Sou um “coach” lean e ensino A3 em minha empresa. Todo livro lean menciona os “cinco porquês” e posso ver o poder dele na teoria, mas tenho dificuldade com eles na prática. Alguma dica?
Antes de qualquer coisa, parabenize-se por admitir que você acha os “5 Porquês” difíceis. Tenho caminhado pelo gemba de duas a três vezes por semana há tanto tempo que tento lembrar, mas não consigo pensar em mais de doze exemplos de verdadeiras análises perspicazes dos “5 porquês”. Claramente, lembro-me do último caso, há poucos meses, em uma empresa que produz equipamentos industriais. A equipe de produção estava tentando entender um problema recorrente de qualidade e, finalmente, chegou à conclusão de que dois elementos principais do produto não estavam interagindo como esperado. Um membro do departamento de engenharia era parte do grupo de solução de problemas e ele aceitou dividir os problemas com seus colegas, o que finalmente revelou que uma opinião comum a todos os engenheiros era falsa: eles tinham um equivocado modelo mental sobre como seu produto funcionava. Consequentemente, eles fizeram experimentos até resolverem o problema desse produto específico e estão em processo de verificação dos outros. Como você pode imaginar, muitos planetas têm que se alinhar para esse tipo de problema ser resolvido. Em primeiro lugar, a produção persistentemente continuou a buscar resolver um problema de qualidade do qual tinham previamente desistido; em segundo, a engenharia foi envolvida (tal trabalho em equipe nunca é uma dádiva, nem nesta empresa nem em nenhuma outra que eu conheço); terceiro, eles rigorosamente testaram fatores até os reduzirem a um que eles previamente pensaram que poderia não ter um impacto; finalmente, eles continuaram perguntando “por quê?” até que concluíram que seu pensamento sobre a interação física de componentes estava errado. Este foi um verdadeiro “momento lean” mágico, mas, por outro lado, isso não acontece frequentemente. Muitos exercícios dos “cinco porquês” que eu testemunhei, continuam sendo superficiais, acontecem em círculos ou terminam com uma mudança no processo sem ter primeiro entendido o problema (e assim investindo em uma solução e, depois, o problema volta a persistir).
Permita-nos aplicar o pensamento lean aos “cinco porquês”: qual é o método de avaliação apropriado para a análise dos “cinco porquês”? Lacunas (gaps) de desempenho no processo são uma indicação de que vocês está controlando o conjunto errado de parâmetros – se você sabe o que os parâmetros afetam no desempenho do processo, você soluciona o problema rapidamente, é uma questão de girar o botão de volta para o valor padrão. Em muitos casos, entretanto, a limitada capabilidade do processo deriva do fato que simplesmente não sabemos quais são os parâmetros propulsores. Uma análise bem-sucedida dos “cinco porquês” é o que o leva a descobrir o parâmetro de controle apropriado. No exemplo clássico de Ohno (retirado de seu livro sobre o Sistema Toyota de Produção):
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Por que a máquina parou? Aconteceu uma sobrecarga e o fusível estourou.
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Por que aconteceu uma sobrecarga? O rolamento não estava suficientemente lubrificado.
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Por que ele não estava suficientemente lubrificado? A bomba de lubrificação não estava bombeando suficientemente.
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Por que ela não estava bombeando suficientemente? A haste da bomba de lubrificação estava gasta e causando ruídos.
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Por que a haste estava gasta? Não havia um filtro e os restos de metais entravam na bomba.
Podemos vê-lo mudando da demanda da máquina para a lubrificação do rolamento, para a bomba, para o desgaste da haste, para a proteção da haste: a fim de resolver o problema, não mais controlamos a sobrecarga da máquina, mas a entrada de restos de metais na bomba. Este clássico exemplo também mostra por que os “cinco porquês” são tão complexos: na mesma situação qualquer um com menos conhecimento íntimo dos funcionamentos da máquina poderia ter respondido de forma diferente e guiado os “cinco porquês” a outra conclusão completamente diferente. A medida da avaliação de uma análise dos “cinco porquês” bem-sucedida é quando ela o leva a mudar sua mente sobre qual parâmetro propulsor controlar para garantir capabilidade do processo.
Isso, por sua vez, reflete exatamente o tipo de pensamento profundo que o “Sistema de Produção de Pensamento” deveria desenvolver. A maioria dos problemas técnicos tem múltiplas causas e impactos (qualquer coisa mais simples pode ser resolvida com um simples olhar). O estilo de solução de problemas da Toyota tem a ver com aprender a transformar um problema de múltiplas causas e impactos em um problema de causa-efeito um por um, identificando qual causa (de todos os fatores potenciais) é responsável pelo grande impacto (de todos os impactos potenciais). Desenvolver o conhecimento para substituir corretamente o modelo correto de causa-efeito a uma situação de múltiplas causas/ impactos é, em efeito, sabedoria – e requer horas de prática sobre a redução de problemas técnicos. Esse tipo de sabedoria permite que você comece a análise dos “cinco porqueês” no lugar certo. Se não, quem sabe onde isso acabará. A chave para um “cinco porquês” bem-sucedido” é um entendimento correto do estado atual. Sem reduzir, descrever específica do estado atual, perguntar várias vezes o “porquê” provavelmente você será levado... para lugar nenhum.
Muito trabalho difícil precisa ser feito antes de embarcar no primeiro “por quê?”:
fatores potenciais causando o problema têm que ser identificados e testados um a um:
Fatores |
Impacto |
Método de confirmação |
Confirmado (Sim/Não) |
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Como Art Smalley descreveu no artigo que escrevemos (O Sistema Pensamento de Produção), em sua primeira solução de problemas na fábrica de motores de Ohno que ele tinha para testar mais de dez fatores antes de chegar ao fato que a máquina estava produzindo defeitos porque o líquido de lubrificação estava contaminado por bactérias. Quando ele anunciou orgulhosamente suas descobertas ao supervisor (após um árduo trabalho para alcançá-las), o supervisor simplesmente perguntou: “por que o líquido está contaminado?”. Art tinha o fator correto para entender o estado atual. Agora ele tinha de encontrar a causa raiz.
Em minha experiência, é necessário ter uma maturidade certa para grupos de solução de problemas realmente se mantenham no curso e façam a busquem a causa de forma apropriada. Na maioria das empresas, o grupo apenas queria “consertar” o problema e encontrar a primeira forma que conseguisse para fazer o problema desaparecer. Os “cinco porquês” têm um objetivo completamente diferente: desenvolver especialidade técnica nas pessoas que conduzem a análise, encontrando a causa raiz correta. As empresas que conheço que estão chegando lá tendem a falar menos em termos de processos gerais e mais de especialidades técnicas. Elas perceberam:
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Quão lean é o seu processo é um reflexo da habilidade técnica das pessoas no processo: as pessoas mais habilidosas podem controlar um negócio e, por outro lado, tornar um processo lean sem a habilidade necessária apenas leva a um processo bem projetado com desempenho ruim.
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“Lean” não é uma coisa em si, mas um método para desenvolver especialidade elevada e trabalho em equipe (usando as palavras de Jeff Liker no “The Toyota Way to Lean Leadership”), o que, por sua vez leva a um julgamento melhor, processos mais lean e resultados sustentáveis.
Muitos gerentes que conheço ficam desconfortáveis com isso. Eles gostam da linha reta de consertar um processo: eles podem perguntar (mude isso) e enxergar um resultado direto (ou não, mais provavelmente). A mão pontilhada de treinar as pessoas e, então, enxergar a melhoria de resultados, apesar da experiência mostrar que isso é mais efetivo, é mais difícil para muitos gerentes: isso leva a um salto de fé na autonomia e atitude das pessoas que eles parecem relutar em aceitar. Porém, todos sabemos o valor econômico da confiança mútua.
Para responder a sua pergunta, é difícil ter um conselho específico em como você conduz seus “porquês” tão remotos do gemba do que refletir sobre suas expectativas do que a análise dos “cinco porquês” é e faz. Para praticar corretamente os “cinco porquês”, você deve primeiro dominar:
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Ter uma imagem mental clara de como os processos técnicos deveriam funcionar.
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Ser capaz de identificar corretamente o ponto de causa onde o processo técnico se comporta mal.
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Listar os fatores potenciais da variação e testá-los um a um até que você possa confirmar a principal relação entre causa e efeito.
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E depois perguntar por quê.
Os “cinco porquês” não podem ser praticados em um nível genérico – é uma prática para desenvolver conhecimento específico e não tem sentido se separada do processo técnico real no qual está sendo aplicado. Quanto maior a especialidade, mais relevante são os “cinco porquês”; quanto menor a especialidade, mais duvidosos são os “cinco porquês”. Não estou dizendo que você não deveria praticar os “cinco porquês” em cada oportunidade, é uma grande forma de colocar as pessoas para pensar além do trabalho imediato ao redor, mas que você deveria aceitar que o resultado do exercício está bem conectado à profundidade do entendimento técnico das pessoas encarregadas. Em efeito, o primeiro passo para conduzir uma análise dos “cinco porquês” é avaliar o nível de especialidade das pessoas no grupo e, se necessário, convidando mais pessoas especializadas para guiar a discussão.
Como qualquer ferramenta lean, os “cinco porquês” são uma prática e não podem ser ensinados de outra forma a não ser praticando repetidamente. Leva aproximadamente 10.000 horas para se dominar qualquer habilidade, então, não se deixe desencorajar e continue praticando em qualquer oportunidade, mas tente manter o ideal em mente – melhor entendimento das relações entre causa e efeito nos processos técnicos – a fim de alcançar o valor total de cada “por que” que você pergunta.
Traduzido por Tamiris Masetto Manzano.