LOGÍSTICA E CADEIA DE SUPRIMENTOS

Sincronização do fluxo de materiais com a demanda: O caso de aplicação lean em uma empresa metalmecânica

Adionil Jose Fumagali Junior
Sincronização do fluxo de materiais com a demanda:  O caso de aplicação lean em uma empresa metalmecânica
Muitas vezes, alinhar a demanda com o abastecimento é um fator crucial de sucesso. Entretanto, planejar para conseguir atender a esse novo cenário pode ser complicado, exigindo muita estratégia e uma sequência organizada de atividades, mas a filosofia lean pode ajudar.

Fluxos de abastecimento frequentemente são movimentados pelos próprios operadores e beneficiados pela proximidade entre áreas de movimentações. Entretanto, dificilmente isso ocorre de forma organizada, com os diversos operadores dos diversos fluxos buscando os componentes ao longo de toda a fábrica. Sem um olhar crítico, isso parece apresentar pouco impacto na produtividade e na organização, mas a verdade é que resulta em um lead time mais alto e pior desempenho no atendimento das entregas para o cliente.

Esses problemas tornam-se complexos quando examinamos os detalhes. A falta de corredores para beneficiar a movimentação e de formas e modelos de transporte de materiais organizados e padronizados costumam ser os primeiros problemas a serem enxergados, além disso, outros problemas como perda de peças, dificuldade de encontrar e atender o planejamento com todos os componentes, atrasos no início da produção, problemas diversos com documentações e controles, problemas significativos de qualidade e de descarte de produtos devido à movimentação dos materiais, impacto na produtividade da operação e falta de clareza nos papéis, por exemplo, lentamente começam a chamar a atenção da liderança e, com a variação da produção podem impactar os resultados da empresa.

Nessa situação, é crucial entender e analisar o processo para resolver os problemas. Nesse sentido, existe grande valor em ter um método seguro e comprovado como a abordagem lean, que em primeiro momento, auxilia na criação de um plano estruturado para resolver e sanar todas as perdas; esse plano deixará mais evidente o que impacta de uma forma mais significativa os processos, que precisa ser resolvido rapidamente.

É como um caso que vimos recentemente em uma empresa do setor de bombas hidráulicas de médio porte que se encontrava em um momento em vias de triplicar o volume produtivo, de aproximadamente 30.0000 para 90.0000 produtos por ano; inicialmente, ela já enfrentava sérios problemas na armazenagem e movimentação de materiais.

O  problema imediato que precisava ser sanado era a organização dos materiais, que estava impactando em problemas significativos de qualidade e dificuldade no controle de inventário; eles encontraram a excelente solução de usar caixas tipo KLT, que apresentam diversos tamanhos e alturas, podendo, em função das dimensões, do tipo e da demanda (desdobrado para a fábrica através do conceito lean do takt time), definir a melhor embalagem com respectivas quantidade para cada um dos fluxos e produtos internos. Para dimensionar a quantidade dessas caixas, todos os produtos da empresa precisaram ser analisados para considerar os volumes de compra e a necessidade de caixas KLT com as respectivas variações dimensionais.

É importante também estabelecer formas de identificação e movimentação dos materiais; para os produtos que podem apresentar problemas de qualidade devido a colisão durante a movimentação e transporte, por exemplo, pode-se criar bandejas para separar os materiais e mitigar esses riscos de qualidade. O ganho só com essa mudança tem um enorme potencial ao padronizar a quantidade por embalagem e facilitar os controles de inventário; com isso, o volume para cada caixa é definido, reduz-se significativamente a divergências e melhora-se o controle de inventário nos processos produtivos, além de contribuir para mitigar as perdas de qualidade.

Quando os problemas mais graves são sanados, o novo desafio se torna expandir o planejamento de movimentação e controle de materiais de forma estruturada para toda a fábrica. Mas como fazer isso considerando diferentes famílias de produtos da empresa, que possuem volumes e tamanhos com variações significativas? O primeiro passo é definir um plano e etapas com o objetivo de fazer uma mudança estruturada e orientada à melhoria contínua, utilizando a abordagem lean para sincronizar os fluxos, e conectando os processos produtivos e logísticos. Nesse sentido, as principais etapas são:

 

 

1) Definição do leiaute macro do site

Nesta etapa, toda a liderança da empresa deve analisar as opções de leiaute, considerando os prós e contras de cada uma delas com os respectivos materiais e em função da variação do volume produtivo do site. Nestes modelos, devem ser considerados a melhor posição do processo de recebimento e expedição do site, os tamanhos e fluxos dos processos de entrada e saída dos materiais no recebimento e expedição, o processo de separação e envio do recebimento dos materiais para os processos produtivos com toda sua movimentação, a saída dos produtos processados das áreas produtivas, os corredores de movimentação do site e as áreas estratégicas de expansão para novos negócios.

Um ponto que impacta nesta análise é como fazer um leiaute que suporte as variações de demanda ao longo do tempo (por exemplo, no caso da empresa estar lidando com um aumento de volume ou com uma redução na demanda). O importante é conseguir sincronizar o fluxo de trabalho com a demanda. Com esse intuito, células modelos e modulares (cada uma projetada para obter a máxima produtividade com menores recursos e custos) podem ser replicadas, que contribui neste trabalho inicial. Também como exemplo, podemos destacar, no leiaute macro mostrado abaixo, a definição de uma área para potencial crescimento dos processos produtivos na área central do leiaute, permitindo potenciais expansões além das previstas inicialmente.

 

Figura 1: Visão macro superior do leiaute da empresa

 

2) Estudo das rotas de movimentação, takt time e tempos padrões de movimentação do operador e rebocador

Esta etapa busca analisar detalhadamente o fluxo do rebocador, sua velocidade, quantidade de operadores e equipamentos necessários, e entender o melhor uso deste recurso, da capacidade de movimentação, dos tempos de movimentação e da frequência de abastecimento. É importante destacar que o livro “Fazendo Fluir os Materiais”, de Harris et al (2004), apresenta informações de como pode ser realizada esta análise de uma forma mais simples com detalhes de cálculos neste processo, como cronometrar e fazer uma análise do processo com o takt time e entendendo os recursos necessários neste processo de mudança e aumento de volume.

Nesta fase também são calculados a velocidade do rebocador, a movimentação dos operadores e suas respectivas rotas e a frequência de abastecimento para os diferentes processos para reduzir a área de guarda de materiais nos processos produtivos, que são transferidos da área de recebimento; busca-se, assim, a máxima produtividade por metro quadrado nas áreas produtivas. Esta etapa do trabalho fornece uma série de informações para detalhar os leiautes de cada área.

Nos processos com maior demanda, os fluxos devem ser abastecidos em um intervalo de tempo menor, enquanto nos de menor demanda, podem ser abastecidos em um intervalo maior, impactando na área com materiais nas áreas produtivas. Aumentar a frequência de abastecimento com racionalização das rotas internas é uma primeira abordagem lean para dar conta da variação de volume, antes que se pense em investimentos de equipamentos.

Pode-se observar, na figura abaixo, uma folha com o tempo de trabalho padrão do operador, na qual pode ser visto um exemplo de aplicação para a separação de materiais na logística. Este formulário contempla, em cada linha, o trabalho realizado pelo operador: a cronometragem de todos os tempos de movimentação do abastecimento do operador, da entrega e da coleta de embalagens em cada ponto de entrega na produção. Os tempos deste formulário contemplam o tempo completo desde a saída do rebocador do processo de recebimento, passando por todos os pontos de abastecimento na produção e retornando ao seu local de origem.

 

Trabalho Padronizado da separação

Figura 2: Exemplo de trabalho padronizado da separação

 

3) Pontos de entrega de materiais, implementação da caixa padronizada e do cartão de identificação

Após o trabalho anterior, começa-se a refinar os pontos de entrada e saída de materiais, a identificação dos componentes por caixa e a padronização de um cartão de identificação entre todos os processos, facilitando as diferentes etapas envolvidas. No início, este processo de separação dos materiais pode até ser realizado manualmente, mas ao longo do tempo, pequenas automações e controles nos processos podem ser implementados para economizar tempo e evitar falhas de digitação, possibilitando maior controle deste processo e rastreamento de cada produto.

Abaixo, podemos ver uma relação de materiais revisada, com a definição do ponto de abastecimento, local de origem e destino, o tipo (se é entrada ou saída do material), descrição do tipo de material, meio de transporte, forma de comando para iniciar este disparo e quantidade de locais de abastecimento. Esta atividade tem como objetivo a menor utilização de área e o menor volume de material possível nos processos produtivos – além de realizar a entrega dos materiais o mais próximo possível do ponto de consumo, maximizando a produtividade da operação.

 

Relação de materiais

Tabela 1: Relação de materiais por ponto de abastecimento

 

4) Sistema de controle de horário e resolução de desvios

Esta etapa foca em observar se há parada na linha devido à falta de componentes, incentivando um processo de investigação para analisar os desvios. Para isso, algumas estratégias são muito úteis, como a padronização dos tempos e controles nos processos e a definição do ponto exato de parada dos rebocadores nos processos produtivos; assim, fica mais fácil reduzir a variação do tempo gasto pelo operador ao andar pela operação.

Milk Run - Ponto de parada

Figura 3: Gestão visual do ponto de parada da rota de abastecimento de materiais

Também vale revisar a velocidade do rebocador e definir uma velocidade máxima e segura para evitar variação no deslocamento entre pontos de abastecimento, reduzir riscos de segurança para os operadores e de qualidade para os materiais movimentados. Com isso, pode-se definir o momento exato de coleta e entrega dos materiais em cada ponto. Em caso de desvios ou atrasos (que pode ser visualizada no disco do exemplo da Rota 1 na figura abaixo), ou seja, caso o horário do abastecimento na linha esteja fora deste intervalo, é definido um responsável para sanar este problema de entrega fora do horário tolerado e um meio de contato com o responsável para analisar e realizar ajustes ou tratar desvios para a rota atuar dentro da tolerância permitida. 

A Figura 3 demonstra um exemplo deste controle realizado. Todos os tempos e desvios foram estimados em um caso real, em função do tempo histórico da passagem em cada ponto; com isso, no caso que serviu de inspiração para este exemplo, tinha-se uma boa referência para entender a variação dos tempos históricos e ter um processo de tomada de decisão rapidamente em caso de atraso ou variação, e possibilitando a redução do nível de inventário na produção.

Com controle, cria-se uma boa referência para entender a variação dos tempos históricos e ter um processo de tomada de decisão rapidamente

 

5) Metodologia de cadeia de ajuda para resolução de problemas, reforço dos processos de padronização e gráfico de acompanhamento semanal

As informações anteriores devem sempre ser aprimoradas para buscar a melhoria contínua dos processos, realizando um processo de padronização, já que se considera a existência de um padrão a base para qualquer processo de melhoria.

Figura 4: Papel do padrão na melhoria contínua e relação do grau de melhoria ao longo do tempo

Conforme demonstrado no Gráfico 1, caso o processo não tenha um padrão ao longo do tempo, teremos o grau de melhoria demonstrado pela linha cor preta. Com a padronização, teremos a linha cor vermelha, apresentando, assim, uma mudança significativa entre ambos os modelos e um impacto expressivo no grau de melhoria devido a existência do padrão.

As informações devem sempre ser aprimoradas para buscar a melhoria contínua dos processos

Gráfico 1: Comparativo do grau de melhoria com e sem a existência de um padrão

Para garantir que o processo esteja padronizado, as perguntas abaixo precisam ser respondidas positivamente, o que assegura a evolução e melhoria demonstrada no gráfico anterior.

Tabela 2: Etapas para garantir a existência de um padrão

Veja abaixo um exemplo de tabela das definições dos padrões para acompanhar e melhorar os processos de abastecimento de materiais para os processos produtivos, que foi consolidado contemplando os horários do intervalo de entrega por dia, em cada turno; com isso, é possível acompanhar este processo em uma única folha semanalmente. Na parte inferior, é possível consolidar essa informação através de um único indicador semanalmente.

 

Tabela 3: Acompanhamento de abastecimento de material

 

Aderência dos horários das rotas

Gráfico 2: Aderência aos horários da Rota

E, com base na tabela anterior, essa informação é consolidada através de indicadores e acompanhamentos, demonstrados visualmente no Gráfico 2 quanto à aderência aos horários da rota.

Conforme demonstrado no Gráfico 1, caso o processo não tenha um padrão ao longo do tempo, teremos o grau de melhoria demonstrado pela linha cor preta. Conforme demonstrado no Gráfico 1, caso o processo não tenha um padrão ao longo do tempo, teremos o grau de melhoria demonstrado pela linha cor preta.

Com isso, aprimora-se muito o processo de gerenciamento e torna-se possível detectar novas oportunidades, além de conectar todo esse sistema ao processo de abastecimento do fornecedor e ao tempo interno de aprovações de qualidade.

 

6) Conexão do processo de abastecimento interno com o processo de planejamento e atividades de apoio internas

A última etapa busca inserir quadros no processo e a separação de materiais quando ocorre a solicitação em processo de aprovação ou separação (ou caso o material ainda não tivesse chegado à empresa); o cartão do material pendente pode ser colocado em um quadro de gestão de desvios. Assim, inicia-se o plano de escalonamento ou cadeia de ajuda, que aciona as pessoas para trabalhar na análise e na reposição do material, mudando a sequência de produção, se necessário, para evitar a parada dos operadores das linhas produtivas.

Recomenda-se realizar também reuniões diárias com a liderança para avaliar os desvios e realizar a tomada de decisão para melhorar o abastecimento; ainda, se necessário, recomenda-se revisar os processos e procedimentos para melhorar a performance e os resultados globais da empresa. Isso também contribui para começar a trabalhar na estabilidade de fornecimento de materiais. Também com base nessas informações e desvios, pode-se começar a tratar os pequenos desvios para evitar falta ou excesso de materiais nas respectivas áreas. Para cada produto pendente, um plano de ação deve ser definido para reposição do componente, com acompanhamento dos responsáveis e datas de conclusão da ação.

Com a evolução da tecnologia, algumas empresas adotaram AGVs, veículos guiados autonomamente, para movimentar materiais entre processos, e essa pode ser uma próxima melhoria a ser tomada se houver necessidade e viabilidade econômica para a implementação, e a partir do momento que a estabilidade básica tenha sido alcançada.

Com essas mudanças aqui expostas, várias empresas já perceberam melhoras significativas de produtividade nas áreas de manufatura e logística, pois o operador da produção não mais se envolve com a busca de materiais e sempre tem todos os componentes necessários para produzir, impactando no melhor controle de inventário em toda a fábrica e na redução dos respectivos desvios. Com essas melhorias realizadas e seu nível de conexão, padronização e robustez, esse processo se tornou referência no Brasil e globalmente. Essas melhorias realizadas fizeram parte de um projeto maior, que pode ser encontrado de forma abrangente, com todos os detalhes e as atividades realizadas na tese “Sistematização de modelo de implementação da Produção Enxuta”, escrita por Fumagali (2012).

Concluindo, a abordagem lean para os negócios possibilita uma sincronização entre abastecimento, a operação e a demanda, de forma a aumentar a produtividade com ativação de abastecimentos mais frequentes e padronizados e auxilia realizar essa mudança de uma forma gradativa, obtendo a melhor produtividade dos processos envolvidos ao longo desse processo de sincronização e aumento de volume. Este trabalho apresentou de forma prática todas essas etapas para realizar essa mudança de forma estruturada e obtendo o melhor resultado para a empresa. E na sua empresa, você também teve um ambiente com oportunidade para sincronizar o processo logístico com a demanda do cliente? E como abordou essa lacuna e melhorou seus processos internos?

Referências:

“Fazendo fluir os materiais”, Rick Harris, Chris Harris e Earl Wilson, Lean Enterprise Institute, 2004.

“Sistematização de modelo de implementação da produção enxuta baseado no DMAIC”, Adionil Jose Fumagali Junior, 2012, Tese de Doutorado, Unicamp.

Publicado em 17/11/2020

Autor

Adionil Jose Fumagali Junior
Doutor e mestre pela Unicamp em Engenharia Mecânica e tem atuado nos últimos 20 anos em organizações com aplicação lean em processos logísticos.

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