Com base em aplicações lean de sucesso das quais temos participado no setor de construção pesada, percebemos que resultados excepcionais são atingidos com frequência com esse enfoque, como aumentos de mais de 35% de produtividade, ganhos financeiros de até 10%, redução significativa nos prazos de entrega e maior satisfação de clientes. Mais importante, o lean se integra facilmente e transforma o jeito de pensar sobre o sistema de gestão da companhia, desenvolvendo competências internas e tendo continuidade em todas as atividades e obras.
Temos, então, a grande oportunidade de uma maior discussão, de aprofundamento do conhecimento e, principalmente, de uso prático do sistema lean no setor. Apesar de já serem vistos casos de organizações aplicando conceitos lean com ótimos resultados, como mencionamos acima, essas aplicações têm ainda se limitado, com raras exceções, a poucas obras e ao uso de algumas ferramentas lean isoladas, como o Last Planner System e a linha de balanço. Essas ferramentas, claro, já trazem bons resultados, mas ainda são uma pequena parte do potencial estratégico que a verdadeira filosofia lean pode trazer. Além disso, um esforço focado somente em ferramentas muitas vezes acaba se perdendo sem se propagar a outros empreendimentos e à área corporativa das empresas.
Com grandes obras, como pontes, estradas, aeroportos, usinas hidrelétricas, termelétricas, eólicas e solares, a construção pesada tem um grande desafio pela frente. Por um lado, há o consenso de que a superação da defasagem na infraestrutura é uma necessidade inadiável para o desenvolvimento do país. Por outro, um novo ciclo se apresenta, com marcos regulatórios, leilões e maior participação de investidores e contratantes privados.
Esse cenário, muito mais competitivo, traz crescentes exigências de prazo, custo, qualidade e ESG (Environment, Social, and Governance). Os problemas de atrasos, orçamentos excedidos, retrabalhos etc. continuam recorrentes, mas são cada vez menos tolerados.
Para superar esses desafios e embasados nas transformações das quais participamos, apresentamos a seguir algumas dicas que podem ser úteis para a sua reflexão e aplicação, adequada à situação de cada empresa.
Os primeiros passos da adoção do lean numa construção pesada estão nos processos de planejamento. Ele se torna o centro de tudo, alinhando questões financeiras, de suprimentos, logística, produção e desenvolvimento de pessoas.
Nesse contexto, é necessário planejar em detalhes (porém de forma simples) todas as fases, simulando, passo a passo, como a obra toda será desenvolvida, considerando todos os aspectos e agentes envolvidos.
Para isso, “vira-se ao contrário” o planejamento e se analisa do fim para o início, certificando-se de que seja factível cumprir os prazos e se preocupando em garantir os inícios das tarefas, e não só o final.
É o que se chama de planejamento “puxado”, que tem também uma característica importante: é feito de forma participativa, com o envolvimento das equipes que vão executar, inclusive subempreiteiros.
Outra diferença fundamental no planejamento lean é o estabelecimento do ritmo necessário para as principais sequências de serviços, nivelando os recursos necessários. É mudar a pergunta de “Quanto tempo falta?” para “Quanto tempo eu tenho para essa demanda?”. Isso requer dimensionar as equipes para o ritmo necessário e analisar as interdependências e as condições de cada etapa, considerando a interação de todas as disciplinas naquele intervalo temporal. É o planejamento em fluxo contínuo.
Essa é uma condição viabilizadora de toda a racionalização de processos que o lean estabelece e é possível mesmo em obras complexas, com elementos bastante diferentes. Sempre é factível identificar ações que são repetitivas e quebrar as demandas em pequenos lotes. A partir daí, pode-se estabelecer o ritmo que vai governar todas as equipes, a logística e os suprimentos.
2. Otimize a logística e toda a cadeia de valor
Se analisarmos uma obra pesada, veremos que são formadas, em geral, por 70% de trabalhos de logística e 30% de atividades de adição e montagem. As ações que efetivamente fazem o avanço da obra não ocorrem se os recursos não estiverem disponíveis onde e quando necessários.
Aqui se aplica o princípio lean de just-in-time. Toda a cadeia de suprimentos – desde planejamento, compra, fabricação, transporte, pré-montagem etc. – deve seguir o ritmo e a sequência das frentes de trabalho. Nem mais, nem menos.
Com isso, obtém-se uma grande redução e até eliminação de estoques, com enorme impacto positivo no fluxo de caixa e nos custos financeiros, além da minimização de paradas de frentes de trabalho por desabastecimento.
3. Elimine os desperdícios em cada atividade
Algumas pessoas acham que o lean construction se limita ao planejamento. Na verdade, embora planejar de forma lean seja fundamental, isso é só o começo. É preciso também executar de maneira lean.
Nesse contexto, a essência do sistema lean está em mobilizar todas as pessoas para enxergarem como eliminar desperdícios e agregar mais valor em todas as atividades.
Qualquer um que fique alguns minutos observando uma frente de trabalho poderá enxergar uma série de desperdícios. Por exemplo, pessoas e equipamentos parados esperando materiais ou serviços anteriores não concluídos, movimentações desnecessárias ou retrabalhos, serviços executados antes do necessário, equipes superdimensionadas que correm e param, entre outros.
Isso é uma verdadeira “mina de ouro”, particularmente em obras pesadas, nas quais a maior parte da mão de obra é contratada diretamente, e a utilização de equipamentos representa um custo significativo.
A aplicação de ferramentas lean bastante simples, como o Mapeamento do Fluxo de Valor e o Trabalho Padronizado, gera aumentos de produtividade de pelo menos 30% (e até mesmo maiores em muitos casos). Isso traz ganhos diretos e imediatos, em custos de mão de obra e de equipamentos.
Para isso, os gestores precisam ir ao “gemba” (expressão japonesa que significa o local onde ocorre a agregação de valor) para atuar com os encarregados e operadores e analisar cada detalhe, ajudando a tornar o trabalho no campo mais simples, fácil e seguro.
4. Invista na estabilidade e na disciplina
Imagine uma obra que foi pensada em todos os detalhes: a melhor forma de realizar cada tarefa minimizando os desperdícios, um planejamento em fluxo contínuo, uma logística puxada etc. Tudo preparado para funcionar num ritmo coordenado, como um relógio, com pouco estoque e equipes realizando serviços uma após a outra, em cada local.
Esse é o objetivo do sistema lean e que resulta em elevada produtividade e resultados. No mundo real, porém, há todo tipo de variações. Por exemplo, um fornecimento que atrasou, uma equipe que não atingiu a produtividade esperada, um detalhe de projeto que não foi pensado... Isso tudo sem considerar os inevitáveis riscos geológicos e ambientais.
O pensamento tradicional tenta se proteger dessas variações criando buffers, estoques e alocando mais recursos para recuperar os desvios e atrasos.
Já a filosofia lean, tenha certeza disso, também parte do pressuposto que variações ocorrem, mas ela exige atitudes totalmente diferentes para tratar isso.
A mentalidade lean tem como prioridade absoluta garantir a estabilidade básica. Isso significa se antecipar e atuar preventivamente para minimizar as variações, garantindo, assim, que materiais, máquinas, mão de obra e métodos estejam disponíveis nos momentos e lugares certos.
Isso assegura que os ambientes de trabalho sejam extremamente organizados, de forma que qualquer atividade fora do planejado ou qualquer coisa fora do lugar seja imediatamente identificada e corrigida, que é o real objetivo, por exemplo, de um 5S.
Mesmo com tudo isso, variações podem ocorrer, mas as equipes, no sistema lean, possuem meios de identificar desvios e agir rapidamente para corrigi-los através da gestão visual e de cadeias de ajuda. Para isso, é necessário identificar as causas raízes dos problemas, planejar e executar contramedidas para que os erros não voltem a ocorrer. É por isso que rotinas de planejamento e controle diários e semanais, com os famosos check-in e check-out, são tão importantes.
Se a essência do sistema lean está em expor e resolver problemas rapidamente, isso só é possível se as equipes, na base, estiverem preparadas para fazer o combate imediato, com métodos adequados.
Isso depende de fatores comportamentais (por exemplo, de um ambiente de trabalho onde as pessoas não tenham medo de expor os problemas) e só acontece se for estabelecida uma cultura direcionada a analisar as causas dos desvios e melhorar os processos, e não focada em procurar culpados, como é comum.
É por isso que o sistema lean é considerado um sistema sociotécnico. Ou seja, ele tem elementos sociais, como mudanças de mentalidades e de comportamentos, e a parte técnica, que é representada pelo conhecimento e aplicação das ferramentas e dos métodos.
Nesse sentido, predominam os aspectos sociais, pois não adianta uma pessoa ter as ferramentas e os métodos se ela não tem a iniciativa e motivação corretas para utilizá-los.
Nesse contexto, todas as pessoas da empresa precisam ser transformadas em “solucionadores de problemas”. Há, então, um crescimento significativo de tratamento de desvios assim que eles ocorrem e enquanto ainda são pequenos. Isso reduz ou mesmo elimina retrabalhos e atividades mal executadas, incrementando qualidade, segurança e produtividade.
Para suportar tudo isso, é preciso um sistema de gestão alicerçado pela liderança. Ela deve ser a força motriz que impulsionará todos na busca pela perfeição em tudo que se faz. Essa é uma das mudanças mais profundas e difíceis, ainda mais num ambiente de construção pesada, onde o tradicional estilo de liderança “comando e controle” é bastante presente. Essa mudança é possível quando se busca adotar rotinas, mentalidades e comportamentos lean, até que se tornem novos hábitos.
6. Aplique na empresa toda
A utilização do sistema lean nas obras, nas atividades de produção, é a mais evidente e imediata forma de se começar essa transformação. Isso é correto, pois é ali, nos canteiros, que se agrega o valor que o cliente espera receber. Porém, para que a “ponta” funcione eficientemente, a empresa toda precisa trabalhar como um corpo único.
Aliás, no próprio canteiro, para além das frentes de obra, o sistema lean pode trazer enormes resultados se aplicado também nas atividades de suporte. Os custos indiretos são bastante elevados em obras pesadas. Se não forem bem cuidados, podem consumir toda a rentabilidade de um projeto.
A aplicação lean nas atividades administrativas, conhecido como lean office, traz grandes ganhos de produtividade pela simplificação de processos, apoiando a obra de maneira mais efetiva, sem estruturas inchadas.
No escritório corporativo, da mesma forma, o lean tem aplicabilidade em todas as áreas, como vendas, engenharia, planejamento, suprimentos, gestão de pessoas e mesmo no planejamento estratégico.
Algumas empresas avançadas na jornada lean aplicam esses conceitos e práticas desde a elaboração de propostas, conseguindo oferecer prazos e custos mais competitivos e alavancando, assim, o crescimento da companhia.
7. Comece com um passo de cada vez, mas pense grande
Se muitos já perceberam que mesmo a utilização de algumas ferramentas isoladas do sistema lean em obras já traz resultados significativos, imagine uma aplicação mais ampla e continuada, incorporando o lean à estratégia competitiva, ao sistema de gestão e à cultura da empresa.
Muito provavelmente, você vai começar isso em alguma obra piloto. Uma coisa é aplicar nesse projeto, ter resultados e depois dispersar a equipe. Outra completamente diferente é encarar cada aplicação como uma oportunidade de aprendizado, desenvolvimento de competências e estabelecimento de rotinas que possam ser propagadas para a empresa toda. Isso faz toda a diferença.
Não perca a oportunidade de conhecer mais sobre o lean e, principalmente, de realizar experiências práticas gradativas em sua companhia e obras. Vá num passo a passo, mas desde o começo tenha sempre uma visão maior de onde você pode chegar.