A escola particular de engenharia que estou visitando hoje fica em Estrasburgo, leste da França. A ECAM Strasbourg-Europe ensina os princípios e as técnicas lean em laboratórios e fornece certificações Green e Black Belts, mas eles decidiram levar sua oferta um passo adiante: para fugir do risco de limitar seu ensino às ferramentas lean, eles estão tentando experimentar o pensamento dentro da própria equipe acadêmica para criar uma cultura lean.
Como Remi Porcedda, chefe do departamento de indústria e desenvolvimento sustentável, coloca: “Se queremos ensinar lean aos nossos alunos, é melhor usarmos o lean e sermos lean diariamente, como grupo, como empresa”.
E foi isso que eu fui ver lá.
Eles têm clientes e desafios, como todo mundo
Remi Porcedda e Richard Komurian, chefe de inovação e desenvolvimento, me cumprimentam na entrada do novo prédio da ECAM Strasbourg-Europe nos arredores de Estrasburgo. Ao cruzarmos o saguão central, que parece ser muito tranquilo, fiz algumas perguntas sobre a história da escola e sua atuação no cenário educacional francês.
Remi foi bastante aberto sobre isso. Ele me disse que uma escola de engenharia como a ECAM Strasbourg-Europe tem que lidar com os mesmos desafios que outras organizações enfrentam. No caso deles, eles precisam satisfazer às empresas industriais locais, que precisam de engenheiros altamente qualificados e adaptáveis e que sejam fluentes em inglês e alemão (a Alemanha fica ao lado); criar uma ótima experiência para seus alunos enquanto desenvolvem suas habilidades; fomentar a lealdade; e aumentar as receitas tanto das empresas quanto dos alunos que potencialmente voltam para formação profissional. Sem mencionar que ex-alunos felizes e bem-sucedidos aumentarão a credibilidade e a reputação da escola e ajudarão no recrutamento de novos alunos.
A ECAM Strasbourg-Europe tem um desafio adicional: ela teve um crescimento de mil por cento desde que foi criado em 2010 (hoje, 600 pessoas estudam aqui). Desde o início, a questão foi se, como um novo empreendimento, eles poderiam sobreviver a sucessivas crises globais ao mesmo tempo em que administravam a complexidade gerada pelo número crescente de alunos (dependendo do curso, os alunos podem estudar na ECAM entre três e cinco anos). Na verdade, há uma outra escola que foi criada na mesma época da ECAM Strasbourg-Europe e focada em TI e digital que não conseguiu.
Desenvolver habilidades para resolver problemas
Primeiro, Remi e Richard me levam ao Comitê Executivo da escola. Remi tem anos de experiência na implementação de fluxos kanban na indústria e acredita firmemente na importância da experiência do usuário e do genchi genbutsu, um valor que ele desenvolveu durante seu tempo nos setores de serviços e TI. Ele tem sido um forte defensor do pensamento lean na ECAM Strasbourg-Europe desde que chegou.
O Comitê Executivo se reúne todas as segundas-feiras. Todos os chefes de departamento participam da reunião, sejam eles responsáveis pelo ensino, pela inovação ou pela administração escolar. Os quadros da obeya mostram a visão da escola, que tem três pilares principais: recrutar e aproximar pessoas, garantir a qualidade do ensino e a experiência dos alunos e desenvolver negócios. Para cada um desses elementos, projetos estão sendo executados para melhorar os resultados no médio prazo, enquanto cronogramas, KPIs e ações corretivas de alta prioridade são aproveitados para resolver problemas no curto prazo (de uma semana para a outra). À medida que os problemas são descobertos e suas causas-raiz são abordadas, o quadro de ideias de melhoria fica cheio de sugestões.
Há uma ligação direta entre as discussões que ocorrem na obeya – e os problemas que eles destacam – e os quadros de melhoria contínua localizados em todos os departamentos: seja um atraso no agendamento de provas escritas ou um problema com recrutamento, os problemas são resolvidos pela área relevante.
Enquanto Remi, Richard e eu observamos os quadros na obeya, discutimos habilidades de resolução de problemas. A maneira como eles usam A3s, ao que parece, é mais voltada para relatar um projeto do que para incentivar a resolução de problemas e o pensamento crítico em torno dos desafios (concordar sobre o problema, analisar as causas-raízes e chegar a um consenso sobre as contramedidas necessárias). Richard ouve atentamente e concorda: “A maioria dos engenheiros que encontrei não possui essas habilidades. Eles pressionam pela solução que têm em mente, raramente parando e investigando as causas básicas”. Richard é ex-diretor de P&D da indústria automotiva e ingressou recentemente na ECAM Strasbourg-Europe. Alguns anos atrás, ele era membro da Academia Francesa de Engenharia Lean, uma comunidade de praticantes aprendendo uns com os outros, revezando como anfitriões do grupo e apresentando seus experimentos lean.
Este ponto é fundamental em uma escola de engenharia, especialmente porque a ECAM Strasbourg-Europe visa ensinar conhecimentos e habilidades técnicas, mas também a capacidade de entender e desenvolver relacionamentos interpessoais sólidos para uma melhor colaboração. A resolução de problemas com base no pensamento A3 é uma ótima maneira de um professor enxergar o que o aluno tem em mente para o próximo passo em sua pesquisa ou discussão. Professores e colaboradores administrativos têm forças-tarefa regulares para lidar com questões levantadas na obeya; eles não deveriam tentar rastrear o problema por uma narrativa A3? Um exemplo dos problemas em que trabalham me parece particularmente interessante: quando os alunos fazem uma prova, os professores acabam com um grande lote de 180 provas para corrigir. Então, como você pode reduzir os lotes para diminuir o tempo de espera (os alunos odeiam esperar por suas notas, e a meta são quatro dias úteis)? Entretanto, lotes menores podem gerar outros problemas: alguns alunos podem ficar tentados a “trapacear” perguntando ao grupo que fez a prova antes dele sobre as perguntas da prova. Contramedidas possíveis podem ser alterar os dados das questões, mas não as questões em si ou fazer provas de múltipla escolha, que são mais fáceis de corrigir.
Além disso, será que o ensino reverso poderia ajudar os alunos a desenvolver essas habilidades-chave de resolução de problemas? Discutimos com Remi como os professores poderiam propor um problema da vida real para os alunos resolverem, deixar que eles definam o que já sabem e o que eles precisam aprender e fazer com que investiguem o problema em um A3.
Colaboração e aprendizado uns com os outros
Voltamos ao saguão central enquanto os alunos começam a sair de suas salas de aula e laboratórios. Todos os escritórios de professores e colaboradores administrativos têm vista para o corredor. As grandes janelas dizem muito sobre como os professores são acessíveis: qualquer aluno pode passar, verificar se o professor está ali (há uma gestão visual com esse intuito em cada porta) e entrar para fazer uma pergunta.
Sonia Wanner, diretora da escola, chegou nesse momento. Juntando-se rapidamente à nossa conversa lean, ela disse que acredita firmemente em aprender com experimentos da vida real.
“Todos nós temos restrições”, disse ela. “Precisamos entendê-las e trabalhar juntos nas compensações para alcançar um crescimento sustentável. Por exemplo, um professor pode concordar em modificar um cronograma para levar em conta a disponibilidade de laboratórios, mantendo o ritmo de seu programa de treinamento”.
Pergunto como os colaboradores da ECAM Strasbourg-Europe aprendem uns com os outros e colaboram. “Qualquer pessoa pode frequentar qualquer curso, incluindo outros professores”, explicou Sonia, “mesmo que isso seja muitas vezes percebido como desconfortável por alguns. Também mudamos regularmente a composição da equipe nos escritórios para dar a todos a chance de se sentar ao lado de uma nova pessoa e aprender com ela”.
Mas a verdadeira colaboração entre os colaboradores decorre principalmente das prioridades definidas na obeya, com base nas discussões que a escola tem com os alunos. “Por exemplo, os critérios de classificação podem não ser explícitos o suficiente para os alunos, ou talvez não fomos claros o suficiente sobre a lição de casa que esperamos deles”, acrescentou Remi. “Lideramos forças-tarefa regulares para resolver esse tipo de problema juntos”.
Remi e Sonia me dão alguns outros exemplos. A manutenção preventiva em equipamentos caros de laboratório aumentou sua disponibilidade para os alunos, sem mencionar a redução dos custos de reparo. Novos padrões para integração de colaboradores ajudam a esclarecer as expectativas, reduzindo, assim, a curva de aprendizado.
Quando os professores reclamam que os alunos não estão no nível esperado, eles são convidados a participar dos eventos de portas abertas e/ou do júri para ajudar a aprimorar os critérios de seleção. Nesse contexto, Sonia é objetiva o suficiente para saber que a ECAM Strasbourg-Europe precisa ser muito atraente, tanto para causar uma ótima primeira impressão quanto para proporcionar uma excelente experiência estudantil para compensar a falta de ex-alunos famosos, o que é típico de uma instituição jovem. Sonia me disse: “Nossa escola é muito jovem, temos custos fixos para cobrir e precisamos acertar na primeira vez se quisermos recrutar no ritmo esperado”.
Eles também têm um departamento de inovação pedagógica que promove encontros mensais para aprender por novos ângulos e discutir o que pode ser mudado na forma como ensinam ou avaliam competências.
Laboratórios e ensino sobre ferramentas
Chegamos, então, aos laboratórios: o cenário ideal para ensinar os alunos sobre ferramentas lean, a lógica e a intenção por trás delas e as interconexões que existem entre elas. Remi mostrou como fica o armário antes de um exercício de 5S (algo que eles também fazem em diretórios compartilhados usando computadores): “Não queremos que os alunos façam uma faxina. Em vez disso, tento mostrar a eles como sentir responsabilidade pela estação de trabalho é o primeiro passo para identificar anormalidades e aplicar o jidoka”, disse ele.
No laboratório de produção, vi uma célula em forma de U equipada com uma caixa heijunka, um kanban, um trenzinho, algumas folhas de papel, alguns supermercados, algumas placas de produção e assim por diante.
Essa é uma boa maneira de os alunos se familiarizarem com os conceitos lean, descobrirem as virtudes dos pequenos lotes ou experimentarem com células de produção flexíveis. Essas ferramentas os ajudam a aprender como calcular o tempo takt, definir uma lista de materiais e medir os roteiros de determinado produto acabado. Enquanto estávamos no laboratório de pesquisa, em frente a cartazes desenhados por alunos para descrever um projeto de pesquisa, Richard já estava pensando em como fazer com que eles usassem Concept Papers em projetos de pesquisa.
Entretanto, esses laboratórios podem ser encontrados na maioria das escolas de engenharia. Para citar Peter Ward, “fora de contexto, o lean é praticamente sem sentido”. Sempre existe o risco, Peter nos alertou, de que a educação lean seja reduzida a ferramentas. É por isso que estou tão ansioso para ouvir o que a ECAM Strasbourg-Europe está fazendo para incorporar o pensamento lean em seu próprio trabalho. Na verdade, seus experimentos lean em toda a empresa são incrivelmente importantes: eles fornecem casos da vida real, promovem a colaboração e o desenvolvimento de habilidades de resolução de problemas e permitem que os alunos gerenciem recursos caros, como laboratórios, de forma autônoma.
É importante ressaltar que os líderes da escola estão sempre presentes no gemba. Sonia tem visitado as salas para verificar os equipamentos, observado os quadros de melhoria contínua, para fornecer à equipe um impulso de energia e ajudá-los a manter o foco, e monitorado o processo de integração dos alunos, para garantir que tudo aconteça certo da primeira vez. Em toda a força de trabalho, há alinhamento com a visão da escola, em grande parte graças às discussões regulares que ocorrem na obeya. A narrativa da ECAM é refinada toda semana e transmitida durante as caminhadas pelo gemba: explicando aos alunos e colaboradores quais são os objetivos da organização, ouvindo reclamações, concordando com os problemas a serem resolvidos e desafiando a equipe em seu trabalho. Em outras palavras, é uma oportunidade de ensinar o lean como um sistema de pessoas pensantes, ao invés de um mero conjunto de ferramentas.