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Como fazer o controle de qualidade em sua empresa sem criar uma grande burocracia

Flávio Augusto Picchi
Como fazer o controle de qualidade em sua empresa sem criar uma grande burocracia
O sistema lean, também conhecido como mentalidade enxuta, traz alguns conceitos simples, que têm ajudado as empresas a darem um salto no sentido de obterem qualidade na prática

Cada empresa enfrenta desafios competitivos em diversas dimensões, muitas vezes com diferentes prioridades, conforme o mercado em que atua. Para algumas pode ser mais importante a entrega rápida; para outras, a flexibilidade, por exemplo.

No entanto, todas têm algo em comum: precisam entregar seus produtos ou serviços com a qualidade esperada pelos clientes. De nada adianta, por exemplo, ser mais rápido do que os competidores se o produto não atender a esse requisito básico.

Na verdade, é preciso mais: qualidade superior percebida pelos clientes é um fator de diferenciação que traz enormes vantagens de posicionamento e é cada vez mais requisito fundamental de sucesso. Isso é praticamente um senso comum, mas a grande questão, buscada há décadas, é: como garantir que essa qualidade ocorra na prática?

Os conceitos relacionados à gestão da qualidade evoluíram bastante no último século. Toda empresa tem hoje processos que derivam dessa história: procedimentos, inspeções, testes de controle da qualidade, certificações, grupos de análise de problemas. O fato é que a maioria não está satisfeita com os resultados obtidos.

Muitas relatam possuírem sistemas sofisticados que demandam um grande esforço, mas insuficientes, pois enfrentam ainda problemas básicos de qualidade, seja internamente, sejam aqueles que chegam até o cliente. Tendem a aumentar ainda mais as inspeções, e o problema acaba se agravando. Se na sua empresa há a sensação de que foi criada uma grande burocracia de controles que sobrecarregam as pessoas, mas o resultado não é proporcional, saiba que você não está sozinho.

O sistema lean, também conhecido como mentalidade enxuta, traz alguns conceitos simples, que têm ajudado as empresas a darem um salto no sentido de obterem qualidade na prática. Destaco quatro deles, que, acredito, são bastante úteis em diferentes ambientes de negócio.

O primeiro desses conceitos diz respeito ao compromisso que a empresa tem com a qualidade elevada e como todos são engajados nisso.

Por exemplo, uma liderança que vai periodicamente às áreas de trabalho e pergunta às pessoas o que estão fazendo para melhorar a qualidade e a experiência dos clientes. E como pode apoiá-las nessa missão.

Isso é completamente diferente de outra liderança que fica somente no escritório analisando relatórios financeiros. A obsessão e orgulho por uma elevada qualidade têm de ser cultivada em todos os colaboradores e fornecedores, por exemplo, com a discussão diária, em todos os locais de trabalho, de indicadores de satisfação dos clientes e de eventuais problemas que ocorram.

Para que esse compromisso e orgulho aconteçam é preciso desenhar processos robustos, com qualidade na fonte.

No sistema lean, os processos são revisados cotidianamente, com participação dos operadores, gerando o que chamamos de trabalho padronizado. Vão além dos tradicionais procedimentos técnicos, pois planejam os detalhes de como o trabalho deve ser realizado para atender o ritmo necessário.

Definem movimentos e recursos que otimizem produtividade, qualidade, segurança e ergonomia. São comunicados de forma simples, visual, e incorporam dispositivos chamados poka-yokes, que tornam os processos à prova de erros. Por exemplo, com gabaritos que impossibilitam uma montagem errada ou telas que não finalizam uma operação se alguma informação estiver faltando.

Um terceiro conceito é o de expor e resolver problemas rapidamente.

Por mais que os processos tenham sido desenhados de forma robusta, problemas podem ocorrer, mesmo que numa frequência menor. Uma rotina fundamental do lean é o gerenciamento diário: cada célula de trabalho, seja na produção ou no escritório, tem uma gestão visual de indicadores e metas, de forma que qualquer desvio é imediatamente detectado e discutido, quanto às causas-raízes.

E a liderança é imediatamente acionada para apoiar, com mecanismos de andon (sinalização de que um problema ocorreu) e cadeia de ajuda. Isso garante uma resposta rápida, na base, evitando que os problemas se amplifiquem.

Finalmente, o quarto conceito é o de focar na melhoria contínua.

Um objetivo de manter a qualidade já é desafiador, mas pode levar as pessoas a uma certa acomodação. Ter sempre metas de melhoria é a melhor forma de manter todos motivados e mobilizados em trazer ideias para elevar ainda mais o patamar de qualidade, o que torna o compromisso com a obtenção do padrão atual quase que uma consequência

Enfim, boa parte da cultura lean tem justamente o propósito de garantir que tudo o que ocorra na empresa seja realizado da maneira mais eficiente, com elevada qualidade, segurança e produtividade. E sempre melhorando, com participação de todos.

Esses conceitos, relativamente simples, exigem um processo de envolvimento e disciplina, que é o maior desafio. No conceito lean, a qualidade deve ser um fator cotidiano e presente em tudo o que cada um faz e não algo separado do trabalho em si. Caminhar nesse sentido é a melhor forma de obter qualidade na prática que efetivamente encante os clientes e traga melhores resultados.

Publicado em 20/09/2023

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil