Ao adotar conceitos do Sistema Lean na logística, como Sistema Puxado, Milk Run e Rotas de Abastecimento, entre outros, grandes empresas que atuam no Brasil e no mundo – como Bosch, Volks, Schulz e Stihl – estão ganhando mais espaço para produção em suas plantas, aumentando, a eficiência, a produtividade, além de diminuírem custos, estoques e paradas nas linhas.
Elas estão ficando muito mais eficientes ao aplicar, tanto na logística interna como na externa, os conceitos dessa filosofia de produção inspirada no modelo Toyota que também gera resultados fantásticos para esse setor tão estratégico dos negócios: a logística.
Com isso, estão descobrindo que “ser lean” na logística pode se tornar um diferencial competitivo neste mercado globalizado, principalmente na atual fase brasileira, em que o crescimento econômico acelerado dos últimos meses vem expondo cada vez mais as carências crônicas da nossa infra-estrutura nacional –atingindoos negócios das empresas.
A Bosch de Campinas, por exemplo, já conseguiu uma série de resultados positivos e concretos ao implementar o Lean na logística interna de produção – modelo que foi detalhado em agosto, em São Paulo (SP), no Lean Summit 2010, por Narciso D. Fontana, Engenheiro de Logística e Coordenador de Projetos da Robert Bosch, na palestra “Aumentando a produtividade e a eficiência do sistema de abastecimento”.
Entre os principais resultados, está a diminuição de materiais nas linhas de montagem e no almoxarifado de aproximadamente 2 dias para cerca de 2 horas. Além disso, a empresa conseguiu diminuir paradas nas linhas por falta de material de aproximadamente 2 vezes por dia para “casos isolados”.
É que a Bosch criou um sistema de mensuração da eficiência das rotas de abastecimento, que estava em 60%, mas cujo indicador já atingiu o patamar dos 98%, com ganho significativo de benefícios, tanto para a logística como para a produção.
No abastecimento à fábrica, por exemplo, a empresa estabeleceu o sistema “On Time Delivery (OTD)”, que significa “a peça certa”, no “lugar certo”, na “qualidade certa”, “no tempo certo”.
Além disso, a Bosch implementou na logística uma das bases do Sistema Lean: o Trabalho Padronizado. A empresa acredita que, com isso, permite tornar visíveis dificuldades e problemas, para então maximizar melhoria continua.
Nesse contexto, a empresa prepara os ciclos de abastecimento seguindo a ferramenta Lean denominada “Milk Run” – método que acelera o fluxo de materiais, no qual os veículos seguem uma rota para fazer múltiplas cargas e entregas em muitas unidades diferentes. Isso permite aos operadores/almoxarifes uma rápida configuração para abastecimento, para então abastecer os operadores nas linhas de produção.
A Bosch também aplicou na logística algumas das principais ferramentas Lean. Por exemplo, o Mapeamento do Fluxo de Valor, um diagrama que permite detalhar todas as etapas envolvidas nos fluxos de material e informação necessárias para tornar a operação eficiente de ponta a ponta; o A3, prática pioneira da Toyota, na qual problemas, análises, ações corretivas e planos de ação são escritos em uma única folha de papel (tamanho A3), normalmente utilizando gráficos e figuras; além da folha de Solução de Problemas (FSP) e o PDCA, sigla dos termos Plan, Do, Check e Act, que significa efetuar um ciclo de melhorias baseado no método científico de se propor uma mudança em um processo, implementar essa mudança, analisar os resultados e tomar as providências cabíveis. O objetivo de tudo isso é promover a identificação e eliminação de desperdícios na cadeia logística. A idéia foi tornar visíveis os problemas ocultos, para então eliminar as causas raízes.
Narciso D. Fontana, Engenheiro de Logística e Coordenador de Projetos da Bosch, explicou que a empresa estabeleceu uma “visão logística” para 2012, que é “ter uma Logística Lean no Fluxo Logístico desde os clientes até os fornecedores, assegurando: 1- Sistema puxado e nivelado em toda cadeia logística; 2- Volume reduzido de componentes no fluxo logístico através de entregas freqüentes e padronizadas; e 3- Processos simples e robustos”.
Logística externa:
A Bosch também conseguiu uma série de resultados concretos positivos ao implementar o Sistema Lean na logística externa – segundo detalhou também em agosto, em São Paulo, no Lean Summit 2010, Valdir Trevizanutto, Engenheiro de Logística e Coordenador de Projetos da Roberto Bosch, na palestra “Aumentando a produtividade inbound e outbound”.
Nesse contexto, a empresa adotou, por exemplo, dois sistemas fundamentais do Sistema Lean: O “Sistema Puxado”, com o qual conseguiu reduzir o estoque em 30%, e o “Milk Run”, que garantiu uma redução de gastos com fretes de 43%.
O Sistema Puxado ocorre quando a entrega do fornecedor é totalmente adaptada às necessidades do cliente; e o “Milk Run”, como já foi dito, típico sistema de logística Lean, é aquele em que o cliente é que retira o material no fornecedor, diferente da logística tradicional, na qual são os fornecedores que, individualmente, entregam seus produtos.
No Sistema Lean do Milk Run a logística se torna um processo planejado nos mínimos detalhes, para funcionar feito um relógio suíço. Na Bosch, por exemplo, explicou Valdir Trevizanutto, o “Milk Run” tem as seguintes características: horários de coletas e entrega fixos, frequências de coleta fixas e quantidade acordada de peças previamente definida entre as partes. E apenas um veículo por rota é utilizado para fazer a coleta nos fornecedores.
Volks:
A fábrica da Volkswagen de Taubaté (SP) também já conseguiu uma série de resultados positivos ao implementar o Sistema Lean na logística interna, segundo também relatou, em agosto, em São Paulo, no Lean Summit 2010, Frank Sowade, Diretor de Fábrica da Volkswagen, e Elielson Marostiga, Superintendente Executivo da Engª Indústria & Onda PMP da Volks, na palestra “Abastecendo em kits para aumentar a produtividade”.
Segundo ambos, com a logística Lean, a empresa obteve uma série de benefícios. Por exemplo, aumentou a produtividade em 9,8%, a produção de veículos por empregado em 7,2% e o volume de produção em 5,5%.
Tanto verdade que a fábrica da Volks de Taubaté é reconhecida hoje como exemplo de aplicação dos conceitos Lean dentro da montadora, cujo “sucesso Lean” teve como fator fundamental a aplicação desses conceitos na logística de abastecimento interno. Só para se ter uma idéia, hoje, as peças vão até o ponto de uso dentro da Volks em kits prontos para serem usados, evitando o acúmulo na área de montagem.
Schulz:
Também a Schulz já conseguiu uma série de resultados positivos ao implementar o Sistema Lean na logística, detalhou Bruno Luis Salmeron, Diretor de Operações, e Anderson Tomasi, Especialista em Lean Manufacturing, ambos da Schulz - Divisão Automotiva, em agosto, em São Paulo, no Lean Summit 2010, na palestra “O sistema de abastecimento interno autônomo”.
Segundo eles, ao implementar rotas de abastecimento e sinais de puxada entre o almoxarifado e a usinagem, a empresa obteve uma série de ganhos: disponibilização de área física, eliminação tanto de estoque desnecessário dentro da planta como de paradas na produção, garantias no abastecimento, além de mais segurança e ergonomia. E não só: conseguiram estabelecer padronização nos horários, garantias na utilização do kanban e corredores desobstruídos.
A empresa implementou “Rotas de Abastecimento” na logística interna, visando melhorar o atendimento no abastecimento de peças brutas para usinagem automotiva.
O sistema “antigo e tradicional” era feito com movimentação de peças por empilhadeiras, o que, segundo a empresa, necessitava grande espaço para matéria-prima nas células (com baixo giro), gerando atraso nas entregas e falta de padrões.
Mas com a implementação da movimentação de peças por rotas de abastecimento, houve redução do espaço reduzido para matéria-prima nas células (proporcionando alto giro), além da eliminação do atraso nas entregas e padronização no atendimento as células.
Stihl:
E a Stihl também conseguiu uma série de resultados positivos ao implementar o Sistema Lean na logística, detalhou ainda Leonardo Pierozan, Gerente de Supply Chain da Stihl Ferramentas Motorizadas, em agosto, em São Paulo, no Lean Summit 2010, na palestra “Gestão integrada da cadeia de suprimentos”.
Com uma logística tipicamente Lean, a empresa aumentou em 25% o giro dos estoques, diminuiu em 71% as paradas de linhas por falta de materiais e reduziu em 17% o custo logístico total.
A empresa conseguiu isso ao expandir a aplicação da filosofia lean para a logística de recebimento, através do sistema puxado e de rotas compartilhadas com fornecedores locais.
No nível de planejamento, a empresa criou uma sistemática com base no Tempo Takt, tempo disponível para a produção dividido pela demanda do cliente, definido no processo de S&OP (Planejamento de Vendas e Operações), que se tornou o norteador para o planejamento dos 3Ms: Máquina, Mão de Obra e Materiais.
Lean na logística: para “driblar” carências na infra-estrutura:
Iniciativas como essas – de Bosch, Volks, Schulz, Stihl e de tantas outras empresas que estão descobrindo as vantagens de se aplicar o Sistema Lean também na logística – podem se tornar um diferencial competitivo, por exemplo, frente aos já amplamente conhecidos problemas de logística do nosso país, gerados pelas debilidades das rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, malhas viárias urbanas etc. e que causam congestionamentos em cidades, estradas, portos e aeroportos. Há também uma burocracia excessiva com a exigência de documentações desnecessárias. E nossos fretes para exportação e importação são muito mais caros que os padrões internacionais.
Essas ineficiências do país, já sabemos, causam altos custos, além de baixa produtividade e perdas de competitividade para a sociedade e para as empresas. E podem dificultar a continuidade das altas taxas de crescimento. A solução tradicional seria aumentar os níveis de investimento. Evidente! Mas isso é caro e demorado também. E as empresas não podem esperar.
Porém, podemos ir além da obviedade e pensar diferente. Ou seja, pensar “lean” na logística, como grandes empresas já estão fazendo. Se olharmos para esses problemas sob uma nova ótica, podemos vislumbrar soluções mais simples e eficientes, de resultados quase imediatos.
Nota-se ainda uma quantidade enorme de materiais aguardando para serem carregados em navios ou aviões que, por suas vezes, também ficam mais tempo parados do que precisariam ficar.
E, com freqüência, também se nota, de um lado, clientes esperando a chegada de produtos atrasados e, de outro, fornecedores que se apressam e se esforçam para entregar aindacom atrasos – muitas vezes tendo de investir recursos extras para recuperar ou evitar contratempos.
Em resumo, se de um lado há carências evidentes na infra-estrutura do país, de outro, a infra-estrutura que existe é mal utilizada por companhias que insistem em utilizar aquele sistema tradicional de logística, pouco eficiente e caro.
Em outras palavras, é perfeitamente possível otimizar a nossa carente infra-estrutura existente sem nenhum investimento, mas com uma “simples” mudança no modo de pensar e de fazer a logística.
Entenda a mentalidade Lean aplicada na logística:
Mas como fazer? Antes de mais nada, é vital promover uma mudança de mentalidade: a premissa básica é reconhecer que as atividades de movimentação, transporte e espera de produtos são sempre “desperdícios”. Ou seja, não agregam valor concreto ao produto oferecido. E, por isso, precisam ser evitadas, eliminadas ou reduzidas ao máximo.
Para se fazer isso, o Sistema Lean já desenvolveu uma série de práticas e ferramentas testadas e aprovadas em diferentes ambientes de negócios.
Por exemplo, o conceito de “entregas freqüentes”, feitas sempre em “pequenos lotes”, de acordo com as necessidades exatas e imediatas dos clientes, através de veículos de “tamanho certo”. E programadas para ocorrer sempre direto no ponto de uso do produto, sem intermediários. Dessa forma, “sistemas puxados” substituem “sistemas empurrados”.
Além disso, a logística lean precisa ter operações estáveis e padronizadas. E seguir o mais próximo possível o ritmo da demanda real.
E, ainda, a logística lean também deve funcionar sob um sistema que estimule a exposição e resolução de problemas, para que se faça, cotidianamente, “kaizen” (melhorias) em todos os processos e atividades.
Apenas com isso, há uma série de ganhos. Por exemplo, na diminuição de estoques das empresas, eliminando-se assim boa parte dos custos embutidos na armazenagem e na movimentação de materiais. Ou na eliminação de “intermediários”, que muitas vezes só agregam custos e poucos valores reais no processo. Dessa forma, almoxarifados custosos desaparecem ou se transformam em “cross-docks”, locais de armazenamento rápido apenas utilizados para a transferência de produtos.
Então, quais são os resultados concretos freqüentemente encontrados? Há uma redução significativa dos custos totais de logística, de 20% a 40%, além de reduções de estoques, melhorias nos níveis de entrega, liberação de capacidade logística (caminhões, empilhadeiras, espaço físico etc.), entre outros benefícios.
Tudo isso seguindo sempre a mentalidade típica do Sistema Lean: que prega a simplificação contínua dos processos e dos fluxos, deixando-se de lado o típico pensamento tradicional da “gestão da complexidade”, em que sistemas de informação cada vez mais complexos só servem para esconder falhas e carências.
Em resumo, o sistema de logística lean precisa ser como um rio que flui suavemente.
A logística lean é mais eficaz mesmo quando a logística nas empresas é terceirizada. Deve-se buscar gerar estímulos para que o “parceiro logístico” adote o sistema. Claro que, nesse caso, uma das maiores dificuldades é convencer esses terceiros sobre a eficiência das novas práticas, que pode parecer, em princípio, como uma ameaça aos negócios, pois “quanto menores os custos de logística, menor o faturamento do operador logístico”.
Mas deve-se buscar convencer o parceiro, mostrando que a logística lean pode não só melhor a eficiência dos processos como também diminuir os custos de ambos os lados.
Com isso, ganham as empresas e seus clientes, que passam a ter menores custos, mais competitividade e mais qualidade. Mas ganha também a sociedade como um todo, que passa a aproveitar melhor a debilitada infra-estrutura logística atual. Como vem acontecendo, comprovadamente, por exemplo, com os cases de Bosch, Volks, Schulz e Stihl.
*José Roberto Ferro é Presidente do Lean Institute Brasil (www.lean.org.br), entidade sem fins lucrativos criada para disseminar no Brasil o Sistema Lean, inspirado no Modelo Toyota e é "Senior Advisor" do Lean Enterprise Institute - EUA.
PS – Haverá uma nova oportunidade para discutir cases com as empresas e seus especialistas dia 22 de março. O lean Institute promoverá o Seminário de Logística lean em que profissionais e nossos especialistas apresentarão o estado da arte da Logística Lean aplicada em cases de sucesso. O evento acontecerá na BOSCH, em Campinas. Informações e inscrições em nosso site.