As organizações precisam se preparar para seus ciclos de negócio. Mais do que nunca, são fundamentais as capacidades de lidar com incertezas, antever cenários, criar bases sólidas para a tomada de decisões e executar planos com disciplina. Isso exige que comecemos a trabalhar imediatamente nos processos gerenciais associados à gestão da estratégia, usando os princípios lean da formulação ao gerenciamento diário.
O segundo semestre já começou, o fim do ano se aproxima, e muitas empresas já começam – ou deveriam começar – a pensar no ciclo de “planejamento estratégico” para os próximos períodos. Infelizmente, algumas ficarão somente no “planejamento”. Outras talvez nem cheguem perto de discutir “estratégia”. Gerenciar a estratégia é um desafio para qualquer empresa, de todos os tamanhos e setores. E não podemos subestimar as armadilhas desse processo.
Boa parte das companhias sequer formaliza planos, limitando-se a meros orçamentos operacionais. Outra parte se preocupa com o assunto, mas ainda de forma pouco organizada, estabelecendo ações sem métodos de análise, o que leva, inclusive, a objetivos conflitantes. Muitas sofrem para entregar o que propuseram e ficam patinando com as ações ao longo do ano, sem consistência na obtenção dos objetivos estipulados.
Isso ficou claro, por exemplo, numa enquete sobre o tema no Linkedin (https://bit.ly/37iUYIc) do Lean Institute Brasil, respondida por 540 pessoas, de organizações de diversos setores. A pesquisa perguntou “Qual é a maior ‘dor’ que as empresas enfrentam na gestão da estratégia?”.
O resultado é revelador, embora já esperado para quem conhece esse desafio sob a ótica do sistema lean. A gestão tradicional tem, em geral, um foco muito maior na formulação da estratégia. Ela utiliza análises complexas de cenários e alternativas, mas muitas vezes falha em desdobrar isso para toda a organização, considerando todos os níveis e áreas funcionais. E acaba não conseguindo executar o que foi planejado.
Para se evitar isso, há no sistema lean o conceito e a prática do ”hoshin kanri”, que combina a “definição do rumo” (hoshin) com o “desdobramento da estratégia” (kanri). Assim, garante não só a boa formulação da estratégia, mas também a adequada execução e acompanhamento.
Essa integração sugere o desenvolvimento de processos gerenciais muito mais participativos. Diversas organizações formulam e comunicam estratégias “top down”, partindo da alta liderança, mas sem envolver a empresa como um todo sobre “como” serão implementadas as ações ou atingidas as metas. E depois “empurram” o que foi decidido pelas cúpulas para os demais níveis organizacionais.
Isso gera uma série de problemas. As pessoas, muitas vezes, simplesmente não entendem o que foi planejado e como ocorreu o processo e tão pouco o porquê das ações planejadas. Elas, então, veem os planos como uma sobrecarga, um trabalho adicional ao que já fazem. Não percebem como isso poderia estar conectado aos problemas que efetivamente combatem “na ponta”. Assim, não “vestem a camisa” ou, no máximo, apoiam superficialmente aquilo que foi planejado. Por isso, há o famoso “bater de cabeças” na implementação.
Com o hoshin kanri, o movimento “top down”, com a liderança apontando os saltos necessários para a evolução da companhia, é combinado com o processo “botton up” e com o alinhando entre diferentes áreas da companhia. Esse alinhamento horizontal e vertical ocorre com a participação das equipes, trazendo elementos do gemba (local onde as coisas acontecem), bem como oportunidades e propostas de ações para atingir os objetivos priorizados.
A essência desse processo reside no conceito de “nemawashi”, expressão japonesa que remete ao esforço de se criar o alinhamento necessário antes de qualquer ação concreta.
Isso significa buscar consenso sobre o que está sendo planejado antes de partir para a execução. Na prática, requer discussões com as pessoas que serão envolvidas ou impactadas pelas mudanças. De forma similar, demanda reconhecer resistências, empecilhos e dificuldades, buscar a aceitação e o alinhamento das ações antes delas serem implementadas. E fortalecer entre os indivíduos a aceitação e o comprometimento com o que está sendo formulado.
Essa forma de estabelecer as estratégias do hoshin kanri já garante um alinhamento organizacional muito maior, mas a efetividade da execução depende de um sistemático desdobramento para toda a organização.
Em diversas empresas que utilizam o planejamento tradicional, há um verdadeiro abismo entre as estratégias definidas pela direção e os times que deveriam executar as ações necessárias para se obter os resultados traçados. São companhias que colocam energia na formulação, mas não na “tradução” disso para toda a organização. Cria-se o planejamento, mas não se materializa seu impacto no dia a dia das diversas áreas, nem os mecanismos que possam apoiar as pessoas na execução.
Para se evitar isso, um hoshin kanri bem estruturado pode contar com uma série de conceitos e práticas lean complementares que garantem a priorização, desdobramento e execução do planejamento, de maneira concatenada por toda a organização.
Um deles é o uso intensivo do pensamento A3, interligando, de maneira clara, os objetivos priorizados no “norte verdadeiro” da organização com A3 estratégicos e desdobrando as ações destes, conforme necessário, em A3 filhos. São A3 detalhados, feitos e implementados por líderes e equipes, tendo como base o entendimento dos problemas por fatos e dados, o que vai garantir ações efetivas para que as diferentes partes da estratégia aconteçam de fato.
Aliado a isso, o “Gerenciamento Diário” (GD) é a prática cotidiana para transformar em realidade todas as boas intenções do planejamento estratégico. Se bem estruturado, é por meio do GD que lideranças e/ou médias gerências vão, no dia a dia, conversar com os liderados para que, juntos, no gemba, possam discutir como a estratégia está sendo colocada em prática, os desvios que estão ocorrendo, os problemas imprevistos, as causas primárias e as possíveis correções de rotas.
Isso se potencializa com o uso inteligente da gestão visual e das salas obeya (ou “salas de guerra”, físicas ou virtuais) bem estruturadas, feitas com o intuito de traduzir para o dia a dia o que foi formulado e priorizado no nível da estratégia.
Vale ainda ressaltar que, embora a formulação da estratégia tenha sido apontada na pesquisa como uma das menores dores, nela reside também uma grande oportunidade de aplicação mais ampla dos conceitos lean. Neste mundo em que as incertezas são grandes, e as mudanças do ambiente competitivo parecem mais rápidas do que nunca, contemplar os fundamentos lean na gestão da estratégia abre inúmeras possibilidades para maior agilidade, flexibilidade e inovação.
Como quase tudo associado à maneira lean de pensar e agir, o hoshin kanri é também um permanente processo de aprendizagem em todos os níveis da organização. Quanto mais essas práticas fizerem parte das rotinas, mais naturalmente seremos capazes de materializar a estratégia, transformando boas intenções em resultados e impacto reais. A cada novo ciclo de hoshin kanri temos a oportunidade de aprender sobre nossos clientes, gestores e colaboradores. Assim, os ciclos seguintes podem ser sempre melhores do que os anteriores. O importante é começar já.