Pesquisas realizadas pelo Datafolha mostram que desde 2008 a saúde é apontada como
o principal problema do país, sendo mencionada por 45% dos pesquisados, estando
bem à frente do segundo colocado, a segurança, que obteve 18%.
São comuns idas e vindas entre consultas, exames, tratamentos e internações, com
enormes filas e esperas, mesmo no sistema privado. O custo é extremamente alto para
todos: indivíduos, famílias, empresas, governo.
A percepção evidente de tanta ineficiência e desperdícios no setor levam a uma pergunta:
a gestão lean, tendo nascido na manufatura e se espalhado para os mais diversos
setores, teria também contribuições a dar nesta área tão sensível a todos nós?
A resposta é afirmativa e vem sendo dada por inúmeras aplicações de sucesso em diversos
países. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o colapso do sistema de saúde é também
uma das principais preocupações, todos os 17 melhores hospitais do país de especialidades
listados pelo US News & World Report aplicam lean há mais de 6 anos.
Isso vem acontecendo porque os gestores comprovam, no dia a dia, os benefícios concretos
que essa mudança na gestão pode provocar. Lean está fundamentado na excelência em
qualidade, na contínua eliminação dos desperdícios e na sistemática resolução de
problemas. E pressupõe o engajamento direto das pessoas envolvidas com o trabalho
na busca de tais objetivos.
No Brasil, essa aplicação é mais recente e está ainda localizada em algumas iniciativas
pioneiras. Mas já começa a crescer a consciência a respeito do assunto e mais organizações
estão despertando para o imenso potencial que se apresenta diante de nós. O Lean
Institute Brasil tem participado de diversas dessas iniciativas, o que tem trazido
importantes ensinamentos e reflexões compartilhados a seguir.
Valor para o paciente começa com a segurança
Lean coloca foco na criação de valor para o cliente. No setor de saúde, a definição
de valor passa em primeiro lugar pela segurança do paciente. Estudos mostram que
quase 100 mil norte-americanos morrem anualmente em função de erro médico. No Brasil,
processos por erro médico que chegam ao Supremo Tribunal de Justiça cresceram 140%
nos últimos 4 anos.
Erros podem ocorrer em várias etapas do processo, por exemplo, na prescrição ou
na separação de medicamentos, na troca de informações entre pacientes, na limpeza
dos leitos, na maneira como se organizam kits cirúrgicos, na maneira como se planeja
e executa a alta dos pacientes. O desafio lean está em tornar esses problemas visíveis
e desenvolver a habilidade dos profissionais da área da saúde para resolver esses
problemas.
Existem diversos exemplos de aplicação de ferramentas lean que nos ajudam nesse
objetivo, como poka-yokes (dispositivos à prova de erros). Por exemplo, um software
que avisa o médico sobre a perda de peso anormal em pacientes em tratamento quimioterápico.
A necessidade desse aviso foi identificada no Instituto de Oncologia do Vale, de
São José dos Campos (IOV), através da adaptação de uma ferramenta bastante utilizada
no desenvolvimento de produtos na manufatura, a análise de modos de falha e efeitos
(FMEA).
Outro exemplo interessante utiliza o conceito de jidoka: todo membro da equipe
do Virginia Mason Medical Center de Seattle tem o poder (e o dever) de interromper
um processo caso identifique algum problema que possa colocar em risco a segurança
do paciente, o que desencadeia uma reação imediata dos responsáveis clínicos e administrativos
do setor.
Lean tem ajudado também a reduzir as taxas de infecção hospitalar, parâmetro primordial
para a segurança. Um mapeamento minucioso feito por um grupo de melhoria do Pittsburg
Regional Healthcare mostrou, por exemplo, que os acessórios de higienização não
estavam adequadamente localizados, o que levava a falhas na higienização das mãos,
apesar dos extensivos procedimentos estabelecidos e campanhas de conscientização.
Diversas outras dimensões do que é valor para o paciente podem ser identificadas,
como, por exemplo, não enfrentar longas esperas, e ter seu problema totalmente resolvido.
O Dr. Carlos Frederico, em seu livro “Em Busca do Cuidado Perfeito”, exprime bem
o que é valor para o paciente, através de seis dimensões do cuidado: deve ser seguro,
eficiente, eficaz, ágil, centrado no paciente e justo.
Recursos escassos não podem ser subutilizados
As discussões sobre como resolver os problemas da saúde passam, muitas vezes, pela
alegada falta de recursos: faltam hospitais, equipamentos, médicos, suprimentos
etc., o que é uma realidade, em especial no sistema público. Mas mesmo no sistema
privado, problemas semelhantes mostram que a capacidade não está sendo suficiente
para atender a demanda.
Num ambiente como esse, subutilizar recursos é inadmissível.
A aplicação de princípios lean bastante simples pode trazer ganhos de capacidade
entre 20% e 40% sem investimentos.
Alguns exemplos:
- Aumento da utilização de salas de cirurgia (um dos recursos mais nobres em um hospital)
de 20% a 30%, obtidos em diversos casos, através de melhorias no fluxo de informação,
preparo do paciente e da sala, fluxo do instrumental etc.
- Redução de 30% no tempo médio de permanência em pronto socorro, através de melhorias
na triagem, fluxos, gestão visual, trabalho padronizado etc.
- Aumento da capacidade de atendimento de oncologia no IOV de 170% em 4 anos, sem
aumento de área nem de pessoas, reduzindo horas extras em 40%.
- Entrega de novos pedidos de medicamentos pela farmácia do hospital durante plantões,
que era de 4h, passando para 12 minutos, no Intermountain Healthcare de Utah.
Equipes motivadas prestam melhores serviços
As aplicações lean na saúde têm gerado grande motivação entre as equipes envolvidas,
resgatando o orgulho por melhorar o trabalho em equipe, resultando em melhor qualidade
do cuidado.
Isso tem sido percebido em diversas situações, como, por exemplo, no ThedaCare,
que implantou o “tratamento colaborativo”. Esse tratamento funciona como uma célula
de trabalho. Num leiaute onde a enfermagem tem visibilidade de todos os quartos,
uma equipe de médico, enfermeiro, farmacêutico e nutricionista se encontram com
o paciente e família em até 90 minutos após a internação e elaboram um plano individual
de tratamento.
Mudanças como essa na maneira de trabalhar e outras melhorias, como o aumento da
segurança nos procedimentos que o lean traz para os profissionais de saúde (da mesma
forma que traz para os pacientes), têm resultado, em alguns casos, reduções de até
67% na taxa de rotatividade de colaboradores.
Saúde financeira também precisa melhorar
Muitas organizações do setor de saúde estão na UTI. A todo o momento, lemos notícias
sobre hospitais sob ameaça de serem fechados. Os custos dos convênios particulares
ficam cada vez mais proibitivos.
As aplicações lean na área da saúde têm também contribuído para melhoria do aspecto
financeiro, reduzindo custos, aumentando a produtividade, reduzindo estoques, melhorando
o fluxo de caixa, reduzindo não pagamentos por erros em documentos, etc.
Somente organizações com equilíbrio financeiro podem prestar um serviço de qualidade.
Em vez de tradicionais cortes indiscriminados de custos, o lean pode contribuir
para esse equilíbrio pela melhoria de processos e eliminação de desperdícios.
Melhorias significativas dependem de toda a cadeia de valor
Os casos mostraram resultados em diversas áreas: prontos-socorros, centros cirúrgicos,
centros de terapia intensiva, setores de farmácia, ambulatórios, exames clínicos,
laboratórios, processamento de guias, faturamento etc. Mas ainda temos um longo
caminho pela frente. Pouquíssimos hospitais no Brasil despertaram para o poder que
os conceitos e técnicas lean pode ter diante da necessidade premente de melhorarmos
a gestão no setor.
Os aprendizados acumulados com essas primeiras iniciativas criam uma base para aplicações
mais amplas no futuro, seja dentro das organizações, seja conectando os diversos
agentes. O avanço depende da articulação de iniciativas entre todos envolvidos dessa
complexa cadeia de valor: governos, seguradoras, entidades mantenedoras, hospitais,
universidades e associações médicas.
Somente assim poderemos, através do aprendizado coletivo, melhorar o cuidado com
a saúde em todas as suas etapas: prevenção, detecção, diagnóstico, terapia e acompanhamento,
otimizando e integrando todos os fluxos: pacientes, familiares, provedores, medicações,
informações, fornecedores e equipamentos.
Flávio A. Picchi
Vice-Presidente
Lean Institute Brasil
Flávio Battaglia
Diretor do LIB e
Coordenador do II Lean Summit Saúde
PS1: No dia 03 de dezembro, realizaremos o II Lean Summit Saúde, evento totalmente dedicado ao tema.
Teremos a participação especial de Kim Barnas e Helen Zak (EUA), além de diversos
casos brasileiros de alto impacto. As experiências serão compartilhadas pelas principais
lideranças envolvidas com as iniciativas.
PS2: No artigo "Conectando as etapas do cuidado: um plano para cada paciente",
Flávio Battaglia e Carlos Frederico abordam como fazer uma conexão das diferentes
etapas do cuidado sem que haja rupturas, desconexões perda de informações ao longo
do processo.
PS3: Daniel Jones, em seu último artigo "Na última década, os princípios da gestão lean se expandiram para
a indústria da saúde, muitas vezes com ótimos resultados", compartilha algumas
lições que aprendeu sobre lean na área da saúde.
PS4: O Encontro Lean Campinas trará o exemplo de aplicação do Lean
& Green na GKN, além de outros temas e casos de empresas: Siemens, 3M, Wabco, Bosch,
Camargo Correa e IMA Campinas. Participe!