Uma das coisas mais tristes que pode ocorrer com uma empresa é ela ter que fechar uma de suas unidades ou, pior ainda, encerrar suas atividades num país.
Companhias, sabemos, são pensadas idealmente para prosperar. Tem como função social produzir riqueza, gerar empregos, provocar inovações, disseminar tecnologias… Enfim, desenvolver a sociedade.
Porém, no mundo real, organizações importantes por vezes precisam encerrar algumas atividades, por diversos fatores, como mudanças de mercados, baixa competitividade etc. Isso, é claro, gera diversos impactos negativos, para funcionários, fornecedores e a comunidade da região, impactando sua imagem e negócio.
A questão, então, é “como” fazer isso. Se é inevitável fechar uma grande unidade, podemos pensar em formas mais adequadas de se fazer isso.
O recente anúncio de fechamento das fábricas da Ford em Camaçari, na Bahia, e em Taubaté, no interior de São Paulo, gerou polêmicas e repercussões negativas. Isso nos faz pensar se há também uma “maneira lean” para se fechar uma empresa.
A história da Toyota mostra uma série de momentos em que a montadora se viu obrigada a fechar fábricas. Em todos os casos, percebeu-se uma diferença de postura, de atitudes e de ações que tornaram esse tipo de situação menos problemática do que geralmente ocorre com outras empresas.
Por exemplo, mais recentemente, quando a Toyota se viu obrigada, por uma série de contextos econômicos, a fechar sua então fábrica de Altona, nos arredores de Melbourne, na Austrália.
Na ocasião, o próprio presidente da montadora, Akio Toyoda, explicou a decisão de fechar a fábrica para 2.500 trabalhadores.
A empresa, então, fez uma série de ações para demonstrar gratidão e “cuidar” dos trabalhadores até que a fábrica fosse fechada.
Por exemplo, ajudou os funcionários a se recolocarem no mercado.
Envolveu seus familiares, convidando-os para conhecerem a fábrica, estimulando os trabalhadores a zelarem por ela para que pudessem mostrar com orgulho o local em que trabalhavam.
Também pensou na comunidade. Para que todo o investimento que fez na cidade não ficasse perdido, a empresa planejou o fechamento para que, no local, permanecesse um legado relevante: a antiga fábrica se tornou uma pista de treinamento para motoristas e uma instalação para transmitir o sistema Toyota para companhias locais.
Na trajetória da Toyota, há uma série de outros exemplos similares. Em diversos momentos de sua história, a montadora se esforçou para proteger os empregos dos funcionários, evitando demissões. Quando elas foram inevitáveis, fez isso de uma forma diferente. Tanto que, certa vez, uma agência de
rating já reduziu a nota de classificação de crédito da empresa pela ideia de “emprego vitalício” que ela cultiva.
Mesmo no Japão, em outro exemplo recente, a Toyota anunciou o fechamento da fábrica de Higashi-Fuji, em Susono, província de Shizuoka – local onde a montadora iniciou mais recentemente a construção de uma “cidade inteligente”, aos pés do Monte Fuji, que será uma espécie de campos de testes para novas tecnologias, como robótica e inteligência artificial. Contudo, na ocasião do fechamento da antiga fábrica, a empresa não anunciou demissões, mas, sim, a transferência dos 1.100 funcionários para suas unidades da região de Tohoku.
Um dos embriões dessa mentalidade ocorreu ainda na década de 40, no Japão, quando a Toyota passou por graves problemas financeiros e teve de demitir boa parte dos trabalhadores. O sindicato se mobilizou, e os funcionários ocuparam a fábrica.
Após muita negociação, ocorreu um acordo histórico. As demissões foram mantidas, mas o então presidente Kiichiro Toyoda assumiu toda a responsabilidade sobre a crise, renunciou ao cargo, e quem não foi demitido ganhou o compromisso de estabilidade e possibilidades de ganhos crescentes. Em contrapartida, precisariam ser flexíveis e trabalhar cotidianamente para fazer melhorias nos processos.
Isso levou a empresa a adotar medidas preventivas contra crises, para proteger os empregos.
Por exemplo, ter boas reservas financeiras para suportar períodos ruins. E planejar as contratações de forma cuidadosa para não correr o risco de contratar em épocas de vacas gordas, mas ter de demitir em momentos difíceis.
Na década de 90, por exemplo, a operação da Toyota na Tailândia suportou quatro anos de perdas sem demitir. Para enfrentar a recessão, a liderança da montadora exigiu cortes de custos, mas sem tocar nas pessoas.
Situação similar também ocorreu nos EUA, quando a Toyota assumiu a NUMMI (New United Motors Manufacturing, Inc), joint venture com a General Motors, em Fremont, na Califórnia.
Na época, Kiyoshi Furuta, responsável pelo departamento de recursos humanos, negociou com o sindicato norte-americano para que ele cooperasse com esforços para aumentar a produtividade. Em contrapartida, a empresa se comprometeria a, em caso de períodos de crises, primeiro cortar o salário da alta administração, antes de tudo; depois, diminuir as terceirizações; e só em último caso, reduzir os funcionários.
Esse tipo de postura – de fechar fábricas de forma diferente, de evitar demissões, de se esforçar para proteger os empregos – é uma das bases da mentalidade cultivada pela Toyota de ver as pessoas como seu principal patrimônio.
Afinal, são elas – as pessoas, e não as tecnologias ou quaisquer outros métodos – as protagonistas em encontrar e eliminar desperdícios, revelar e resolver problemas, fazer melhoria contínua dos processos, aumentar a agregação de valor…
Assim, se as pessoas não se sentirem valorizadas e protegidas, isso evidentemente pode impactar seus trabalhos, gerar receios, desestabilizar os aspectos emocionais e fazê-las até mesmo recuar em revelar problemas ou evitar as melhorias que precisam ser feitas.
Tudo isso também faz parte do chamado “respeito às pessoas”, que é uma das bases do sistema lean e que reúne uma série de conceitos e práticas sobre como se relacionar com as pessoas numa organização.
Pode e deve ser usado em todos os processos de gestão. Até mesmo quando for inevitável fechar uma empresa.