Um dos grandes desafios da transformação lean em muitas empresas é construir pontes com a área financeira para solidificar e perpetuar esse esforço. Normalmente, o mundo lean lida com transformações reais na maneira como a empresa desenvolve suas atividades em processos reais, enquanto o mundo financeiro trata de números com um nível maior de abstração.
Mas por que precisamos conectar mais fortemente esses dois mundos artificialmente separados? Tudo não deveria ser parte do mesmo fenômeno de mudança?
Vejamos algumas situações concretas.
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Lidar com as flutuações de mercado do ponto de vista da quantidade de pessoas necessárias para o negocio é um teste para a capacidade de fazer a conta certa. Grande parte das empresas ainda enfrenta os picos e vales do negócio, alguns deles naturais, mas alguns criados pela própria maneira como a empresa é gerenciada, com ajustes de mão de obra, principalmente direta. A conta pode mostrar que a manutenção de um número de pessoas superior ao necessário é um custo a ser evitado.
Fazer a conta certa nesse caso significa mudar a visão de mão de obra como um mero custo para entender a sua participação essencial na agregação de valor. Além disso, como fonte de ideias para melhorias e com capacidade de solução de problemas.
A visão lean de não demitir, ou evitar isso máximo, decorre também do esforço de fazer a conta certa. Contas simplificadas com foco no curto prazo podem justificar essas ações. Mas se o conhecimento incorporado nas pessoas dispensadas for contabilizado, será verificada uma perda de valor inestimável e irrecuperável.
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Há ganhos complexos de se avaliar - como a melhoria no nível de entrega -, pois as métricas - como ganhar fidelidade dos clientes, conquista de novos negócios etc. - não são facilmente mensuráveis. Ou pior ainda, por exemplo, quando há uma liberação de espaço em fábricas ou diminuição do lead time em processos administrativos, há sérias dúvidas do pessoal da área financeira sobre o que isso traz como resultado concreto.
Assim, a definição dos benefícios, como contabilizar esses ganhos e mostrar os resultados dos progressos lean em bases financeiras, pode exigir um esforço e entendimento maiores do que tradicionalmente existe. Fazer a conta certa, nesse caso, significa entender que uma redução da necessidade de espaço físico pode ser contabilizada quando uma expansão não requer investimentos adicionais.
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Muitas áreas de compras continuam achando que seu trabalho mais importante continua sendo "espremer" fornecedores. Muitas vezes, conseguem resultados de curto prazo, mas, ao mesmo tempo, podem destruir a capacidade de sobrevivência, de desenvolvimento e de inovação dos fornecedores. Não conseguem construir relações de confiança e de longo prazo, mesmo porque alguns fornecedores não resistem. A troca de fornecedores pode parecer capaz de manter os custos baixos, mas quando se considera custos invisíveis dessas trocas, como problemas adicionais de entrega e qualidade, percebemos que nem sempre essas trocas valem à pena. Fazer a conta certa significa saber se realmente vale à pena esse esforço de colocar o fornecedor contra a parede.
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Resultados concretos, como a redução de estoques, parecem ser facilmente contabilizados e entendidos. Apesar disso, isso tende a ser visto somente a partir do ganho financeiro da redução de capital parado. Na verdade, é muito mais que isso, pois a liberação de caixa pode possibilitar investimentos. O pior é que os sistemas tradicionais estimulam o sistema empurrado, gerando mais e mais estoques. No sistema tradicional de custeio, quanto mais produzir mais se diluem contabilmente os custos fixos. Ótimo, se o que foi produzido atender a uma demanda real e clientes pagarem pelo produzido. Mas, muitas vezes não é isso que acontece, pois o sistema tradicional estimula a superprodução, apontado por Taiichi Ohno como o mais importante de todos os desperdícios, acumulando-se um enorme estoque de materiais em processo e produtos acabados, onerando-se o caixa (aumento de pagamento de fornecedores e custos diretos sem faturamento de clientes na mesma proporção). Mas o custo padrão nos relatórios contábeis nem sempre mostra isso. Fazer a conta certa significa produzir conforme o takt time.
Essas situações simples e frequentes mostram como pode ser difícil apresentar e contabilizar os resultados e ganhos da transformação lean. O assunto tem chamado a atenção de pensadores lean que estão buscando desenvolver ferramentas e conceitos simples para permitir uma tradução mais eficaz e direta dos ganhos financeiros da transformação lean.
A busca pela agregação dos custos por fluxo de valor, em substituição aos custos padrão, é um desses esforços. A importância de se manter fluxos de caixa saudável é outro, assim como a simplificação dos controles financeiros, de modo a possibilitar melhores operações com a gestão visual e para permitir o envolvimento do maior número possível de funcionários.
Mas as vantagens financeiras, embora sejam um objetivo essencial e propósito da transformação, devem ser vistas no longo prazo, a partir de um respeito fundamental às necessidades dos clientes, com uma clara visão da agregação de valor em toda a cadeia produtiva e contando com o engajamento efetivo das pessoas.
Acreditamos que essa aproximação entre o mundo concreto da transformação lean e o mundo abstrato das finanças e dos números possa ajudar as empresas a fazerem a conta certa e, assim, tomar as decisões corretas.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil
PS1. Um dos destaques do Lean Summit 2012 é a participação de Brian Maskell, um dos mais importantes especialistas em contabilidade lean. Brian abordará em profundidade os princípios e métodos da Contabilidade Lean, uma maneira de simplificar a contabilidade gerencial e torná-la uma importante aliada nos esforços de transformação, ajudando a reportar o desempenho, orientar melhorias e tomar decisões com base nos números certos.
PS2. Dois novos artigos - "Três Maneiras de Tornar seu Departamento de TI Mais Ágil" e "Buscar em TI a Inovação dos Processos?", ambos de Brad Power - tratam da transformação que a área de TI vem sofrendo. Algumas empresas do setor estarão mostrando os seus esforços para tornar seus processos de TI mais ágeis, atuando como promotoras da melhoria dos processos e inovação, e não como simples mantenedoras de sistemas antigos, que em muitos casos acabam até mesmo funcionando como retardadoras das mudanças.
PS3. Como parte de nossa atuação crescente nesse importante setor da sociedade, estamos lançando, em mais uma colaboração com a Editora Bookman, o livro "Uma Transformação na Saude", de John Toussaint e Roger A. Gerard. O LIB, através do Flavio Battaglia, apresentará uma learning session no 3rd Lean Healthcare Transformation Summit em Minneapolis-MN. Estamos verificando a existência de empresas interessadas para organizar um grupo especial para participar desse evento. Entre em contato conosco pelo e-mail [email protected].
PS4. Lançamos um novo Workshop público "Liderança Lean para Supervisores" a ser ministrado no dia 13 de abril em Santo André - SP. Este treinamento inédito apresenta quais são as novas habilidades importantes que um supervisor deve ter para a implantação do lean e o desenvolvimento de pessoas.