SAÚDE

Lean Healthcare: impactos da redução de tempo na jornada de um paciente oncológico

Paloma Rubinato Perez
Lean Healthcare: impactos da redução de tempo na jornada de um paciente oncológico
O que aprendemos com o precioso "valor do tempo" na jornada de Pedro.

Um paciente em tratamento de quimioterapia leva, em média, oitos horas para cada sessão e precisa realizar o procedimento três vezes por semana. Uma instituição de saúde privada que atende casos de alta complexidade e é reconhecida como uma das melhores na América Latina conseguiu reduzir em aproximadamente 50% o tempo total de ciclo deste processo, trazendo uma melhor experiência ao paciente e eliminando desperdícios de tempo dos profissionais da saúde envolvidos.

Ao acompanhar e registrar a jornada do paciente pelo hospital para entender como funciona toda a cadeia de valor e melhorá-la, conseguiram aumentar a capacidade de atendimento da instituição utilizando os mesmos recursos.

A análise de toda a cadeia pela perspectiva do paciente pode mostrar as oportunidades que existem para implantação de melhorias, trazendo benefícios para toda a sociedade. Vamos ver como o acompanhamento de perto da jornada de um paciente oncológico de quimioterapia, que chamaremos neste artigo de Pedro, para preservar sua identidade, possibilitou que o grupo de implementação lean da instituição conquistasse melhores resultados.

 

Como está o setor de saúde no Brasil

A área da saúde é um setor que vivencia diversas dificuldades em vários aspectos no mundo todo. Em relação às instituições privadas, as operadoras de saúde recentemente iniciaram um movimento estratégico de mudança no formato de remuneração. Antes, o “fee for service” (taxa por serviços) era o modelo estabelecido, ou seja, quanto mais procedimentos a instituição realizava, maior era a receita que recebia da operadora. Isso pode provocar um estímulo negativo no sentido de perda de qualidade na assistência, além da realização de procedimentos desnecessários, ou seja, que não têm pertinência para sua realização. O objetivo principal do novo modelo de remuneração “fee for value” é baseado no valor agregado ao serviço para resolver as questões do paciente, com suas necessidades no centro do cuidado, ou seja, pagar pelo que agrega valor e gera o melhor resultado. Com esse novo modelo, iniciou-se um movimento de pagamento por pacote de procedimentos atrelados ao desfecho clínico.

Dado esse cenário, um grupo multifuncional de um dos maiores hospitais da América Latina se reuniu e decidiu concentrar seus esforços na implementação de melhoria de processos, focando na mudança do modelo de atendimento, de maneira a tornar seus processos mais eficientes e com uma melhor experiência para seus pacientes, familiares e colaboradores. Foi escolhida pelo grupo a área de oncologia, com o objetivo principal de entender a jornada de um paciente que precisa passar pelo tratamento quimioterápico. A instituição em questão, reconhecida como referência em oncologia, tem este como um serviço de alta ocorrência, ou seja, uma grande quantidade de pacientes procura esta instituição para tratamento.

O grupo era formado por enfermeiros, administradores, médicos e fisioterapeutas, bem como especialistas lean com domínio da metodologia de melhoria de processos. O primeiro passo, que parecia fácil, era escolher um cliente para acompanhar de perto a sua jornada: eles levantaram os dados do sistema e percorreram a lista de pacientes cadastrados para o tratamento quimioterápico. A lista continha nome completo, data de nascimento, nome do médico e outras informações sobre o tratamento, mas foi complicado simplesmente apontar um nome, de forma fria e sem “calor humano”, como foi dito por um dos integrantes.

Nesse momento, deixaram a lista do sistema de lado e perguntaram à enfermeira responsável pela área, que fazia parte da equipe, que paciente ela recomendaria para participar desse novo projeto. A preocupação do grupo era válida, pois eles queriam enxergar a vida do paciente, e não somente descrever um processo; eles queriam que o paciente fizesse parte da solução, que ele pudesse incorporar ao grupo de projeto. Considerando tudo isso, ela falou entusiasmada: “Podemos convidar o Pedro!”. “Mas por que o Pedro?” foi a pergunta que ela ouviu na sequência. Ela explicou: “Pedro é um paciente que precisa realizar o procedimento de quimioterapia três vezes por semana; ele é uma pessoa extremamente acessível, de bem com a vida, sempre conversa com todos e está disposto a mostrar melhorias e ajudar a resolver. Ele é um empresário aposentado, mora com a filha e, apesar da situação de saúde delicada, percorre sua jornada de casa ao hospital sozinho e com um sorriso largo no rosto”. Sem dúvidas, ele era o paciente ideal para esse projeto!

A equipe conversou com Pedro para explicar sobre o objetivo do projeto, e ele prontamente se colocou à disposição, ficando muito feliz em poder ajudar.  Eles se organizaram e, na semana seguinte, passaram a acompanhar Pedro nas sessões de quimioterapia; fizeram isso por alguns meses, mas depois de um tempo, estavam cansados e inconformados com o tempo excessivo que ficavam no hospital para realizar essa jornada. Pedro continuava incansável, saindo de casa três vezes por semana e indo até o hospital para realizar suas sessões, agradecendo todos os dias pela vida.

 

Um dia na vida de Pedro

Durante o acompanhamento da jornada, eles anotaram muitas coisas, mas o mais importante foi que puderam viver um dia típico na vida de Pedro. Aproveitaram a oportunidade para se conectar com Pedro e criar empatia pela situação que ele vivia, e o propósito de melhorar esse processo ficava cada vez mais claro: o Tempo de Pedro. Ele estava passando, e Pedro estava investindo cerca de 14% do seu precioso tempo de vida dentro do hospital para realizar o tratamento que o mantinha vivo.

A equipe se mobilizou, porque precisava entregar o melhor tratamento para Pedro no menor tempo possível; eles começaram a entender que eliminar os desperdícios dessa jornada seria a única forma de chegar a esse propósito.

No registro, a rotina de Pedro seguia desta forma:

No registro, a rotina de Pedro seguia desta forma:

 

Durante o acompanhamento, a equipe teve a oportunidade de mapear e entender todo o procedimento pela perspectiva de Pedro e verificar as boas práticas e as oportunidades da cadeia completa desse tratamento, ou seja, o que era valor agregado ou desperdício pela visão dele. Apesar da reconhecida excelência da instituição no serviço de quimioterapia e da grande habilidade humana oferecida por todos os colaboradores da saúde que tinham contato com Pedro, nesse momento tão delicado que ele buscava a instituição existiam lacunas, problemas, retrabalhos e desperdícios enormes ao longo da cadeia do processo.

Ao observar ativamente a jornada, eles puderam sentir junto com Pedro suas angústias, esperas e medos e tiveram a oportunidade de trabalhar a empatia para com o próximo. Ao se reunirem para discutir as percepções, eles se surpreenderam como cada integrante se atentou a detalhes diferentes na jornada e entenderam que isso se devia à experiência profissional e de vida de cada um deles. Os enfermeiros comentaram que a aferição dos sinais vitais era desnecessária, já que o médico refazia a aferição no consultório. Os administradores, por sua vez, discutiram por que o paciente, que nesse caso realizava o tratamento no formato particular, precisava pagar a cada ida ao hospital e não existia um pagamento por pacote. E os médicos questionaram as longas esperas entre os procedimentos.

O especialista lean, sugeriu que poderiam utilizar algumas ferramentas para orientar o trabalho, organizar as ideias e identificar os desperdícios. Após todos concordarem, iniciaram o desenho do processo através da ferramenta de mapeamento do fluxo de valor, conforme mostra a figura 1. Começando pela chegada do paciente na instituição, cada atividade foi descrita em uma caixa com tempos de processamento, tempos de espera, quantidade de funcionários envolvidos e percentual de correto e completo, que, por conceito, traduz a quantidade que chega correta naquela etapa sem necessidade de nenhum tipo de retrabalho (por exemplo, se um paciente chega no consultório médico sem o resultado do exame de sangue, o médico precisa pedir para ele realizar o exame e retornar, ou seja, nesse caso, o paciente chegou de forma “errada” no consultório, ou incompleta. Quando um processo precisa ser refeito, isso gera retrabalhos desnecessários e custos adicionais, ou seja, desperdício no processo).

 

Figura 1: Mapa de processo simplificado da jornada do procedimento de quimioterapia

Fonte: Produção própria

 

Após analisarem e discutirem bastante sobre cada etapa do processo, seguiram para a próxima ação: identificar as possíveis oportunidades de melhoria contida em cada etapa. O objetivo era reduzir os desperdícios e deixar o processo mais enxuto, ou rápido. Após estudar os sete desperdícios do lean, eles identificaram treze oportunidades de melhoria no processo, conforme mostra a figura 2. Nesse momento, muitas dúvidas surgiram sobre o que deveriam fazer primeiro, o que deveriam deixar de fazer e o que traria maior impacto para o processo.

 

Figura 2: Oportunidades da jornada do paciente na realização do procedimento de quimioterapia

Fonte: Produção própria

 

Algumas dúvidas também eram expostas nas reuniões de equipe, mas apesar disso, eles sempre acreditaram que era possível e que todos seriam beneficiados com as melhorias, principalmente Pedro. Por ser uma instituição muito conceituada e preocupada com o paciente, a diretoria prontamente autorizou que iniciassem o próximo movimento: identificar contramedidas e desenhar um plano de ação para melhorar o processo atual.

 

As mudanças baseadas no valor para o paciente

Após analisar as descobertas, a equipe começou a propor contramedidas com o objetivo de melhorar a jornada de Pedro, reduzindo desperdícios e possibilitando a precificação do procedimento por “value based”, como estava definido na mudança estratégica da instituição. Diversas ideias foram desenhadas e amplamente discutidas, mas o mais importante é que a análise do processo e as ideias de melhoria foram feitas junto com Pedro. Ele participou ativamente de todo o projeto e trazia informações importantes que a equipe não conseguiria visualizar só no processo.

Antes de qualquer implementação, eles criaram uma matriz de risco com potencial de ocorrência e frequência, com o objetivo de prever possíveis problemas e manter a confiabilidade e segurança do paciente; além da diretoria, Pedro se tornou o aprovador das ações. Assim, a equipe realizou uma reunião de apresentação das ideias priorizadas em que as aprovadas seriam implementadas.

Nesse momento, é importante rever as causas ou problemas identificados, porque as ideias ou contramedidas que serão implementadas precisam endereçar esses problemas, além de ser viável dentro das possibilidades do hospital.

Para as questões administrativas, eles promoveram a entrega de um cartão de acesso à unidade para o paciente recorrente; dessa forma, ele não precisaria retirar o cartão na recepção e senha no totem todas as vezes que chegasse à instituição. Eles também prepararam um pacote bimestral para pagamento das despesas com o procedimento para os pacientes particulares e aproveitaram para precificar o pacote que seria oferecido às operadoras de saúde.

A equipe assistencial decidiu eliminar a etapa de aferição dos sinais vitais, já que era um procedimento que era realizado em duplicidade na consulta pelo médico. Também ficaram com a responsabilidade de trabalhar com a engenharia no desenho de um melhor layout dos espaços físicos e fluxos do hospital, de maneira a diminuir a necessidade de deslocamento do paciente entre uma etapa e outra. Contudo, essa ação, como era mais complexa e provavelmente demandaria investimento financeiro, foi deixada para uma próxima fase.

A ação que teve maior impacto na redução do tempo de processamento e aumento da satisfação de Pedro foi a eliminação da coleta de sangue no dia do procedimento; assim, foi feito um adendo ao contrato do laboratório parceiro para disponibilizar aos pacientes em tratamento a possibilidade de coleta domiciliar um dia antes do procedimento. A coleta do sangue e análise do resultado era ponto crítico do processo, além de demandar maior tempo de espera, pois o laboratório demora uma hora para realizar a análise do sangue. Essa etapa não poderia ser eliminada, pois é com esse resultado que o médico avalia as condições clínicas do paciente, ou seja, se ele está em condições para receber a quimioterapia. Essa ação só foi possível porque, em conversa com os médicos, foi descoberto que o resultado do exame não mudava de um dia para outro. Os pacientes que optassem por essa solução receberiam uma ligação do hospital caso o resultado apresentasse qualquer divergência que impedisse o tratamento; dessa forma, não precisariam se deslocar ao hospital. Para aqueles que tivessem o resultado adequado, chegariam com essa etapa do exame já realizada.

A equipe de projeto ficou preocupada em como a equipe da operação iria aceitar e incorporar essas mudanças na rotina. Por isso, realizaram reuniões em grupos e individuais para explicar a proposta, realizaram um treinamento do processo, mapearam os casos críticos e preparam tudo para o início. Após testes e ajustes, a equipe estava pronta para iniciar o atendimento no novo formato, conforme mostra a figura 3.

 

Figura 3: Mapa de processo simplificado da nova jornada do procedimento de quimioterapia

Fonte: Produção própria

 

Um novo dia na vida de Pedro

Depois das mudanças, Pedro e os demais pacientes começaram a usufruir de uma jornada mais fluída, com menos esperas, e sentiram a equipe assistencial mais disponível para conversar e acolher, sem a costumeira correria que normalmente observavam.

Pedro continuava feliz e agradecendo a cada novo dia, mas agora tinha mais tempo para ficar com sua filha, ir ao parque e ler seus livros; o tratamento de quimioterapia continuava acontecendo três vezes por semana, mas ele optou pela coleta domiciliar, então agora, ao invés de demorar oito horas por sessão, ele passou a gastar somente quatro.

 

 

Vejam como ficou o novo dia do Pedro no atendimento:

 

 

As melhorias implementadas pela equipe junto com Pedro eliminaram quatro horas de desperdícios da jornada, ou seja, 50% do tempo. Ele “ganhou” aproximadamente 48h por mês de TEMPO de qualidade, tempo em que ele poderia escolher o que fazer para usufruir. No momento que ele está vivendo, aproveitar o tempo que resta é prioridade sem discussão.

Publicado em 31/08/2021

Autor

Paloma Rubinato Perez
Head para Saúde no Lean Institute Brasil

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