GERAL

Refletindo para aprender: aprendizados e reflexões sobre o processo A3

John Shook
No artigo de hoje, vou adicionar um pouco mais de contexto à entrevista de ontem com Isao Yoshino e oferecer alguns pontos chaves.

Primeiro, citando meu próprio livro, “Gerenciando para o Aprendizado”, sobre o que significa o processo A3:

“…o A3 é uma manifestação do processo de pensamento de solução de problemas que envolve diálogo contínuo entre o dono de um problema e outros da organização. É um processo básico de gestão que permite e encoraja a aprendizagem através do método científico”.

Se eu tivesse de reescrever isso hoje, eu mudaria “método científico” para “pensamento científico”. Afinal, o que conhecemos como “método científico” é apenas uma forma de estruturar o processo de fazer ciência. E a ciência é normalmente um processo bem mais bagunçado do que fica implícito pelos passos do desenvolvimento de uma hipótese e o teste para provar que ela não é válida.

Semelhante ao A3, devo acrescentar. O processo A3 não é a mesma coisa que a ciência, mas é um processo que ajuda as equipes a fazer ciência em conjunto. Muitas pessoas pensam nisso como um processo de resolução de problemas (ou uma estrutura para um processo de resolução de problemas), mas a Toyota tornou-se muito mais do que isso. Ele veio para permitir que a forma da empresa de pessoas trabalhando em conjunto de forma eficaz fosse incorporada. Especialmente em ambientes de trabalho de conhecimento – falarei mais sobre isso mais para frente.

Então o processo A3 é a mesma coisa que o PDCA? Não exatamente. O PDCA – como a ciência – pode assumir muitas formas; na verdade, você poderia chamar o PDCA de uma estrutura para fazer ciência. O gemba em si é o melhor lugar para o PDCA, não uma folha de papel ou até mesmo o diálogo que a folha de papel representa. Mas, da mesma forma que PDCA é mais do que o A3, o A3 é mais do que o PDCA. Além de fornecer uma estrutura de valor inestimável para o PDCA (de modo que o PDCA se torna mais do que apenas um bom ideal), o A3 pode, em um dia bom, encarnar uma forma holística de trabalhar em conjunto: de mentoria, ensino, coaching, chefia e ajuda; de colaboração, alinhamento e continuidade.

Como o processo A3 se tornou tão proeminente? O A3 se tornou famoso quando os treinadores da Toyota do Japão usaram o processo para desenvolver suas contrapartes em operações recém-fundadas ao redor do mundo nos anos 80 e 90. Para solucionar um problema específico, para desenvolver certo plano ou para alinhar o pensamento quanto a um problema emergente, os treinadores da Toyota de Georgetown e de outros lugares frequentemente demandavam: “traga-me seu A3!”.

Um pouco mais de contexto de um artigo que escrevi para o lean.org (em inglês) em 2008:

“Descobri a importância do processo A3 em primeira mão, assim como todos os colaboradores da Toyota. Em meu caso, meus primeiros gerentes, Isao Yoshino e Ken Kunieda, e colegas desesperadamente precisavam de que eu aprendesse o pensamento e adquirisse as habilidades para que eu pudesse ser útil! Mas o processo pelo qual passei não era especial. Quando me juntei à Toyota em Toyota City (onde, por certo tempo, eu era o único americano), no final de 1983, todos os colegas formados recém-contratados começaram a aprender seu trabalho ao serem treinados através do processo de criação de A3. Os novos colaboradores chegariam a sua nova mesa e encontrariam esperando por eles um problema, um mentor e um processo para aprender solucionando aquele problema. O processo inteiro era estruturado no PDCA e capturado no A3”.

Eu não sabia na época como o processo A3 havia se tornado uma ferramenta de gestão fundamental para a empresa, usada para desenvolver habilidades de solução de problemas e geração de propostas, para criar alinhamento – para embutir o PDCA profundamente no ambiente de gestão através de um processo estruturado de mentoria, ensino e coaching. É aqui que a iniciativa Kan-Pro aparece. Obrigado, Sr. Yoshino, por compartilhar sua experiência pessoal com o programa que fez tanto para enraizar o A3 na cultura da Toyota.

Shook e Yoshino

Mas, olhando para trás após quase 40 anos de Nemoto e da iniciativa de Yoshino Kan-Pro, é instrutivo notar que o foco da Toyota era gerentes de áreas que chamamos hoje de trabalho de conhecimento.

O programa Kan-Pro incluía todos os gerentes de nível médio EXCETO POR (!) aqueles que lideravam as operações em um site de um gemba de produção direta (notavelmente, o pessoal de vendas e marketing também era excluído, simplesmente porque a Toyota era dividida em duas empresas – manufatura e vendas – de 1950 a 1982). A melhor tela para o PDCA é normalmente o próprio gemba. Quando Nemoto e Yoshino executaram o Kan-Pro, a Toyota percebeu que os gerentes de produção não precisavam e não tinham tempo para os exercícios de desenvolvimento do A3. Perceba, entretanto, que os ENGENHEIROS de produção – que TÊM tempo para sentar e planejar o futuro – ERAM incluídos no Kan-Pro.

A mesma verdade – que o gemba é a melhor tela para o PDCA – se mantém para outros tipos de trabalho também, claro – isso é, SE estruturarmos o trabalho com essa intenção. É sobre isso que é a obeya, por exemplo. Ou qualquer tipo de quadro visual, do tipo que é comum em muitas empresas de hoje (a Menlo Innovations e a Nationwide Insurance são duas empresas que têm compartilhado exemplos úteis de visualização do trabalho de escritório nos últimos Summits de Transformação Lean).

Conforme o trabalho de conhecimento domina as economias, ele cresce naturalmente em importância. Daí o aumento na proeminência da aplicação do pensamento lean no trabalho de conhecimento, como o “kanban pessoal”, de Jim Benson e Tonianne DeMaria, o “vencendo o jogo mental”, de Matthew May e o “razão e resposta”, de Parry. Perceba que o relacionamento de tudo isso a rotinas que formam hábitos, como o “kata Toyota”, de Mike Rother, ou o “poder do hábito”, de Charles Duhigg, ou o mais recente “mais esperto, mais rápido, melhor”.

Ou, para uma visão mais acadêmica, lembro-me do artigo de Ikujiro Nonoka “The Knowledge-Creating Company”, publicado pela Harvard Business Review em 1991, ou, mais recentemente, do artigo publicado na Sloan Management Review de Machael Ballé, Jim Morgan e Durward Sobek, “Why Learning is Essential to Sustained Innovation”.

Ok, qual é o ponto de tudo isso; por que essa caminhada pela história? Primeiro, eu acho que a história pode ser instrutiva (eu não concordo com a teoria de Henry Ford de que “a história é mais ou menos sem sentido”), e o Sr. Yoshino estava ansioso para compartilhar essa história pouco conhecida, mas importante. Em segundo lugar, o Kan-Pro fala para todos nós sobre a necessidade de qualquer empresa ser deliberada no desenvolvimento de competências de gestão e pensamento. Muitas empresas ainda agem como se tudo que precisam fazer é contratar grandes pessoas (“encontrar as pessoas certas no ônibus!”) e deixá-las soltas (“as pessoas têm talento natural, apenas saia do caminho!”). Isso pode soar atraente, mas não vi funcionar. Se queremos certas capacidades e comportamentos, melhor sermos deliberados sobre o desenvolvimento deles. Não?

Em terceiro lugar, como a porcentagem do trabalho que todos nós fazemos reside cada vez mais nesse reino do “trabalho de conhecimento” (eu não sei sobre você, mas eu não estou construindo carros aqui no escritório do LEI, em Cambridge, Massachussetts), a necessidade de compreender e melhorar esse tipo de trabalho se torna cada vez mais importante. O projeto da experiência de trabalho deve ser deliberado, seja o trabalho físico ou mental. O Kan-Pro foi a primeira tentativa da Toyota para enfrentar esse tema espinhoso de forma deliberada.

Ah, e uma nota final. Nunca se esqueça: o A3 não é o ponto. O ponto é a ciência. O PDCA. A resolução de problemas. E a melhoria e a aprendizagem.

Publicado em 25/08/2016

Autor

John Shook
Presidente da Lean Global Network, Senior Advisor do Lean Enterprise Institute, Estados Unidos
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal