Buscar formas de tornar o agronegócio mais eficiente, menos danoso ao meio ambiente e mais produtivo com menos custo é uma questão humana e global que precisa de iniciativas conscientes. O uso do lean neste setor vem ganhando cada vez mais espaço, e muitos já presenciaram reduções de custos, menores tempos nos processos e outros ganhos ao implementarem o lean no campo.
Aplicações lean em inbound e outbound dos empreendimentos agropecuários são existentes e praticados, mas como exigem a coordenação de esforços entre diversos agentes da cadeia entre produtores, transportadores e outros terceiros, é recomendado iniciar a aprendizagem da aplicação do lean no agronegócio por atividades da logística interna. Por isso, este artigo aborda dois casos que focalizaram na logística interna com dois exemplos emblemáticos do agronegócio brasileiro: a fazenda produtora de grãos e a pecuária.
Exemplo 1: Logística de peças e serviços
Quando falamos em logística no setor do agronegócio, é inevitável associarmos nosso pensamento a áreas extensas e paisagens dos campos produtivos que se estendem ao horizonte, muitas vezes distantes dos centros urbanos. Essa realidade, porém, traz às fazendas e aos produtores inúmeros problemas e dificuldades quando nos referimos às questões logísticas que as atividades demandam. São longos tempos e distâncias necessárias para movimentar e transportar produtos, informações, máquinas, insumos e peças, o que eleva os custos totais e reduz a produtividade em momentos importantes de safra, por exemplo.
Muitas propriedades rurais localizam-se com certa distância da cidade mais próxima, às vezes uma ou duas horas de viagem até a zona urbana. É para lá que são levadas peças para conserto quando as oficinas das fazendas não estão preparadas para o trabalho necessário. Vem das cidades também toda sorte de prestadores de serviços e insumos que a atividade agropecuária demanda para acontecer.
Quando estamos no gemba, não é raro vermos situações em que o gerente da fazenda está ausente porque teve que “ir à cidade para buscar uma peça” ou constatarmos a operação paralisada enquanto “aguarda o fornecedor fazer a entrega”. Cenários como esses são bastante frequentes e geram um imenso impacto na produtividade e nos custos de produção de maneira geral. Parar um processo de colheita, de plantio, de fornecimento de ração ou de preparação de solo por algumas horas pode significar perdas elevadas no resultado final dos processos. Além disso, drenam recursos (humanos, financeiros) constantemente das operações fundamentais do negócio.
Eventualmente, são feitas duas ou três viagens por semana até a cidade mais próxima, com compra e aquisição de produtos “avulsos” e geralmente em caráter emergencial. Mas o pensamento lean traz algumas possibilidades para (se não evitar completamente) ajudar a minimizar o impacto desse tipo de acontecimento nas fazendas.
Um primeiro ponto a salientar é que compras e fretes emergenciais geralmente custam mais caro, pois impedem o setor de compras de ter tempo hábil para cotar e negociar adequadamente com os fornecedores. Além disso, não é raro vermos recursos altamente técnicos (como gerente, agrônomo etc.) ocupando-se como transportadores e entregadores.
Existem aqui algumas oportunidades para pensarmos lean:
- Reduzir as compras emergenciais com planejamento de itens de reposição, planejamento de compras programadas, gestão de estoques e internalização de serviços através da capacitação interna.
- Gerir máquinas e equipamentos com histórico de itens e peças que precisam estar em estoque para serem repostos, quando necessários (componentes como fusíveis, óleos lubrificantes, pinos, parafusos, pneus, baterias, correias, rolamentos, motor de partida, entre outros, podem ser destacados aqui). Obviamente, ter estoque de todos os itens possíveis gera um alto custo, mas com levantamento dos itens de desgaste e manutenção preventiva os itens são identificados . Portanto, uma boa gestão do estoque com itens sobressalentes pode evitar inúmeras viagens emergenciais.
- Programar compras consolidando pedidos, tornando os transportes mais otimizados e implantando rotas internas de distribuição dos itens evitando que os funcionários saiam do campo com destino ao almoxarifado.
- Internalizar serviços também é algo a ser considerado. Alguns reparos de peças de máquinas, por exemplo, poderiam ser feitos na própria fazenda, caso houvesse capacidade da própria equipe de manutenção e dos operadores em realizá-los. Fabricar eixos com um torno simples, consertar um pneu e fazer uma solda são alguns exemplos que podem demandar o transporte para cidade, aumentando o tempo de interrupção das atividades e a espera por parte de todos.
- No caso dos operadores, ter um “kit” básico de ferramentas e componentes à mão pode evitar o deslocamento do equipamento até a oficina, reduzindo a movimentação, o consumo de combustível e o tempo necessário. Uma capacitação em manutenção básica é sempre bem-vinda. Outra solução adotada em alguns casos é a oficina móvel, geralmente adaptada à caçamba de um veículo leve de carga para se deslocar com mais agilidade até o equipamento que necessita de reparos.
Outro grande problema logístico enfrentado nas fazendas é o transporte e a movimentação de máquinas e equipamentos para as áreas distantes das propriedades. Muitas vezes, para que uma máquina saia do barracão até a área onde vai operar, são dezenas de quilômetros, levando até uma ou duas horas de distância (veículos que se movimentam lentamente). Existem alguns fatores que agravam ainda mais esse cenário: a própria infraestrutura de estradas, porteiras, pontes e aterros pode impactar e dificultar esse transporte entre talhões, por exemplo. Algumas vezes é necessário embarcar as máquinas em reboques para serem levadas de uma área produtiva a outra, e os efeitos são danosos para prazos, custos, segurança e competitividade, em última instância.
Novamente, o pensamento lean pode ajudar em algumas dessas situações:
- Planejamento e preparação das atividades com antecedência.
- Sequência de plantio e colheita “em rotas otimizadas” para evitar deslocamentos vazios.
Esses são apenas alguns exemplos de como pensar lean pode ajudar a reduzir os custos com logística dentro das fazendas. Se levarmos em consideração as etapas de armazenagem de grãos, embarque de animais e transporte até os centros urbanos e agroindústria, as oportunidades são ainda mais numerosas.
Com o lean na logística, evitamos esperas, filas, retrabalhos, fretes extras, compras emergenciais e outros desperdícios associados. Conceitos simples (mas eficazes, que precisam começar com o pensamento crítico e o olhar atento de todos na fazenda) podem ser um grande diferencial.
Exemplo 2: Logística de um confinamento
No agronegócio, é muito comum nos depararmos com dias corridos, rotinas agitadas e a velha e famosa gestão do “apagar fogo”. Com tudo isso, muitos desperdícios e gastos acompanham a tão famosa gestão. Isso é especialmente presente em uma fazenda de confinamento de gado, onde observamos um caso interessante de aplicação lean.
Como podemos notar, estão acima os principais processos de confinamento de gado de forma macro. Para cada um desses macroprocessos, a logística está presente, e a falta de gestão implica em grandes desperdícios. Nesse ponto, o lean possui um grande potencial para ajudar, como pode ser visto nas situações abaixo.
1. Recebimento dos animais para processamento e envio para frigorífico
Esta é uma etapa muito importante no processo de confinamento de gado, pois é nesse momento que animais comprados de pequenos produtores chegam ao confinamento e passam pelo processo de processamento onde protocolos sanitários de vacinas e também protocolos de rastreabilidade são executados. Como se tratam de produtos vivos, a logística mal planejada acarreta em perdas significativas.
Um animal chega a perder, durante a logística, cerca de uma a duas arrobas (ou seja, de 15 a 30 Kg). Isso multiplicado pelo número de animais (que às vezes chegam na casa de 100.000 cabeças) pode resultar num prejuízo enorme; portanto, a aplicação de conceitos lean é fundamental.
É muito comum caminhões chegarem após o horário administrativo e terem que aguardar até o próximo dia para dar entrada nas fazendas de confinamento. Quando se trata de carga viva, isso causa um prejuízo enorme e deve ser tratado de forma diferente.
Com a implementação de alguns conceitos e ferramentas lean no processo, observamos, na fazenda em questão, melhorias como redução do tempo de recebimento de animais no confinamento de cinco horas médias de espera para 30 minutos, horários de transporte e quantidade máxima de animais por caminhão padronizados para garantir redução de estresse e bem estar animal, implantação do conceito FIFO para animais recebidos, tratamento adequado e disponibilidade de água e alimento imediato para os animais recém chegados de viagens, trabalho padronizado e procedimentos operacionais, desenho de processo de cadeia de ajuda, dentre outros.
O recebimento e envio de animais deve ser feito de forma ágil e planejada, pois representa um potencial enorme de dinheiro envolvido que pode ir por ralo abaixo. Já se foram observados ganhos de redução de quebra de peso em até 20% com o lean.
2. Alojamento dos animais nos currais
Esta etapa é o momento em que se define e se aloja os animais em seus currais de confinamento. Quanto menos manejo se realiza, melhor o desempenho e menor o nível de estresse, a quebra de peso e os acidentes com os animais.
Na fazenda em questão, essa etapa do processo possui cinco caminhões de preparação e distribuição de trato, 100.000 animais confinados em média e distribuição de trato quatro vezes ao dia. Durante o mapeamento de oportunidades e desperdícios, através da aplicação de medições e coleta de dados como diagrama de espaguete, coleta de tempos e análise de DNA, notamos grandes e frequentes retrabalhos em termos de logística, onde caminhões realizavam manobras constantes, retrabalhos e tratos não contínuos; enfim, um vai e vem danado para distribuição dos alimentos.
Dentre todas oportunidades identificadas (como distribuição de atividades aos motoristas de acordo com melhor logística e trabalho padronizado), o maior resultado foi a organização dos animais de forma padronizada, alojando-os de acordo com o tipo de dieta. Esse projeto chamamos de kaizen de setorização de animais por dieta e resultou em ganho de cinco minutos por trato, saindo de um patamar de 25 minutos entre o abastecimento e a distribuição de alimentos para um patamar de 20 minutos. O ganho parece relativamente pequeno, mas quando multiplicamos 8 caminhões x 5 minutos x 17 distribuições nas linhas por dia, isso resulta em 680 minutos por dia (ou 11,33 horas). Isso tudo resultou na disponibilização de um caminhão, ou seja, um investimento de aproximadamente R$ 1,2 milhões, fora os custos de manutenção, diesel, dentre outros gastos que não foram contabilizados.
3. Abastecimento dos caminhões de trato com os ingredientes para distribuição
Para que o alimento seja distribuído para os animais, são necessárias algumas etapas de preparação e mistura dos alimentos. Esse processo possui uma rota logística interna, onde os caminhões caminham pelo fluxo e vão recebendo os ingredientes e realizando a mistura no próprio vagão misturador dos caminhões. A disposição de cada alimento deve ser feita de forma estratégica, garantindo, assim, menor tempo de abastecimento e menor desperdício em termos de transporte de insumos por parte dos caminhões misturadores.
Nesse processo em questão, através da análise de desperdícios e oportunidades, conseguimos junto à equipe de operadores dos caminhões e operadores dos processos de insumos, chegar a um layout mais enxuto, que resultou em uma redução do tempo de abastecimento mais distribuição do trato de 20 para 15 minutos. Esse tempo economizado gerou uma economia de R$ 300.000 / ano, que é exatamente o valor de um aluguel de uma pá carregadeira que deixou de ser necessária. Aplicamos conceitos como preparação de insumos externos (ou seja, preparação nos tempos ociosos de processo de maneira a não impactar na produtividade), e foram rearranjados os insumos de maneira sequencial para economizar movimentação e deixar a logística mais enxuta. As melhorias podem ser observadas conforme as imagens abaixo:
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Esses são alguns exemplos de como o pensamento lean aplicado à agricultura e à pecuária pode trazer ganhos significativos. O intuito deste artigo é inspirar os leitores a seguirem os passos aqui descritos e tentar obter os mesmos ganhos (ou outros, adaptados a cada contexto) em seus próprios esforços. O lean difunde-se principalmente através do compartilhamento de experiências, e os sucessos compartilhados pela comunidade podem ser o propulsionador de novos casos, tornando o mundo cada vez mais enxuto.