CONSTRUÇÃO

Como o Lean pode impulsionar a Construção 4.0 e alavancar a produtividade do setor

Flávio Augusto Picchi, Vinicius Coral, Thomas Diepenbruck e Guilherme Odaguiri
Como o Lean pode impulsionar a Construção 4.0 e alavancar a produtividade do setor
A combinação do Sistema de Gestão Lean e da Construção 4.0 pode ser indispensável alavanca para os ganhos de produtividade de que o setor tanto precisa. Veja alguns cuidados importantes nessa transformação digital e dois exemplos reais de grandes construtoras.

Diversos estudos já demostraram que a produtividade da construção, no mundo, encontra-se estagnada, enquanto a de outros setores tem evoluído. Para responder a esse cenário desanimador, as construtoras estão buscando alternativas, dentre as quais o uso mais intenso de novas tecnologias digitais: conceitos como BIM, Construção Modular, Controle de Projetos e Inteligência Artificial vêm ganhando cada vez mais tração na indústria como proposta de abordagem ao problema.

Essas iniciativas veem ganhando visibilidade, muitas vezes agrupadas sob o título de Construção 4.0, se inspirando no termo Indústria 4.0. Vem crescendo, tanto na manufatura quanto em serviços, o uso do “Transformação Digital”, para deixar claro que se refere à transformação de negócios num sentido mais amplo, que abrange não só os aspectos produtivos ou de produtividade, mas também a conexão com clientes, novas formas de entrega de valor etc. O importante é que o uso de tecnologias, cada vez mais avançadas, disponíveis e baratas abre inúmeras possibilidades, que precisam ser bem entendidas e exploradas.

A construção se encontra em estágios iniciais de maturidade, se analisarmos as referências existentes em outros setores. A maioria das empresas está num estágio identificado como “digitalização”, ou seja, aplicando recursos digitais para alguns processos, em sua maioria relacionados à gestão. É sem dúvida um passo inicial importante, mas a transformação digital vai além disso, usando tecnologia para dar visibilidade (enxergar o que está acontecendo), depois servindo para entender os processos e relacioná-los através da análise de dados, e num estágio mais avançado apoiando decisões e formas de adaptação rápida, otimizando a resposta às demandas.

 

Se quisermos ir além da digitalização e percorrer esses estágios necessários para chegarmos à tão cobiçada Construção 4.0, o lean deve ser nosso aliado através do seu foco constante em melhorar os processos.

Cuidado para não digitalizar desperdícios  - remova-os antes

Um cuidado importante que precisamos ter quando implementamos elementos digitais nos processos é o de não automatizar os desperdícios. O lean tem foco muito forte na eliminação de desperdícios nos processos, evitando que apliquemos tecnologia em atividades que deveriam ser eliminadas.

Seguindo essa linha de raciocínio, em webinar promovido pelo Sinicon em parceria com o Lean Institute Brasil, o Grupo HTB, empresa com jornada lean bastante avançada, abordou vários exemplos de como agregou tecnologia aos seus constantes esforços de ataque a desperdícios, trazendo mais clareza e simplicidade e melhorando a eficiência geral das obras. Seguem alguns exemplos de como eles conquistaram isso:

  • Desperdício #1: Processos desnecessários. Utilizando uma distribuição eletrônica de projetos, o Grupo HTB conseguiu eliminar alguns processos que faziam que não eram necessários, como a distribuição de projetos impressos e a questão das assinaturas ao circular o diário da obra, que também foi digitalizado.
  • Desperdício #2: Defeitos. Através de checklists digitais, Paretos e análises preditivas, o Grupo HTB eliminou erros e aumentou a confiabilidade, além de facilitar no monitoramento das obras, o que se provou especialmente importante durante a pandemia da Covid-19.
  • Desperdício #3: Superprodução. Com o uso de linhas de balanço e modelagem BIM4D, eles conseguiram entender do que precisavam e em que momento precisam, para evitar que fizessem o que não era necessário.
  • Desperdício #4: Espera. As esperas na construção costumam ser geradas por restrições não resolvidas, então o Grupo HTB trabalhou com ferramentas de gestão visual para enxergar e gerir essas restrições.
  • Desperdício #5: Transporte. Para receber a quantidade certa no momento certo, eles adotaram aplicativos que os ajudaram a gerir as frotas e rastrear a movimentação de materiais, facilitando a leitura.
  • Desperdício #6: Movimentação. O Grupo HTB focou em gerir o acesso dos colaboradores com o motion capture como ferramenta para entender como as pessoas se movimentam pela obra e para desenhar fluxos mais simples e menos frustrantes para quem está realizando o trabalho.
  • Desperdício #7: Estoques. Sincronizando ferramentas com alertas de estoque mínimo e máximo, eles estão cada vez mais se aproximando do just-in-time (ou pelo menos do just-enough).

Integre o digital aos processos com sabedoria

Muitas organizações trabalham a tecnologia somente em projetos, o que faz com que elas sejam utilizadas apenas esporadicamente e sem uma integração verdadeira, uma vez que elas desaparecem assim que o projeto é finalizado e as pessoas saem.

No webinar promovido pelo Sinicon, a Andrade Gutierrez (AG), empresa que adota o lean de maneira ampla em sua estratégia, apresentou exemplos de como está integrando o BIM e as iniciativas do programa de aceleração VETOR AG aos seus processos de trabalho. Seguindo os ideais lean de pensar no propósito e de fomentar transformações culturais, eles embarcaram em uma jornada para acoplar o BIM em seu sistema de excelência, com 7 frentes principais:

  • Padronização dos Processos Amplo, programa de padronização dos processos do core da empresa com a adaptação das melhores práticas do mercado. Essa base construída é o alicerce para a integração do BIM com o Sistema de Gestão da companhia.
  • Redução de desperdícios. Assim como o Grupo HTB, a AG entendeu a importância de reduzir os desperdícios para que eles não façam parte dos processos automatizados. Assim, eles trabalharam nos desperdícios e padronizaram os processos como preparação para digitalizá-los.
  • Otimização de tempo e custo. Uma das bases do lean é otimizar tempo e custos nos processos para agregar mais valor aos clientes. A tecnologia pode ser uma grande aliada nesse sentido, desde que utilizada com propósito e embasada nos princípios da gestão lean.
  • Digitalização da cadeia de valor. Sempre com o foco no cliente e no valor que vamos entregar a ele, o lean nos ensina que não devemos digitalizar processos, mas a cadeia de valor como um todo, entendendo como a tecnologia irá contribuir para o que o cliente enxerga como sendo valioso.
  • Integração das tecnologias. A AG também investiu um grande foco em integrar as tecnologias que utiliza. De nada adianta adicionar muitas ferramentas digitais aos seus processos sem que elas conversem umas com as outras; isso apenas aumentará a complexidade e abrirá mais espaço para desperdícios.
  • Agilidade das informações. Com a orientação do lean, o foco da aplicação digital aos processos está em agilizar as informações e permitir que a pessoa certa tenha acesso a elas no momento certo, aumentando, assim, a eficiência do fluxo de informações.
  • Aumento da produtividade. Embora seja o foco principal da digitalização na construção, o aumento da produtividade acaba sendo uma consequência natural de todos os esforços expostos acima, servindo como um termômetro sobre a eficiência da aplicação.

A conexão entre Lean e Construção 4.0

Investir esforços em uma transformação lean e em uma transformação digital de forma desconectada, como duas iniciativas isoladas que nada têm a ver uma com a outra não traz resultados sustentáveis no longo prazo.

As duas transformações precisam ser feitas em sinergia, como um esforço único que integre as bases da filosofia lean de gestão com as melhores soluções tecnológicas que temos hoje à nossa disposição. O lean é o caminho para utilizarmos a tecnologia ao máximo de sua capacidade e com a melhor eficiência possível para resolver os problemas contextuais que cada empresa enfrenta. Para isso, há quatro elementos que podem embasar nossa transformação lean-digital:

  • Agregação de valor ao cliente: antes de digitalizar seus processos, faça esta reflexão: como a tecnologia que estou implementando irá agregar valor ao meu cliente? Qual é o valor percebido por ele?
  • Propósito claro: quando pensar em adicionar mais tecnologia aos seus processos, tenha sempre em mente qual é o propósito disso. Por que estou utilizando esta tecnologia específica. Qual problema ela vem resolver?
  • Adaptação rápida: como posso utilizar a tecnologia que estou implementando para permitir que eu alcance um alto índice de adaptação? Essa tecnologia me fornece a flexibilidade necessária para as mudanças corriqueiras que acontecem diariamente no contexto da sua empresa?
  • Uso inteligente da tecnologia: em vez de colocar tecnologia simplesmente para “seguir a moda” ou para exibir para todos como sua empresa é tecnológica, procure utilizar apenas o que faz sentido e onde faz sentido.

Dessa forma, a aplicação do lean na transformação digital se dá em três momentos distintos: antes, como forma de preparar o terreno para a tecnologia eliminando desperdícios evidentes, durante, para garantir que a tecnologia esteja sendo utilizada com propósito, e sempre, em busca da excelência operacional e da melhoria contínua.

As empresas que tentam ingressar em uma jornada de transformação digital com foco puramente nas ferramentas encontram obstáculos em seu caminho e falham em obter progresso. O princípio lean de estabilizar os processos é a forma de garantir que isso pare de acontecer e de impulsionar a verdadeira Construção 4.0, ou a transformação digital, no setor.

Publicado em 14/11/2023

Autores

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil
Vinicius Coral
Especialista do Lean Institute Brasil
Thomas Diepenbruck
Superintendente Técnico na HTB Engenharia e Construção S.A.
Guilherme Odaguiri

Planet Lean

The Lean Global Network Journal

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