Em 2018, a cidade de São José dos Campos, com 700 mil habitantes, começou a experimentar a criação de um plano hoshin para seu sistema de saúde. Naquela época, milhares de pacientes estavam na lista de espera para receber atendimento (alguns por até dois anos).
Para tentar agilizar o fluxo de pacientes, a Secretaria de Saúde da cidade convidou o Instituto de Oncologia do Vale (IOV), que é reconhecido como uma organização Lean Healthcare de sucesso, para ajudá-los a montar e executar quatro projetos-piloto em gastroenterologia, cardiologia, urologia e cirurgia. Nesta série de artigos, exploraremos alguns dos projetos mais bem-sucedidos que resultaram desses pilotos.
Neste artigo, falaremos sobre o Projeto Previna, que visa melhorar o atendimento oncológico dos moradores de São José dos Campos (na cidade, o câncer representa a segunda maior causa de morte). Na verdade, inicialmente o projeto se concentrava apenas no câncer de próstata, mas teve tanto sucesso que agora se aplica a todos os tipos de câncer. O que torna a Previna particularmente interessante é que em sua essência está a colaboração efetiva entre oito organizações diferentes: a própria Secretaria de Saúde, unidades de atenção primária, pronto-socorros, um laboratório de patologia, laboratórios de exames de sangue, dois hospitais e centros de oncologia (IOV).
A nossa intervenção centrou-se basicamente na gestão de filas e no gerenciamento diário. Criamos vários fluxos de pacientes, definindo prioridades e abrindo vagas de tratamento para cada um deles. Com um redesenho de fluxo no centro de câncer (semelhante a o que o IOV havia feito), conseguimos criar muito espaço para tratar os pacientes. Quando o projeto começou, reorganizamos as filas de acordo com o nível de prioridade dos pacientes: alto risco, médio risco e baixo risco. Pacientes de alto risco (aqueles que precisavam de cuidados imediatos) foram atendidos rapidamente, enquanto aqueles que provavelmente não eram pacientes com câncer tiveram que esperar um pouco mais.
Por exemplo, sabemos que os pacientes com um alto nível de PSA (Antígeno Específico da Próstata) em seus exames de sangue são muito propensos a ter câncer, então nós os encaminhamos diretamente para a biópsia (eles nem precisavam de um médico para saber que precisavam de uma). Quando agilizamos esses pacientes (havia cerca de 200 deles, a maioria dos quais tinha câncer de próstata), imediatamente aliviamos a pressão sobre o sistema.
O mesmo pensamento se aplicava àqueles pacientes que não eram elegíveis para cirurgia e deveriam ir direto para a hormonioterapia, a quimioterapia ou a radioterapia. Ao olhar seus prontuários e exames, podemos enxergar imediatamente se um paciente pode ou não realizar uma operação (a informação estava lá o tempo todo, mas simplesmente não a usávamos). Quando começamos a enviá-los direto para a terapia, o número de pessoas que precisavam de consulta com os urologistas caiu. Dessa forma, nossos urologistas poderiam começar a se concentrar em mais pacientes cirúrgicos.
Como resultado dessas mudanças, os fluxos de urologia e câncer melhoraram significativamente. Anteriormente, um paciente de urologia sem prioridade tinha que esperar cerca de 400 dias para uma consulta, enquanto hoje todos são atendidos entre 20 e 40 dias. Na verdade, cerca de 95% dos nossos pacientes com câncer hoje estão esperando menos de 30 dias para ter acesso aos cuidados.
Estas são as quatro principais ações que viabilizaram o projeto:
- Redesenho de processos para melhor conectar os diversos fornecedores envolvidos e permitir que as equipes se engajem na solução diária de problemas. O uso do gerenciamento visual foi extensivo.
- Sistema de gerenciamento diário escalado, com base em três reuniões-chave. Um huddle diário visa movimentar os pacientes pelo sistema (destinado à equipe da Previna – incluindo Joana, a médica que gerencia o fluxo de câncer na Secretaria de Saúde, e os supervisores de saúde das unidades básicas e hospitalares); uma reunião semanal com todos os fornecedores (para organizar o trabalho da semana seguinte e alocar o trabalho em função das vagas disponíveis e da procura); e uma reunião quinzenal para o desempenho global dentro da Secretaria de Saúde.
- Canais de comunicação abertos, com suporte especializado por telefone e hotline conectando o gerente do fluxo com 46 unidades de atenção primária e secundária.
- Acesso e fluxo de emergência, com a introdução de um processo padronizado para acesso de emergência.
Razões do sucesso
Um dos maiores fatores de sucesso do Projeto Previna foi que, para garantir o bom andamento do projeto, a Prefeitura Municipal de Saúde firmou Acordos de Nível de Serviço (ANS) com os fornecedores. Eles solicitam tarefas específicas deles, mas o fluxo é gerenciado centralmente (um ANS, por exemplo, pode declarar que um provedor deve garantir 40 vagas de biópsia por mês). Tais solicitações são fáceis para os provedores acomodarem e não exigiram muitas mudanças internas, exceto para o hospital (onde um fluxo dedicado para pacientes com câncer teve que ser criado). A Secretaria de Saúde também exigiu que todos os provedores usassem o mesmo sistema de TI, para garantir coordenação e consistência nos dados coletados.
Essencialmente, os ANS garantiram que os dados chegassem quando tinham que chegar, enquanto o sistema de TI garantiu que eles fossem coletados e analisados da mesma maneira. Outro passo crítico foi a introdução de uma nova função, o gerente de fluxo, dentro da Secretaria de Saúde. Joana tem a tarefa de agendar pacientes e gerenciar vagas – com outra pessoa fazendo o mesmo dentro do hospital, porque é lá que acontecem cerca de 80% das cirurgias.
Estamos agora em nosso quarto ano de implementação, e é ótimo ver que todos os pacientes com câncer na cidade estão sendo tratados em tempo hábil. Em 2015, o número de pacientes com acesso ao tratamento em 60 dias foi de 54%, enquanto em 2020 foi de 77%. Curiosamente, ao longo desse tempo, o número de diagnósticos de câncer dobrou, à medida que mais pacientes acessaram os cuidados e foram atendidos. Nossa demanda real é de cerca de 1.200 pacientes por ano, o que ainda é o dobro do que pensávamos em 2015.
Estamos orgulhosos dos resultados alcançados apesar do aumento da demanda. Esse projeto economizou muito dinheiro para a Secretaria de Saúde (tratar o câncer nos estágios iniciais é consideravelmente mais barato) e, mais importante, salvou inúmeras vidas aqui em São José dos Campos.