O que sua empresa precisa fazer neste ano de continuada recessão que pode ter o
maior impacto possível sobre os resultados para permitir navegar nessa tempestade
– que não se tem ideia ainda da duração – e sair da crise em condições mais sólidas?
O longo período de recessão que estamos vivendo tem tido um impacto muito intenso
no desempenho da ampla maioria das empresas no país. A redução das vendas, a queda
nos lucros e o aumento da ociosidade devem ter levado a empresa a buscar um intenso
esforço de redução de custos ao longo do ano que passou.
Se sua empresa estiver na jornada lean há algum tempo, é até possível que esteja
fazendo esforços permanentes de redução de custos e eliminação de desperdícios como
parte do dia a dia da gestão e das práticas da empresa, não apenas tendo em vista
esse momento difícil.
É possível também que os esforços adicionais de redução de custos do tipo “apagar
as luzes”, “fechar as torneiras” ou mesmo “ajustes de pessoal” já tenham sido feitos.
Então o que resta fazer? Como continuar “enxugando” a empresa, eliminando gorduras
sem perder músculos? Qual é a prioridade em 2016 para enfrentar esse momento extraordinariamente
desafiador?
Há várias alternativas, evidentemente. Mas gostaríamos de sugerir dois focos de
preocupação lean para este ano: desenvolvimento de produtos e área comercial.
Muitas empresas focalizaram seus esforços de melhoria a partir dos conceitos lean
na manufatura. Porém, há um espaço enorme nessas outras áreas do negócio que, neste
momento, deveria concentrar um esforço maior. Por que se preocupar tanto assim com
essas duas áreas? Vejamos algumas razões.
Em períodos de crescimento, como os que vivemos nos anos anteriores, há uma tendência
das empresas de ampliarem o seu portfólio de produtos a fim de oferecer mais e mais
alternativas aos clientes. Faz todo o sentido.
Porém, nem sempre isso é acompanhado de um esforço para utilizar a abordagem lean.
Assim, uma avaliação de grande parte das empresas conclui que o portfólio de produtos
é demasiadamente complexo, os custos de desenvolvimento são muito elevados, a estrutura
de silos departamentais persiste, gerando duplicações, redundâncias, ambiguidades
e retrabalhos, os lead-times ficam muito longos, a sucessão de produtos fracassados
aumenta, com custos elevados e qualidade deficiente, entre outros problemas.
Isso acaba gerando uma quantidade enorme de produtos com excessiva variedade e complexidade,
muito acima do interesse e desejo dos clientes. Muitas vezes, gera produtos e serviços
muito caros e com baixo nível de qualidade.
Em períodos de crescimento, isso tudo tende a ficar escondido. É possível conviver
com esses problemas. Mas se lembram daquela figura do elevado nível da água escondendo
as pedras no leito do rio? Pois é, a crise expõe mais claramente todos esses problemas.
Há muitas dificuldades para se fazer isso, porque há sempre múltiplos interesses.
Quem deve puxar a iniciativa? Começar escolhendo alguém que assuma a responsabilidade
por uma família de produtos, desde o entendimento da necessidade do cliente, concepção,
fornecedores, produção, entrega etc., acompanhando inclusive o produto ao longo
do ciclo de vida e seus resultados financeiros.
Essa pessoa lembra a figura do engenheiro-chefe na estrutura de desenvolvimento
de produtos da Toyota, alguém responsável do início ao fim pelo produto. Para maiores
detalhes, veja “Sistema Lean de Desenvolvimento de Produtos e Processos”,
de Allen Ward, e “Sistema de Desenvolvimento de Produtos da Toyota”, de James
Morgan e Jeffrey Liker.
Começar a desenvolver novos produtos de um novo jeito, com novos conceitos, não
apenas melhorará os produtos em si, lançando aquilo que os clientes realmente querem,
como também trará resultados financeiros superiores.
Dependendo do tempo de desenvolvimento de seus produtos, os resultados poderão vir
logo. Após dois anos de desenvolvimento lean, uma empresa conseguirá lançar um produto
com custos substancialmente menores (muito mais leve, muito menor, com menos peças
e componentes, muito mais fácil de produzir e montar. E espera começar a colher
os resultados comerciais e financeiros desse processo em breve.
Se os tempos de desenvolvimento forem longos, a necessidade de um esforço paralelo
para repensar completamente a linha de produtos existente se faz premente e urgente,
em conjunto com a área comercial.
Para enfrentar a luta contra os comportamentos defensivos que poderão vir, pode
ser fundamental o levantamento e a análise de dados e fatos das várias famílias
e da variedade dos produtos, examinados de forma crítica, assim como um maior entendimento
dos fluxos horizontais de valor para superar o pensamento em silos, para gerar um
novo processo de desenvolvimento.
Assim como é fundamental utilizar o processo A3 para chegar a amplos consensos e
concordâncias, assim como garantir transparência, com lideranças e iniciativa.
Outro foco fundamental seria olhar com uma abordagem muito distinta para a área
comercial (vendas e marketing). As oportunidades de melhoria são enormes.
A introdução a novas práticas e técnicas de gestão como o gerenciamento diário (ver
exemplo em vendas em “Gerenciamento Diário para executar a estratégia” pode vir
junto com mudanças profundas nos conceitos e na filosofia dessa área.
Precisa ser elevado o nível de conhecimento “científico” da área, com maior entendimento
de dados e fatos dos mercados e clientes, maior capacidade analítica dos especialistas
da área que normalmente se preza por um capital de conhecimentos baseados na intuição
e enfatizando a importância dos relacionamentos.
O esforço deve começar por um entendimento mais profundo do que é valor para os
clientes, reforçar as iniciativas de realizar caminhadas pelo gemba dos clientes
e potenciais clientes para verificar as fontes de satisfação e insatisfação.
Novas técnicas e práticas, como o mapeamento do fluxo de valor, a padronização,
a gestão visual e a solução de problemas, e novas formas de liderar e pensar em
toda a área de vendas e marketing poderão levar a um novo desempenho. Uma empresa
que começou um esforço lean mais intenso na área de vendas, consegue focalizar suas
iniciativas, estratégias e práticas de modo a ter uma maior inteligência e eficácia
– e também uma conexão muito mais firme com as outras áreas do negócio.
Vejam o que aconteceu no mercado automotivo brasileiro do ano passado, com uma queda
dramática de quase 30% no volume de vendas. Nas épocas de crescimento, as empresas
que lideravam com tranquilidade eram a Fiat e a VW. Com a crise, houve uma ascensão
da Toyota, da Ford, da GM, da Hyundai e da Honda com estratégias de produtos e práticas
comerciais muito distintas.
Lean no desenvolvimento de produtos e na área de vendas e marketing ajudarão a sua
empresa a enfrentar a crise atual, sobreviver e se recuperar mais rapidamente, e
em bases mais sólidas. Sabemos dos ganhos substanciais que o lean tem trazido para
a manufatura. Mas levar essa iniciativa fortemente para essas outras áreas do negócio
será essencial para superar este momento difícil.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil
PS1: O Lean Summit 2016 (7 e 8 de junho) abordará algumas experiências
no desenvolvimento de produtos e na área comercial. E James Womack, Michael Hoseus
e Mark Reich são alguns dos palestrantes confirmados.
PS2: A
Lean Global Network (LGN), da qual o LIB faz parte, tem reforçado seus esforços
e tem desenvolvidos projetos em “Lean Product and Process Development”, capitaneados
pelo Lean Enterprise
Institute (LEI) nos EUA sob a liderança de James Morgan para apoiar
a transformação do desenvolvimento de produtos.
PS3: Em março, iniciaremos uma nova turma do “Programa Prático de Formação Lean – Indústria”, que combina
capacitação com a implementação real de um projeto. Ainda dá tempo para você se
inscrever, restam poucas vagas!
PS4: Em 2016, teremos novos temas de workshops para a área da saúde: “Introdução ao lean na área da saúde” e “Fluxo contínuo e trabalho padronizado na área da saúde”
PS5: O LIB estará oferecendo, em conjunto com John Shook, CEO da LGN e do
LEI, um workshop público sobre o “Lean Transformation Framework” em Santiago-Chile em 29
de março.