O gemba é o lugar onde o valor é criado numa organização, o local “sagrado” para a gestão lean. É lá que o mais importante acontece: o trabalho de pessoas e máquinas que transformam materiais e informações em produtos e serviços para a sociedade.
É no gemba que estão nossos principais problemas. É onde podemos investigar as relações entre causas e sintomas, idealizar e experimentar contramedidas e soluções. É no gemba que o real aprendizado sobre como realizar o trabalho acontece. É no gemba que líderes e mentores, com base no respeito às pessoas, podem apoiar a evolução permanente de suas equipes e dos processos.
Por tudo isso, inclusive, discussões e exemplificações sobre o gemba serão uma constante no Lean Summit 2023, dias
20 e 21 de junho, no World Trade Center (WTC), em São Paulo.
Isso estará certamente permeado e detalhado pelas 120 palestras, envolvendo 70 empresas participantes.
Por essas e outras razões, a maneira lean de praticar a gestão sugere que coloquemos ênfase na conexão com o gemba. É ali que estão as principais alavancas da gestão, os meios que dispomos para aperfeiçoar o desempenho e sustentar os resultados.
No mundo em que vivemos hoje, há milhões de pessoas que trabalham sem sair de casa. O “gemba digital” já é uma realidade que nos cerca há algum tempo e veio para ficar. E isso tem exigido de todos nós habilidades inéditas, tanto para realizarmos o trabalho, quanto para gerenciarmos.
Talvez, mais do que nunca, estejamos diante da necessidade de encontrarmos melhores maneiras para estar no gemba, virtual ou presencialmente. Estar no gemba materializa o “espaço-tempo” primordial para a gestão. É quando o trabalho da gestão encontra o trabalho do trabalhador.
Há uma série de processos humanos essenciais que precisam acontecer no gemba. E cabe à liderança “desenhá-los” de maneira precisa, para que tal interação seja proveitosa e construtiva. Do contrário, os efeitos podem ser contraproducentes. Uma bem-intencionada ida ao gemba pode gerar sérios danos se não for bem estruturada.
Por isso, torna-se primordial avaliarmos como nossas práticas gerenciais podem evoluir, para irmos além do básico quando estivermos no gemba.
Calibre mentalidades
Muito se fala sobre a necessidade de irmos ao gemba para vermos com os próprios olhos como as coisas, de fato, estão acontecendo. No entanto, não se trata apenas de “ir”, mas “como ir”. Nossa mentalidade precisa estar calibrada e alinhada às perspectivas dos nossos interlocutores.
A base desse processo é estarmos presente “de corpo e alma” para capturarmos a situação real sobre as condições que cercam o trabalho. Perceber o que está por trás das “maquiagens” ou de qualquer tipo de ilusionismo corporativo que possam desviar a atenção daquilo que, exatamente, acontece em bases regulares.
Estar no gemba representa a possibilidade de um mergulho mais profundo, de um entendimento multifacetado sobre a realidade. Só assim conseguimos fortalecer nossas análises, usando abordagens mais científicas para solução de problemas, como o PDCA, por exemplo, para que cheguemos a contramedidas mais eficazes, capazes de debelá-los de maneira definitiva.
No entanto, é preciso desenvolvermos a capacidade de alinhar as premissas de pensamento básico nesse processo de interação, não somente entre os líderes, mas principalmente entre esses e seus liderados.
Todos devem ver o gemba não mais como um espaço limitado para se fazer “como sempre se fez”, mas para desenvolver uma visão crítica sobre o trabalho, para se encontrar formas mais avançadas de organização para o alto desempenho.
Quando isso ocorre – líderes e liderados no gemba, juntos, com mentalidades bem calibradas –, estão criadas as condições fundamentais para que a “mágica” aconteça: comunicação aberta, aprendizado profundo e coletivo sobre como revelar problemas e as melhores maneiras de resolvê-los.
Defina o propósito e planeje as interações
Tudo isso se fragiliza se não houver um preparo sobre os tipos de interações entre as pessoas que precisam ocorrer quando líderes e liderados encontram-se no gemba. Assim como acontece num bom plantio, é preciso prepararmos o terreno, do contrário a semente não germinará.
Em primeiro lugar, é necessário deixarmos claro a todos quais são os propósitos da interação no gemba. “Por que estamos fazendo isso?”, por exemplo, talvez seja a primeira pergunta a ser respondida com clareza. Lembrando que pode haver diferentes propósitos para estarmos no gemba:
- Compreender a natureza do trabalho e como estamos atendendo clientes.
- Melhorar a organização do trabalho, pontual e sistemicamente.
- Avaliar capacidades das pessoas envolvidas com o trabalho.
- Verificar como a direção estratégica está permeando a rotina.
- Compreender como o trabalho gerencial está organizado.
- Identificar oportunidades para melhorar o trabalho gerencial.
Assim, nossos interlocutores precisam estar preparados para que a interação seja efetiva. Todos precisam estar na mesma “vibração”, tendo o senso de propósito alinhado como o principal facilitador do processo de comunicação.
Compreenda o contexto
Todo processo está inserido em um contexto específico, com características que o tornam “universo em si”, e isso varia de organização para organização. Assim, não se pode ir ao gemba sem antes entender com profundidade cada um dos contextos.
Numa mesma empresa pode haver diferentes contextos. É preciso, então, entender a natureza do trabalho que ocorre em determinada área ou departamento. Para isso, por vezes, é necessário termos um conhecimento prévio sobre a realidade em que estamos inseridos. Em outras palavras, aprender de antemão pelo menos as bases do trabalho que ali está sendo executado.
Por vezes, determinadas lideranças são responsáveis por diferentes setores ou departamentos com contextos muitos distintos entre si. Assim, podem não entender de forma imediata quais são especificidades de cada um desses locais. Ir ao gemba sem se preparar pode gerar distorções, falsa percepção sobre problemas e soluções imediatistas ou simplesmente ilusórias.
Quando isso ocorre, quando não nos preparamos previamente para entender a essência do trabalho que se realiza em cada local especificamente, a busca por melhorias, sejam elas pontuais ou sistêmicas, fica altamente comprometida. Algumas barreiras cognitivas podem ser intransponíveis.
Muitas vezes, precisamos ir além e nos aprofundarmos tecnicamente para conhecer, de fato, quais são as reais capacidades das pessoas envolvidas com o trabalho. Só assim conseguiremos de maneira mais natural (e, portanto, sustentável) dar o apoio de que elas precisam para melhorarem seus respectivos trabalhos.
Avalie rotinas gerenciais
Todo gemba é regido por uma maneira específica de se fazer gestão. Assim, é fundamental que a ida ao gemba seja também utilizada para perceber como o trabalho da gestão é organizado na prática.
Em outras palavras, é preciso compreender como as rotinas gerenciais estão estruturadas: quais são os mecanismos, os métodos, os procedimentos de gestão utilizados para colocar em prática as ações e tomar decisões.
Toda gestão é operacionalizada por meio de determinadas rotinas, que no geral são estabelecidas pelas lideranças. Assim, é necessário entender, primeiro, a efetividade dessas rotinas, se estão alinhadas à cultura lean ou se ainda são resquícios de práticas, digamos, mais “tradicionais”. E se isso está claro para quem conduz a gestão imediata no dia a dia. Outras aplicações incluem observar se a comunicação tem sido efetiva e quais são as oportunidades para aperfeiçoar o trabalho gerencial.
Verifique a aderência ao planejado
Ir ao gemba também permite avaliarmos como o planejado está sendo executado. É preciso ver “o que” e “por que”, de fato, as pessoas fazem o que fazem e como fazem.
Mais do que isso, como elas sabem, por exemplo, que o trabalho que estão executando tem a qualidade necessária ou prevista nos manuais e procedimentos. É preciso sempre nos perguntarmos se as pessoas estão colocando suas energias de trabalho nas coisas certas, da forma correta e no momento mais apropriado.
E quando isso não ocorre, é preciso estabelecer, no gemba, maneiras fáceis, espontâneas e imediatas de perceber anormalidades e buscar ajuda. Em outras palavras, todos precisam ter, “na ponta da língua”, as respostas para perguntas como:
- Como você sabe se está fazendo com qualidade?
- Como você sabe se está adiantado ou atrasado?
- O que você faz quando não consegue realizar seu trabalho de acordo com o esperado?
- O que você faz quando identifica um problema (um defeito, por exemplo)?
Precisamos estabelecer métodos claros e didáticos para expor e resolver problemas. De forma similar, é necessário termos procedimentos de documentação e disseminação dessas experiências mais relevantes, para que possam ser usadas em outros espaços e momentos da organização.
Essas são algumas das possíveis maneiras para aperfeiçoarmos nossa ida ao gemba. Certamente há outras, e boa parte delas vai depender das necessidades específicas de cada organização. É preciso refletirmos e praticarmos, cotidianamente, novas e melhores maneiras para aproveitarmos nossas oportunidades quando estamos no gemba.
A cultura lean de gestão sugere a tríade “vá ver, pergunte ‘por quê’ e mostre respeito”. A frase representa práticas fundamentais, mas que precisam ser aprofundadas e adaptadas com a prática.
Ir ao gemba com um propósito claro, uma mentalidade calibrada, um bom planejamento e respeito ao contexto pode fazer toda a diferença. Não podemos desperdiçar as oportunidades que temos de aperfeiçoar nossa conexão com o gemba.