas lean de gerenciamento semanal e diário. Um dos pilares do lean encontra-se nas pessoas e na comunicação entre elas, e é por isso que são utilizadas intensamente a gestão visual e interações frequentes. Essas práticas buscam deixar claros os padrões e metas, expor desvios que ocorram e estimular a rápida reação e correção na base, mantendo o executado mais aderente ao planejado.

Muitas empresas conhecem e aplicam somente as ferramentas de planejamento e controle lean, que são fundamentais e trazem enormes resultados de aumento de produtividade e redução de prazos, mas é importante também aplicar conceitos lean na otimização micro, que se refere a como o trabalho é realizado. Nesse sentido, ferramentas de eliminação de desperdícios e estabelecimento de trabalho padronizado são fundamentais, e devem ser aplicadas com a participação e contribuição das equipes de campo. Através dessas práticas, são estudas e planejadas diversas ações, visando tornar o trabalho mais seguro, produtivo e de qualidade.

Lean no gerenciamento geral do projeto

Mais do que ser aplicado em cada etapa, o lean dará mais resultados se aplicado como filosofia de gestão no projeto todo. A adoção dos princípios de lean desde a concepção do projeto é decisiva na criação de uma cultura de transparência e de colaboração, que gere maior engajamento das partes envolvidas. Essa Cultura Lean, além de melhorar a comunicação entre cliente e as áreas de engenharia, suprimentos e construção, busca trazer subcontratados chaves para interagir e melhorar os processos.

O conceito de Obeya quer dizer sala grande e se assemelha as iniciativas conhecidas como: “War Room”, “torre de controle" e outros. Essa rotina lean consiste na combinação de ampla gestão visual, dinâmicas de reunião colaborativa, e no foco em resolução de problemas e antecipação de cenários, com uns objetivos claros e bem definidos e acordados. O Obeya e as demais rotinas de gerenciamento lean promovem maior transparência e cooperação entre os envolvidos, e pode ser utilizada em cada etapa, bem como no gerenciamento geral do empreendimento.

A adoção dos princípios lean pode ocorrer também nos escritórios e setores administrativos que suportam os projetos de construção, e é chamada de Lean Office. Sua implementação tem sido combinada com rotinas ágeis (que têm sua origem no lean) e com a aplicação de tecnologias, no que chamamos de transformação lean digital. Pode ser aplicado para otimizar todas as atividades do escritório corporativo que apoiam o projeto, bem como nos fluxos de informação entre as especialidade e etapas. Pode-se também aplicar o lean office para otimizar os processos administrativos na obra, reduzindo custos indiretos, que em geral são bastante significativos em grandes projetos.

As empresas de construção pesada possuem em geral sistemas de gerenciamento sofisticados, mas muitas vezes pesados e pouco eficientes, o que gera dificuldades frente às crescentes demandas do mercado. Perdem uma grande oportunidade de modernizar e agilizar suas práticas, se não explorarem as enormes potencialidades da aplicação intensiva do lean nos projetos de EPC. Isso pode ser mais fácil do que se imagina, se for utilizado o princípio lean de pequenos ciclos de aprendizado.

Publicado em 22/11/2023

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil

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