Um dos elementos centrais do estilo de liderança necessário para executivos que atuam em
empresas que procuram adotar o Sistema Lean – filosofia de gestão inspirada no Sistema Toyota,
adotado hoje por empresas de todos os setores e em todo mundo – é a prática do "genchi genbutsu".
Trata-as de uma expressão japonesa que quer dizer "vá ver no local onde as coisas acontecem" e
que significa a prática do líder ir periodicamente ver como estão ocorrendo "as coisas" lá mesmo,
no local onde tudo é feito, onde se agrega realmente valor aos produtos e aos serviços, em resumo,
no local onde as coisas acontecem.
Isso quer dizer que, na prática, quanto mais longe você estiver do local onde a coisa realmente acontece, mais
facilmente enganado você será, pois, "observadas dos escritórios e das salas de reunião", inevitavelmente, as
coisas sempre parecerão melhores do que realmente são – principalmente em empresas que preferem estimular
aquela cultura do "dar boas noticias sempre" em vez da mentalidade necessária e típica do Sistema Lean, que é
"procurar e trazer problemas sempre", com o intuito de resolvê-los, claro.
Mas se engana quem pensa que o "vá ver" é apenas e tão somente uma forma "lean" de se encontrar e de se
resolver problemas. Ele é muito mais do que isso. O "vá ver" detém outra "força produtiva" que é pouca enfatizada
e percebida pelos líderes das empresas: o poder de conseguir "melhorar o ser humano".
É que só o fato de um dirigente da empresa estar presente no local onde as coisas acontecem já
gera um efeito muito sutil, pouco visível e perceptível, que é o de aumentar a auto-estima das
pessoas. Isso faz com que elas se sintam mais importantes e valorizadas, o quê, por sua vez, tem
um impacto benéfico importante sobre o desempenho delas no processo produtivo.
Muito conhecido e popularizado em manuais básicos de administração, feito há quase um século,
um dos mais impactantes e excitantes experimentos realizados em administração e psicologia do
trabalho traz lições importantes para nós sobre a relevância e o sentido do "vá ver".
Trata-se da "Experiência de Hawthorne", realizada em fins da década de 30, em uma fábrica de
relês de telefone da Western Eletric Company, no bairro de Hawthorne, em Chicago, nos EUA,
realizada pelo psicólogo australiano Elton Mayo.
A experiência pretendeu determinar a relação entre a intensidade da iluminação e a eficiência dos
operadores, medida pelo volume de produção, fadiga, acidentes no trabalho, rotatividade etc.
A experiência inicial supunha que aumentando a luminosidade em um local de montagem, a
produtividade também aumentaria.
Foram escolhidos então dois grupos que faziam o mesmo trabalho. Um grupo, que estava sendo
explicitamente observado pela empresa, trabalhava sobre intensidade variável de luz – ora mais
clara, ora mais escura. Enquanto que o outro, que não estava sendo observado, tinha uma
intensidade constante de iluminação.
Imaginava-se, então, que o segundo grupo, com melhor iluminação, teria desempenho superior, o
que, paradoxalmente, não aconteceu.
Conclui-se então que a eficiência do primeiro grupo ocorreu pelo "simples" fato de estar sendo
observado. Ou seja, foi o "fator psicológico" de estar sendo motivo de atenção, de preocupação por
parte da empresa e dos pesquisadores, que incrementou a produtividade. E não a iluminação.
Outros experimentos similares provaram por anos a mesma coisa.
A conclusão disso tudo é que as pessoas são realmente motivadas pelo reconhecimento que têm
em suas participações nas atividades dos grupos sociais nos quais convivem.
Pois no Sistema Lean, o "vá ver" permite justamente esse contato direto entre as pessoas de
distintos níveis hierárquicos de uma empresa, para estimular as sugestões de melhorias "de baixo
para cima".
Tal conceito está ainda no best seller "In search of excellence", de Tom Peters e Robert Waterman,
que registraram a idéia de "managing by walking around", ou seja, "administrar dando uma volta".
Nele, os autores enfatizavam a importância de sair dos escritórios e se comunicar diretamente com
as pessoas, para assim estimular os relacionamentos informais, além de facilitar e intensificar a
comunicação.
Mas o "vá ver" sugerido na filosofia lean é muito mais amplo e profundo do que tudo isso.
Em primeiro lugar, esse conceito não pode ser utilizado com aquele intuito que algumas empresas
têm usado desde os anos 80: aquela idéia de "portas abertas", de simplesmente canalizar
reclamações não resolvidas nos níveis em que deveriam ser.
No Sistema Lean, "vá ver" significa saber quem está fazendo o quê e como isso está sendo feito. O
objetivo é entender claramente como a atividade ou o processo está funcionando naquele
momento. E como deveria funcionar. Qual o padrão esperado. E onde queremos estar em
determinado ponto do futuro.
Para isso, a primeira coisa a se fazer é definir qual é o seu "local onde as coisas acontecem". O
"gemba" de um diretor financeiro, por exemplo, pode estar na fábrica ou nos fornecedores. O de um
engenheiro de produtos pode estar, inclusive, na "casa" dos potenciais clientes. O de um comprador
pode estar nos fornecedores, mas também no escritório dos compradores.
Um dos objetivos principais do "vá ver" – quando apoiado por uma sólida gestão visual – é verificar
a "aderência" dos colaboradores aos processos padronizados.
Para isso, durante o "vá ver", é preciso sempre fazer perguntas objetivas e instigantes, que
estimulem a busca de dados e fatos relevantes, tais como: quantas vezes e quando o problema
ocorreu; quais são as condições em que o problema ocorre etc. E não "simplesmente" dar ordens.
A partir daí, a liderança deve ser capaz de ajudar a identificar e a resolver problemas, em conjunto
com as pessoas envolvidas. E, assim, realizar uma das tarefas mais importantes: a de desenvolver
pessoas com iniciativa para resolver problemas.
Por tudo isso, o "vá ver" tem um componente essencial de respeito às pessoas e de valorização do
ser humano – de forma concreta e objetiva. Ele focaliza a atenção na maneira como a pessoa
executa o trabalho e ajuda-a a fazer cada vez melhor, sempre.
José Roberto Ferro é Presidente do Lean Institute Brasil, entidade sem fins lucrativos criada para
disseminar no Brasil o Sistema Lean inspirado no Modelo Toyota; é "Senior Advisor" do Lean
Enterprise Institute, dos EUA, e membro do Board da Lean Global Network (LGN).