Engraçado você me perguntar isso. Tenho tido dificuldade com a mesma pergunta há anos. Lembro-me que, em uma empresa, pedimos a um desafortunado praticante lean para “elaborar os padrões”. Ele era (é) um bom rapaz e leu os livros sobre o que os padrões realmente parecem ser – eu recomendo fortemente o livro “O Talento Toyota”, de Jeff Liker e David Meier – e, então, ele elaborou um documento chamado “padrões de trabalho” para cada estação de trabalho, completo, com fotos e tudo. O pobre rapaz permaneceu lá por quase dois anos e, como um completo idiota, continuei argumentando que ele deveria escrever tudo, já que “tudo isso viria a ser útil no tempo certo”. Enfim, ele quase teve uma crise de stress e nunca usamos todo seu árduo trabalho – ainda me sinto arrependido e com vergonha sobre esse episódio (e este é um dos casos de sorte em que o garoto recuperado continuou fazendo seu trabalho de maneira excelente posteriormente).
Após esse episódio embaraçoso, constrangido e com vergonha, eu tentei evitar esse tópico, mas sua inevitabilidade aparecia a todo tempo. Meu sensei continuava insistindo, como você mencionou, que não pode haver kaizen sem padrões. O lado bom do lean (ou melhor, o lado irritante do lean) é que você não escolhe seus tópicos de aprendizagem, então, eu tomei fôlego e tentei voltar um passo para olhar para esse tópico de maneira diferente. Descobri que, quando em dúvida, com ideias lean que não parecem funcionar, comece colocando-se no lugar dos operadores e olhando com os olhos deles.
Oito Horas de Trabalho Padronizado
O que pode realmente arruinar o dia de um operador? Se em um chão de fábrica ou em qualquer área da empresa, visualize a pessoa que você acha que está fazendo o melhor possível todos os dias e com quem os clientes xinguem ou seja considerado culpado por seu supervisor por fazer um mal trabalho. Isso é particularmente doloroso porque é injusto (eles se doam ao máximo todos os dias e estao em circunstâncias difíceis) e desestabilizador por causa da dúvida irritante de que, na verdade, eles estariam fazendo o trabalho errado. Nenhuma quantidade de autojustificativa (Estou fazendo o que posso) ou racionalização (Não pode ser tão ruim assim) pode compensar a ansiedade criada pelo medo de seu chefe ter uma impressão ruim (ou errada) de você. Isso é muito, muito ruim.
O outro ponto que me paralisou foi a insistência de um de meus sensei de que o papel do supervisor era dar oito horas de trabalho padronizado para cada operador – não apenas padrões de trabalho, mas trabalho padronizado! Nunca poderia me conectar com isso porque a maioria dos ambientes de trabalho que conheço, desde a manufatura até serviços, o que os supervisores realmente fazem é mudar as pessoas de uma estação para outra e dizer a elas o que fazer e quando, não como fazer, especificamente como fazer no tempo takt e na sequência certa de movimentos. Os pontos de meu sensei eram que:
- Um operador deveria apenas desempenhar trabalho padronizado durante seu dia de trabalho;
- O gerente deveria dar a ele/ela oito horas de trabalho padronizado para desempenhar;
- Quando o trabalho padronizado acabasse, a pessoa deveria parar de trabalhar;
- Qualquer trabalho não padronizado deveria ser examinado e questionado:
- Esse trabalho é necessário?
- Se sim, o operador deveria estar fazendo isso?
Seu ponto era que a responsabilidade da gerência era progressivamente eliminar o trabalho não padronizado do chão de fábrica – um verdadeiro desafio!
Outro aspecto do enigma foi que em qualquer planta da Toyota no mundo, a ênfase rotineira no treinamento on-the-job é óbvia, mas aqui estamos de volta ao quebra-cabeça. Já que há padrões de trabalho para tudo no ambiente da Toyota, as técnicas do TWI podem ser aplicadas – mas o que você faz quando não há padrões? De volta ao problema da galinha e dos ovos.
Bem, tendo falhado na primeira vez atacando o lado dos padrões do quebra cabeça, pergunto-me por que não começar do outro lado. Na mesma fábrica onde tínhamos deixado um rapaz exausto de escrever os padrões de trabalho, pedimos ao supervisor para treinar os operadores todos os dias – a regra era um dia, um operador, 20 minutos de treinamento. O supervisor fez isso com aproximadamente trinta operadores, o que significava que ele deveria ver cada pessoa por 20 minutos a cada dois meses e assim por diante. Nós definimos um plano visual em um quadro branco para que cada operador pudesse enxergar quando eles seriam treinados.
A princípio, o supervisor tentou usar os padrões de trabalho detalhados que tinham sido compilados, mas isso simplesmente não funcionou. Ou o operador era um veterano com experiência e caçoava do procedimento, então, ele não dizia nada que precisava saber, ou o operador era novato e, por isso, os documentos elaborados eram muito detalhados para serem usados em vinte minutos. Aaargh! Após alguns meses, decidimos abandonar os documentos e focar no relacionamento do treinamento. O supervisor teria que trabalhar com papel e lápis para escrever em uma folha A4 (nada mais do que um A4 – isso se tornou importante) com um checklist para fazer o trabalho de maneira correta. No final, esse checklist acabou incluindo:
- Os principais passo para se realizar o trabalho;
- Descrições OK versus não OK nos pontos chave;
- Lembretes sobre segurança.
O que parece com uma clássica folha de padrão de trabalho de operações deveria parecer! Acontece que durante os vinte minutos de discussões, o supervisor verificou a sequência principal com os operadores inexperientes e se eles entendiam as partes difíceis e refinava as descrições do OK/não OK com os veteranos. Para minha total surpresa (e alívio), pastas de folhas de padrão de trabalho começaram a aparecer nas estações de trabalho (ambiente de alto mix) e muitas das novas oportunidades técnicas de kaizen começaram a aparecer em discussões de trabalho padronizado: os movimentos reais do operador na célula: pés, mãos e olhos.
De repente me vejo trabalhando na operação de serviços de uma empresa com colabradores que diziam ao técnico de manutenção onde dirigir para reparar o quê. Após visualizar os primeiros indicadores chave (viagens com a informação incorreta, lead time do cliente etc.), iniciamos um programa de treinamento no mesmo formato. O que descobrimos é que os contratos variam de cliente para cliente e é inacreditavelmente difícil para o colaborador saber exatamente o que é próprio de cada cliente. Então, eles começam a estabelecer padrões por meio de tipo de contrato e agora eles descobrem que necessitam investigar mais completamente com o mesmo cliente no telefone antes de enviar um técnico. Neste caso, eles começam com procedimentos existentes e com um sistema de vinte minutos por dia, transformam esses procedimentos gerais em padrões de trabalho específicos.
Em ambos os casos, como descrito em “O Talento Toyota”, descobrimos que poucos movimento chave são responsáveis por grande parte do volume do trabalho (no caso da manutenção, três partes principais fazem 80% das atividades). Então, definimos um “dojo”, uma área especial onde os técnicos voltam e são treinados todos os dias, não em casos especiais, mas para se tornarem extremamente bons no que fazem todos os dias – com lembretes sobre segurança na estação de trabalho. Com esse sistema, os colaboradores agora podem ter uma discussão técnica regular com um técnico de cada vez – a roda do kaizen começa novamente. Quão distante podemos ir com isso? Em uma empresa de engenharia, o líder da engenharia começou uma fila de pastas pretas com checklists que ele examina nos mesmos vinte minutos por dia com os engenheiros que ele gerencia. Essas checklists variam de produtos OK/não OK a como usar os programas de CAD.
A Chave para o Trabalho Padronizado
A resposta para sua pergunta, acredito agora, não está no trabalho padronizado em si, mas em delegar tarefas aos gerentes com a maior confiança dos operadores em seus próprios julgamentos OK/não OK. Há mais de uma década, enquanto eu tentava entender a parte da engenharia do lean, eu repetidamente era atingido com a insistência dos veteranos da Toyota de que nenhuma solução deveria ser procurada para problemas, a menos que o método-teste para aquela solução fosse formulado primeiro. Isso me levou mais de 10 anos para enxergar como pode ser operacionalizado no nível do trabalho, mas estou agora confiante de que o relacionamento entre supervisor e colaborador seja a chave para estabelecer o trabalho padronizado.
Para o kaizen, bem, surpreendentemente, nos locais de trabalho que conheço agora que usam essa abordagem de treinar constantemente para padronizar (e a evolução contínua de padrões de documentos como ferramentas para apoiar o julgamento OK/não OK do operador), os tópicos do kaizen mudaram em natureza e são menos orientados pelo processo e mais tecnicamente focados. Como resultado, kaizen é muito mais rico em lições de know-how. As melhorias são mais centradas nas pessoas e menos nas organizações, e, olhando para trás, têm um alcance de impactos muito maior sobre o trabalho, produtos e a satisfação dos clientes.
Não sei se isso ajuda em sua situação específica, já que isso pode ser uma venda agressiva – isso muda radicalmente a natureza do trabalho de supervisão. Em meu caso, tenho muita sorte de trabalhar com a gerência sênior das empresas, então, quando eles estão convencidos, as coisas tendem a acontecer. Em qualquer caso, tenha em mente que apesar de tal mudança na abordagem claramente benéfica aos operadores, isso é também um desafio enorme para a gerência da linha de frente, e eles precisam de séria ajuda para alcançá-lo. Por outro lado, essa abordagem pode desbloquear os ambientes mais improváveis. Um gerente sênior que conheci dos Correios começou a demandar sistematicamente pelos “dojos” em sua área, e os resultados têm sido espetaculares, com milhares de “dojos” funcionando e deslumbrando os números de satisfação dos colaboradores. Neste caso específico, eles formularam o propósito de sua abordagem lean como “gestos profissionais de apoio”. Wow.