FINANÇAS E CONTABILIDADE

Contabilidade Enxuta - A Contabilidade para a Empresa Lean

A produção enxuta representa, para a empresa, o melhor dos mundos, ou seja, sensíveis reduções em: taxa de chamadas de serviços ao cliente, no custo da qualidade, na quantidade de horas extras, no tempo de processamento do pedido na empresa, na taxa de entrega ao cliente, nos estoques, no espaço ocupado, etc.

Contudo, quando uma empresa está em transição da antiga forma de produzir (produção em massa) para a nova forma (produção enxuta) os informes financeiros da contabilidade tradicional de custos mostram que a lucratividade reduziu e em função desses resultados muitas empresas cancelam essa transição voltando para a forma tradicional de produção/operação.

Entretanto, o problema é causado pela contabilidade tradicional que foi desenhada para a produção em massa existente há cerca de cem anos, não estando, pois, adequada aos novos tempos da produção enxuta.  Em resumo o seguinte ocorre:

1. As companhias enxutas mantêm pequeno, ou quase nenhum estoque, as empresas que estão em transição para o pensamento enxuto obviamente passarão a consumir esses estoques e irão reduzi-los.  Então, reduzindo-se o estoque, que é muito favorável, ao contrário, essa prática irá reduzir o valor da companhia, e a lucratividade reduz nos demonstrativos financeiros da contabilidade tradicional de custos.

2. Isso não acontece somente nas companhias que estão em transição para o pensamento enxuto, também os clientes reduzem seus estoques, pois, passam a confiar que com a redução nos tempos de entregas de seus fornecedores que utilizam a produção enxuta, além do aumento da qualidade, eles também podem reduzir seus estoques.  Então, os clientes ajustam seus pedidos e ao invés de, por exemplo, fazê-lo com cinco semanas de antecedência, o fazem com uma semana de antecedência.  Assim, vendas são adiadas no curto-prazo.

3. Ser enxuta faz com que a companhia se torne mais produtiva.  Contudo, no curto-prazo é difícil para a empresa se beneficiar desses melhoramentos na sua lucratividade.  Isso porque a força de trabalho ociosa não pode ser desligada, pois se necessita a cooperação dos trabalhadores e gerentes para o restante da implementação.

4. Nem a capacidade extra disponível em conseqüência da melhoria de produtividade pode ser utilizada no curto-prazo, pois, a empresa ainda em transição leva tempo para introduzir novos produtos na fabricação, e otimizar o sistema ao longo das linhas de produtos enxutos.

Assim, foi criada uma nova forma de informar os resultados financeiros nas empresas enxutas, tema que é tratado pela contabilidade enxuta.  O atual demonstrativo tradicional de lucros e perdas é de difícil entendimento pelos não contadores nas empresas.  Ele é substituído por um demonstrativo simples que pode ser apurado em curtos períodos, como semanais, e tal que todos na empresa podem entendê-lo. Além disso, esse demonstrativo simples mostra os ganhos obtidos pela produção enxuta evitando os problemas aqui já relatados.  Entre outros, o Box Score é um quadro que fornece ao gerente do fluxo do valor, bem como a seu grupo de trabalho, uma visão sumária do desempenho do fluxo de valor; é constituído de três partes: a parte superior é formada por indicadores de desempenho; a parte central mostra os indicadores de recursos de capacidade; e a seção inferior apresenta os indicadores financeiros.  O Box Score é reportado semanalmente, apresenta as semanas anteriores bem como o objetivo planejado para o futuro, que foi acertado com o grupo de trabalho, visando os melhoramentos previstos com a produção enxuta.

Além dos informes financeiros simples criados pela contabilidade enxuta ressalta-se ainda uma nova forma de custear os produtos e que é representada pelo custeio do fluxo de valor.

Como se sabe um dos problemas perenes da contabilidade tradicional é sua incapacidade de determinar com precisão os custos dos produtos/serviços devido aos rateios arbitrários dos custos indiretos.  A contabilidade enxuta acaba com esse problema que permanece por cerca de cem anos, com a introdução do custeio do fluxo de valor.

A determinação do custo do produto passa a ter importância menor da que recebe na contabilidade tradicional.  Mesmo porque devido aos rateios já aludidos esses valores são questionáveis. Mesmo o custeio baseado-em-atividades pela sua complexidade tem sido restrito a poucas empresas o que levou Thomas Johnson no artigo Lean Dilemma (2006), a dizer “...o custeio ABC parecia uma boa idéia naquele tempo, mas no retrospecto foi uma boa resposta a uma questão errada. Hoje, enxergamos melhor....A questão é que os proponentes do ABC deveriam procurar perguntar como organizar o trabalho para eliminar as causas da atividade dos custos indiretos, e não como procurar meios de distribuir os custos indiretos aos produtos...”. Nesse sentido esse autor queria dizer que o custeio ABC seria não mais que um avanço da contabilidade tradicional já que continuava a distribuir (ratear os custos indiretos), ao contrário, ele propõe o combate às causas dos problemas e que seria a organização lean como a Toyota o faz.  Nessa forma de organização, lean, isso seria evitado, pois, o custeio do fluxo de valor atua na causa que gera os atuais problemas na determinação dos custos – evita o rateio dos custos indiretos.  No custeio do fluxo de valor não existe a necessidade desse rateio, ou melhor, quando existe é absolutamente mínimo.  Nessa forma de custeio os custos diretos e indiretos, no seu fluxo de valor, comportam-se como se diretos fossem. O custeio do fluxo de valor seria uma resposta boa para uma questão correta, parafraseando Johnson.

Uma vez que o inventário da empresa é baixo e sob controle, os custos de materiais do fluxo de valor correspondem aos materiais comprados para o fluxo de valor.  Todas as compras já são realizadas descarregando no centro de custos do fluxo de valor.  O mesmo é feito para os suprimentos, ferramentas, e outros custos.  Eles são aplicados simplesmente ao centro de custos do fluxo de valor ou são derivados do processo de contas a pagar.  Outro aspecto que mostra a simplicidade do sistema é que são poucos os centros de custos.  Ao invés de se ter um grande número de departamentos, a organização configurada em fluxos de valor passa a ter poucos centros de custos por fluxo de valor.  A informação colocada no demonstrativo simples de resultados do fluxo de valor é a real, refletindo o que está acontecendo naquela semana ou mês.  A receita é representada pela quantidade atual de faturas processadas por produtos fabricados no fluxo de valor específico.  A eliminação de rateios de custo indiretos (o grande vilão da precisão dos custos) faz com que as informações de custos e lucros sejam atuais e entendidas por todos que trabalham no fluxo de valor, mesmo os nãos contadores.

Existem algumas pessoas na organização ou na fábrica que não trabalham nos fluxos de valor.  Elas são pessoas que possuem tarefas não relacionadas diretamente ao fluxo de valor, como contabilidade financeira, por exemplo, ou seu trabalho atravessa todos os fluxos de valor como pessoal de suporte da qualidade como ISO 9000 ou ISO14000.  Esses custos e despesas associadas com esses grupos de tarefas que não estão diretamente no fluxo de valor, não são rateados pelos fluxos de valor. Eles são tratados como sustentação de custos dos negócios; ou seja, eles são orçados e controlados, porém não são alocados.  A única alocação realmente admitida é o de suporte de facilidades, e o direcionador usado é o metro quadrado que faz inclusive com que cada fluxo de valor procure utilizar o menor espaço possível.  Não existe, pois, lugar para o custeio por absorção plena.  Então, esses custos que não são reportados nos fluxos de valor o são nos demonstrativos de L&P separadamente como custos de sustentação ou outro nome.

A maior parte das decisões pelas quais se faz necessário conhecerem os preços dos produtos (decisão de fazer ou comprar, por exemplo) é feita no fluxo de valor sem levar em consideração o custo dos produtos.

Decisões de preços para organizações enxutas nunca foram feitas precisando do custo dos produtos.  A organização enxuta foca no valor criado para o cliente ou para o mercado. É o valor ao cliente quem determina o preço.  O valor para o cliente não tem relação de causa e efeito com o custo do produto.  Considerando-se que os preços são determinados pelo mercado somente tem-se que fazer outra pergunta em resposta a essa questão: Será que se está produzindo um lucro nesse produto se ele for vendido a esse preço? É inútil, pois, determinar a lucratividade apenas tomando-se como referência o produto.  A abordagem correta é olhar para o potencial do pedido e trabalhar o seu efeito na lucratividade do fluxo de valor como um todo.  Veja o exemplo mostrado na tabela que segue:

Exemplo de lucratividade usando Custeio do Fluxo de Valor

Como pode ser visto os custos padrões não influenciam necessariamente no desempenho do fluxo de valor ou da célula, ou mesmo da fábrica como um todo.  O exemplo da tabela apresentada mostra a decisão de se aceitar um pedido novo de 20 unidades onde o custo de conversão se mantém, por supostamente o fluxo de valor possuir capacidade para tal.  A análise independeu do custo do produto, e a tabela mostra que é maior a lucratividade com o novo pedido.

A decisão de fazer ou comprar também remete à lucratividade do fluxo de valor como um todo.  Usando o custeio tradicional para tomar a decisão de comprar ou fazer um item pode ser perigoso, isso por que esse custo provavelmente irá levar a uma decisão errada.  Se o fluxo de valor tem capacidade adicional para fazer o item, então não existe razão financeira para fazê-lo fora no fornecedor externo. O custo de fazer internamente é virtualmente nenhum porque os custos das máquinas, do pessoal, e das facilidades já foram devidamente pagos. Alternativamente, se não houver capacidade dentro do fluxo de valor, então o custo de fazer o produto internamente será o custo de obter recurso adicional para fazer o produto.  Esses recursos podem ser simplesmente um custo de horas extras adicionais, ou mesmo podem representar um investimento de capital para aumentar a capacidade produtiva.

O mesmo raciocínio se aplica quando se deseja analisar a rentabilidade de produtos ou clientes.  Não é necessário olhar para o custo individual de um produto. Precisa-se sim, mirar no efeito da mudança na lucratividade do fluxo de valor.  Se uma determinada família de produtos é removida do fluxo de valor, o que essa mudança traz na lucratividade total desse fluxo? De forma semelhante, o efeito de remover determinado cliente é acessado no nível do fluxo de valor, não no nível do produto individual ou do cliente.

A introdução de novos produtos exige uma análise semelhante. Se existe capacidade disponível dentro do fluxo de valor então a introdução de um produto novo irá crescer a lucratividade do fluxo de valor pela contribuição daquele produto. A contribuição é o retorno menos os custos diretos externos ao fluxo de valor. Os materiais diretos externos ao fluxo de valor são justamente os materiais e componentes requeridos, mas às vezes podem incluir outros custos de processamento externo, ou outros serviços requeridos fora da companhia. Custos de mão-de-obra e máquinas não estão incluídos na contribuição.  Se o fluxo de valor não tem capacidade disponível suficiente para fazer os produtos adicionais, então a lucratividade do fluxo de valor é calculada levando em conta o pessoal e máquinas necessários para atender a capacidade adicional requerida.

Custos padrões não são necessários para avaliar inventários.  Quando lean é introduzido, os níveis de inventário caem substancialmente.  Se os níveis de inventários são baixos então a valorização é bem menos importante de quando eles são altos.  Por exemplo, se o inventário é de três meses de demanda de clientes, então é importante valorizar esse inventário de uma forma detalhada, com o uso de custos padrões da contabilidade tradicional. Se o inventário é menor que cinco dias de vendas, esse detalhamento já não é mais necessário.  E nesse caso de inventário baixo e sob controle diversos métodos existem para calculá-los.  Assim, podem-se utilizar formas de valorização, como por exemplo, através de contagem, calcula-se o número de dias de vendas que esse inventário representa, e multiplica-se esse número pelo custo diário do fluxo de valor.  Nesse caso contar inventário é rápido e fácil, porque o inventário é baixo, e igualmente importante gerenciado visualmente.

James Huntzinger (Lean Cost Management: Accounting for Lean by Establishing Flow, 2007) comenta, ainda, sobre a verdade com relação às práticas contábeis geralmente aceitas, pois, muitos executivos financeiros e líderes ficam relutantes em mudar as práticas tradicionais da contabilidade gerencial de custos.  Segundo ele existe uma falta de entendimento do que é necessário e do que o sistema é capaz de fazer.  As práticas contábeis geralmente aceitas representam uma parte muito importante da contabilidade, e crítica para manter os padrões básicos de forma a dar, às pessoas e às instituições, informações valiosas e com a credibilidade necessária, para as tomadas de decisões no mercado. Diz ele, ainda, que a verdade com relação às práticas contábeis geralmente aceitas é que elas nada têm a ver com o sistema de contabilidade gerencial de custos da empresa.  Esse sistema é para as tomadas de decisões internas enquanto que as praticas contábeis cobrem os métodos e as tomadas de decisões externas ou financeiras.  Huntzinger cita ainda Orest Fiume e Jean Cunningham (Real Numbers: Management Accounting in a lean Organization, 2003) que explicitam a realidade entre contabilidade lean e as práticas contábeis geralmente aceitas, quando dizem: “Nada na contabilidade gerencial lean viola as práticas contábeis geralmente aceitas”.

Nos poucos casos em que se torna necessária conhecer os preços dos produtos (preços de transferência, exportação de produtos), e em sendo os produtos homogêneos, simplesmente se utiliza o custo médio dos produtos dentro de seu fluxo de valor. E se por acaso os produtos, dentro do fluxo, forem heterogêneos, utiliza-se um critério que leva em conta as feições e características desses produtos. Vale aqui a ponderação de James Huntzinger que faz uma interessante análise entre precisão e acuracidade. Segundo ele a contabilidade tradicional de custos produz informações de custos que são grossamente distorcidas. Diz que o sistema é capaz de informar com cinco casas decimais, o que é totalmente enganoso.  Cita Orest Fiume que diz enfaticamente: “A maioria das companhias ainda acreditam que conhecem os custos de seus produtos – até com quatro casas decimais – o que é uma clássica confusão entre precisão e acuracidade”. Assim, Orest Fiume e Jean Cunningham definem esses termos “Precisão é conhecer a resposta até a terceira casa decimal.  Acuracidade é a resposta correta para a tomada de decisão que você está tentando fazer”.

A contabilidade lean fornece o custo correto (acurado) da família de produtos do fluxo de valor.

* Doutor em Engenharia da Produção; Professor associado aposentado da UFRJ;

Publicado em 25/02/2011

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