Muitas empresas têm se lançado na jornada de implementar
a filosofia lean nas últimas décadas. No entanto, parece que o sucesso na implementação é restrito
a uma pequena parte delas. Considerando-se que as ferramentas utilizadas são mais
ou menos as mesmas para todas as empresas, faz-se então necessário refletir sobre
as possíveis causas desse fracasso e propor soluções que permitam que um maior número
de empresas tenha sucesso na implementação da filosofia lean.
A participação efetiva da liderança nesse processo parece ser de fundamental importância.
Então, não será possível uma empresa mudar – efetivamente - de uma filosofia de
produção em massa para uma filosofia lean, se a liderança não abandonar suas
técnicas de gestão tradicionais e passar a adotar técnicas de liderança lean.
Sucesso X fracasso
Apesar de a filosofia lean estar amplamente divulgada, das ferramentas serem conhecidas
e padronizadas, o sucesso na implementação ainda é restrito a um número pequeno
de empresas. A seguir são apresentadas algumas possíveis causas para isso:
a) As empresas consideram os conceitos lean como algo adicional a ser feito
e não como um investimento para o futuro;
b) A filosofia lean é conhecida superficialmente e, consequentemente, pouco
enraizada. As pessoas, em geral, não vão ao genba (incluindo os líderes que
querem fazer a gestão do seu escritório);
c) Uso do lean de forma “ferramentalizada” (aplicação pura e simples das
ferramentas) e não como uma filosofia que deve ser absorvida e tornar-se parte da
cultura das empresas;
d) Não envolvimento da liderança, que acaba achando que a responsabilidade está
nas mãos das áreas operacionais e, por isso, acaba não se transformando junto com
a empresa;
e) Não envolvimento da área de recursos humanos. É de fundamental importância que
os profissionais de RH acompanhem a atuação dos líderes das organizações e percebam
qual o grau de engajamento e, em caso de baixa adesão, estabeleçam ações de convencimento
e conscientização de que eles são as peças-chave no sucesso da jornada lean.
A prática tem mostrado que mais ou menos uma terça parte das empresas que iniciam
o processo tem sucesso na implementação; outra terça parte fala muito sobre o assunto,
mas na prática, não faz nada e, por fim, a última terça parte inicia o processo
e após um ou dois anos, por acharem que já estão dominando o assunto, deixam de
investir nesse processo, não conseguem sustentação e voltam ao sistema convencional.
Papel da liderança
O papel da liderança é fundamental para o sucesso da implementação do lean
nas empresas. É a liderança a responsável por patrocinar um processo de mudança
baseado na filosofia lean. É um processo “top-down”, de cima para
baixo. Empresas cujo “patrocinador” do lean é o presidente tem mais chances
de sucesso do que aquelas cujo “patrocinador” é um gerente de uma determinada área
(na maioria das vezes, da produção). É importante deixar claro que “patrocinar”
não significa falar apenas e deixar as pessoas trabalharem. É estar junto com a
equipe. É falar “Siga-me. Vem comigo que eu estou junto com você”. É o líder participativo
do processo.
O líder deve guiar sua equipe rumo às mudanças e rumo à melhoria, seja fazendo perguntas
corretas, que desafiem a equipe a buscar soluções, seja removendo obstáculos para
que a melhoria possa acontecer, ou seja, proporcionando recursos para que a mudança
se concretize. Acima de tudo, ele deve reconhecer e celebrar o sucesso da sua equipe.
Outro ponto importante é o reconhecimento por parte da liderança que a filosofia
lean não é implantação de ferramentas apenas. O líder lean deve infundir
a filosofia lean na “corrente sanguínea” da equipe, não apenas com palavras
bonitas, mas com atitudes concretas. O líder lean deve sair do seu escritório
e fazer a gestão no genba. Deve estar junto de sua equipe e reconhecer que
os principais agentes de mudança ou melhoria são os operadores – aqueles que efetivamente
conhecem os processos a fundo e podem contribuir em muito para a melhoria.
O nível de comprometimento da liderança é diretamente proporcional ao sucesso ou
fracasso da implementação. Ainda, nas empresas que obtiveram sucesso ou que fracassaram,
os bons e maus exemplos de implementação do lean se resumem em uma coisa:
“o comprometimento do líder”.
Características do líder lean
Ao se observar empresas bem sucedidas na implementação do lean, algumas característicasda
liderança parecem estar presentes:
Ser agente de mudança, liderar pelo exemplo. Nesse caso, é o líder que efetivamente
atua para transformar a empresa e fazer com que a filosofia lean passe a
“correr nas veias” de sua equipe. É o líder que diz “Siga-me. Vem comigo que eu
estou junto com você”.
Saber escutar a todos, ser democrático. É o líder que reconhece que o conhecimento
dos processos está disseminado por toda a equipe e que ninguém melhor do que ela
para dar idéias simples e eficazes de melhoria. É o líder que entende que a opinião
do grupo deve prevalecer sobre a opinião individual.
Conhecer lean. O líder lean deve estudar a filosofia lean,
ler livros sobre o assunto (inclusive sobre as chamadas ‘ferramentas lean’).
É claro que o líder não precisa conhecer a fundo a utilização das ferramentas, já
que, na maior parte das vezes, ele não vai se envolver na aplicação delas. Ainda,
ele deve procurar reconhecer que mudanças são necessárias no seu modo de gestão.
De uma maneira geral, os profissionais recebem formação em liderança baseada nos
conceitos tradicionais de gestão e não baseada na filosofia lean. O líder
precisa entender e, mais que isso, aceitar que sua maneira de fazer gestão precisa
mudar.
Ter habilidade para ensinar e reconhecer que pode aprender com os outros.
É o líder que toma a atitude de um sensei, valendo-se de recursos pedagógicos
adequados para uma empresa lean. Aqui é importante ressaltar que só se aprende
lean praticando. E praticando no genba.
Ter tempo e disposição para freqüentar o genba. É o líder que faz
sua gestão no genba, ou seja, no local onde o trabalho é realizado. É o líder
que entende que a liderança vai muito além de planilhas e relatórios apresentados
no seu computador, semanal ou mensalmente. O líder lean deve estar constantemente
no genba e, acompanhar ‘em tempo real’ o que está acontecendo. Relatórios
semanais (ou mesmo diários) dão uma visão do que já ocorreu e, conseqüentemente,
as ações tomadas a partir dessa visão serão sempre ações corretivas, de contenção,
onde os desperdícios já ocorreram e o cliente já foi impactado de alguma maneira.
Então, o líder deve estar sempre presente no genba.
Fazer a pergunta certa. O líder deve ter consciência que sua atitude frente
à sua equipe é estimular as pessoas a resolverem os problemas, melhorarem os processos
e se sentirem responsáveis por isso. O líder deve, então, fazer perguntas adequadas
que provoquem na equipe o desejo pela melhoria. Essas perguntas devem permitir que
a equipe explore mais a problemática, tenha mais fatos e dados, faça uma reflexão
sobre as causas do problema (diagnóstico) e, também, sejam desafiadoras (provoquem
o desejo pela melhoria). É importante salientar que essa atitude de fazer perguntas
certas, de provocar a equipe precisa, obrigatoriamente, ser acompanhada do respeito
por todos. Perguntas que levem a respostas do tipo ‘sim’ ou ‘não’ devem ser evitadas.
Desenvolvimento da liderança lean
O desenvolvimento do líder lean passa obrigatoriamente pela formação em conceito
e ferramentas lean, mas também passa por conceitos de liderança lean.
Em termos de formação, além das ferramentas lean, o líder deve se dedicar
a matérias como gestão de mudanças, transformação lean e aspectos relacionados
a relacionamento interpessoal. Futuros líderes lean devem ser escolhidos
não somente por seus diplomas, mas principalmente por suas competências.
O desenvolvimento da liderança, então, deve ser acompanhado de perto por pessoas
experientes em liderança lean, para que através de treinamento e coaching,
comecem a moldar os líderes na filosofia lean. Um dos pontos importantes
a ser explorado é o chamado pensamento A3. Os líderes devem se acostumar a encarar
os problemas e oportunidades de melhoria de uma forma sistêmica e bem estruturada,
de modo a atingir resultados precisos e sustentáveis. Eliminação de desperdícios
e busca diária da melhoria dos processos é pré-requisito para toda a liderança.
E para que isso ocorra de modo natural e constante, o uso do A3 deve passar
da simples aplicação do formulário A3 para a utilização do pensamento A3.
Um fator complicador no desenvolvimento de líderes lean é a dificuldade de
se mudar o modelo mental da gestão tradicional para a gestão lean, já que
muitos conceitos são contraditórios frente ao que foi aprendido durante a formação
acadêmica ou à prática utilizada há longo tempo. O quadro abaixo mostra algumas
diferenças entre a gestão tradicional e a gestão lean.
Medidas de engajamento
Com relação à maneira de se medir o engajamento da liderança aos princípios e práticas
lean, não existem medidas diretas. No entanto, algumas evidências observadas
dão pistas desse engajamento:
a) Envolvimento do líder no genba:Quanto mais o líder frequenta o
genba, em busca de desperdícios e demelhorias nos processos, mais chance
a empresa tem de ser bem sucedida na implementação do lean.
b)Pesquisa de Clima Organizacional: Uma liderança lean fomenta o espírito
de melhoria contínua e isso se reflete no clima da organização.
c) Mudanças de hábitos, comportamento e atitudes: Quase sempre essas mudanças
refletem no resultado da área e na geração de novos líderes lean.
d) Resultados do negócio a longo prazo e solidez dos processos: A liderança
lean tem responsabilidade direta pelo sucesso da implementação do lean
na empresa e, consequentemente, no resultado organizacional.
e) Desdobramento vertical e horizontal da estratégia: A existência de um
desdobramento profundo na estratégia (ou norte verdadeiro) de uma empresa, tanto
na vertical (entre níveis hierárquicos) quanto na horizontal (entre pares) caracteriza-se
como uma evidência que os líderes dessa empresa assumiram atitudes e comportamentos
de líderes lean. Esse desdobramento deve partir do primeiro homem da empresa
(independente do tamanho), que determina o norte verdadeiro e, a partir daí, ir
transformando-se em A3, depois em planos de ação e em ações (como kaizens,
por exemplo). Se isso acontece, se a liderança está alinhada, então ela está fazendo
o lean e está comprometida de fato. No TPS – Toyota Production System
esse desdobramento é conhecido como hoshin-kanri.
Considerações finais:
A liderança tem papel fundamental no processo de implementação da filosofia lean
e no sucesso desse empreendimento. O sucesso está condicionado a um bom patrocínio
(se possível, do mais importante executivo dentro da empresa) e, principalmente,
da participação efetiva de toda a liderança. Não basta o líder falar que apóia,
liberar recursos (humanos e financeiros) e continuar agindo (e liderando) como sempre
fez. Talvez aqui exista um erro crasso cometido pela grande maioria das empresas
que iniciam a jornada lean: dão um foco muito grande nas ferramentas, na
capacitação do corpo operacional nessas ferramentas e esquecem – ou deixam para
um segundo ou terceiro plano – a real capacitação da liderança numa nova disciplina
– a ‘Liderança Lean’. No início, ou até nos primeiros anos, o programa lean
parece estar surtindo resultado, já que as ferramentas são poderosas e os desperdícios
(mudas) são muitos e extremamente visíveis. Após esse período inicial os
desperdícios deixam de ser tão visíveis e a busca por eles passa a ser ‘uma carga
a mais’, uma atividade adicional, uma rotina que não passou a fazer parte da cultura
da empresa. É nesse ponto que deveria entrar a liderança como agente de transformação,
como formadora de cultura organizacional.
Parece, então, que seja necessária uma inversão de prioridades quando uma empresa
resolve implementar a filosofia lean. Normalmente se começa com a capacitação
dos níveis operacionais nas ferramentas lean e com algumas palestras de conscientização
para a liderança. A inversão, então, está na real capacitação da liderança, não
só nas ferramentas (que ela também tem que conhecer), mas nas técnicas de liderança
lean (incluindo pensamento A3 e atitude genba). Nesse ponto, a ação
da área de Recursos Humanos é de extrema importância. Ela deve acompanhar de perto
o desenvolvimento da liderança nos conceitos e práticas de liderança lean,
monitorar a adesão e, caso seja detectada alguma aversão ou dificuldade, trabalhar
na conscientização e convencimento de toda a liderança.
Paulo Cesar Brito Lauria. Mais de 25 anos de experiência no setor aeroespacial nas áreas de Engenharia da Qualidade, Qualidade de Fornecedores e Auditoria da Qualidade. Atuou como representante da Qualidade Embraer junto aos Programas Douglas, Boeing e Sikorsky. Foi coordenador do Programa de Eliminação de Objetos Estranhos (FOE) da Embraer por mais de 10 anos. Coordenou o grupo de trabalho que preparou a NBR-15169 relativa à prevenção contra objetos estranhos no setor aeroespacial.Nos últimos 6 anos tem atuado como Consultor Lean no Programa de Excelência Empresarial da Embraer (P3E), exercendo funções de instrutor, consultor interno e avaliador, tanto no Brasil quanto no exterior.Examinador do Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ) da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) desde 2010.Engenheiro Eletrônico e MBA em Gestão Estratégica de Negócios.